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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Raparigas aprendem a Surfar as Ondas da Vida

“Estamos a eliminar estereótipos de género e a narrativa que está tão enraizada na cultura do país" - Francisca Sequeira.

Raparigas aprendem a Surfar as Ondas da Vida.

Em São Tomé e Príncipe, as raparigas são o cerne de uma iniciativa que visa promover a igualdade de género e a consciencialização dos direitos individuais. A ONG Proud Surfers in Women of Africa (SOMA), fundada pela portuguesa Francisca Sequeira, introduziu há quatro anos um programa de terapia através do surf, especificamente destinado a raparigas entre os 10 e os 17 anos.

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Este programa tem como objetivo fortalecer a autoconfiança das jovens raparigas que enfrentam desafios como a sobrecarga de tarefas domésticas, o risco de abandono escolar, a gravidez precoce e o abuso físico e psicológico. Através da prática do surf, estas raparigas ganham autoconfiança, aprendem a expressar-se e têm a oportunidade de sonhar com um futuro diferente.

Além disso, através de uma colaboração inovadora entre a SOMA, a Betclic Portugal e a Shutterstock, está-se a colmatar a falta de surfistas negras nos principais bancos de imagens em todo o mundo, com 120 fotografias e 30 vídeos de surfistas da localidade de Santana, em São Tomé.

Estas fotos e vídeos que passam a estar disponíveis na Shutterstock, está a criar um movimento para promover a diversidade no surf e inspirar mulheres de diferentes origens a abraçarem este desporto. Deste modo, estas ações estão a lançar uma nova onda de igualdade e aptidões que transcendem as águas de São Tomé e chegam a toda a comunidade global do surf e não só.

 

Proud Surfers in Women of Africa (SOMA)

Imagem © SO;MA (20231010) Raparigas aprendem a Surfar as Ondas da VidaNa cidade de Santana, em São Tomé, a chuva leve acompanha os voluntários que percorrem as ruas lamacentas para garantir que as raparigas da cidade participem na nova temporada de surf que também as prepara para enfrentar as “ondas difíceis” da vida.

É quarta-feira, o dia geralmente dedicado a visitar as famílias como parte do acompanhamento semanal das raparigas, com idades entre os 10 e os 17 anos, que participam no programa de surf terapêutico trazido a São Tomé e Príncipe, há quatro anos atrás, pela portuguesa Francisca Sequeira, fundadora da ONG SOMA.

Sobrecarregadas desde tenra idade com tarefas domésticas, em risco de abandonar a escola, enfrentando gravidez precoce e frequentemente vítimas de abuso físico e psicológico, a missão do programa é esclarecer estas raparigas sobre os seus direitos, apoiá-las na escola e promover a educação em saúde mental.

Depois de uma pausa de alguns meses para redefinir o projeto, agora é necessário garantir que as autorizações sejam assinadas pelos pais a tempo das raparigas participarem na semana de socialização.

Por isso, Francisca Sequeira, acompanhada pelos mentores das jovens surfistas, visita porta a porta numa tarefa árdua de incentivação, às vezes o pai, às vezes a mãe e às vezes até a própria criança.

O Caso de Minda

Minda, de 14 anos, é um desses casos desafiadores. Ela participou no primeiro curso da SOMA que durou apenas seis meses, agora Francisca, quer trazê-la de volta, mas a rapariga, refugia-se em dores de cabeça reais ou imaginárias, na chuva ou no sol intenso para evitar voltar.

“É um daqueles casos em que não conseguimos perceber qual é o trauma, ou mesmo se existe um trauma. Ela não se abre, e quando tentamos em grupo e lhe damos espaço para partilhar, ela não quer,” diz Francisca.

É um silêncio que preocupa Helena, a mãe de Minda, que recorreu à SOMA na esperança de encontrar alguma luz sobre o que está a acontecer com a filha.

“Ela fala muito pouco, tem muita vergonha. Ela precisa de falar e de ajuda com os trabalhos escolares, e eu não sei ler”.

Diz Helena, enquanto mexe o tacho de kisaca, um prato típico que cozinha todos os dias para vender na cidade e que é o sustento da família, onde viviam 10 crianças, restando agora, apenas Minda e um irmão mais novo.

Com casos como o de Minda em mente, Francisca espera poder organizar uma parceria com a Universidade de São Tomé e Príncipe que, pela primeira vez, formou psicólogos na ilha que ajudarão a SOMA. A mãe assegura-lhe que Minda está livre das tarefas domésticas e insiste que ela vá às aulas de surf e se concentre nos estudos do 7º ano na escola Mestre António, em Santana.

Mas, embora o ano escolar tenha começado, ela ainda está em casa porque lhe faltam alguns materiais. Nestes dias, Minda também caminha descalça pelas ruas lamacentas de Santana para poupar o único par de sandálias que tem para levar para a escola e para o centro da SOMA quando começar a temporada de surf.

O Caso de Jéssica

O apoio escolar é uma das áreas do programa que foi melhorada a partir desta temporada com a SOMA, a assumir a responsabilidade pelo pagamento das propinas escolares e dos materiais escolares das raparigas que frequentam o clube, um bónus adicional que pode fazer a diferença nas negociações com os pais mais inflexíveis, como no caso de Jéssica.

Aos 17 anos, Jéssica está no 11º ano e ainda está em casa devido à falta de material escolar. Quando a equipa da SOMA chega para recolher a autorização do seu pai para que ela possa frequentar as aulas de surf, encontram-na a lavar os pratos e a limpar o terreno à volta da casa.

Sentado numa cadeira de plástico, o pai está descontente, para ele, o que vê, é negligência da filha em relação às tarefas domésticas. Caíque, o pai, admite que quando chega a casa e vê que as tarefas não foram feitas, “tem de se zangar” com a filha e acaba por lhe bater.

Sem o criticar diretamente, Francisca Sequeira aponta que esse comportamento não é aceitável e sugere um compromisso em que Jéssica faça algumas tarefas antes de ir para as aulas de surf e termine o resto quando voltar. O pai dá a autorização a contragosto e ela convida-o a participar no curso de parentalidade positiva que está programado para começar em Janeiro.

“O pai da Jéssica poderia ser uma história de sucesso porque em nenhum momento ele disse que ela não podia ir”.

“No fundo, ele sabe que é importante, mas não pode ceder demasiado porque isso questiona o seu papel como homem”.

“Temos de encontrar um equilíbrio, mas há abertura”.

Diz Francisca, acreditando que Caíque pode ter perfil para se tornar um delegado de país, uma figura que a SOMA quer adicionar ao programa.

A nova temporada

A nova temporada da SOMA em Santana receberá 40 raparigas que terão aulas de surf, apoio escolar e psico-educação, num projeto nascido em 2020 e que em 2024 pretende ser alargado a Cabo Verde.

“Estamos a eliminar estereótipos de género e a narrativa que está tão enraizada na cultura do país”.

“Devem estar muito orgulhosas de continuar a surfar, apesar das ondas difíceis no mar e na vida”.

Afirma a fundadora da SOMA que ajudou a treinar a primeira geração de surfistas mulheres de São Tomé.

 

As Raparigas de São Tomé

Imagem © SO;MA (20231010) Raparigas aprendem a Surfar as Ondas da VidaFotografias e vídeos de raparigas da vila de Santana, em São Tomé, farão parte da coleção de um dos maiores bancos de imagens do mundo, numa iniciativa para promover a representação de surfistas negras nessa base de fotografias.

A iniciativa resulta de uma parceria entre a ONG Proud Surfers in Women of Africa (SOMA), sediada em Cascais, Lisboa, a plataforma de apostas online Betclic Portugal e o banco de imagens global norte-americano Shutterstock.

O projeto colocará 120 fotografias e 30 vídeos de surfistas da vila de Santana, capital do distrito de Cantagalo em São Tomé e Príncipe, no site da Shutterstock que possui mais de 400 milhões de imagens. A ideia surgiu durante o processo de criação de um filme para angariar doações para a SOMA, momento em que se percebeu que não havia imagens de surfistas negras nos principais bancos de imagens do mundo.

“É necessário dinheiro para surfar e para participar em campeonatos. É um desporto privilegiado e não há representação de surfistas negras”.

Disse Ricardo Malaquias, gestor de projeto da Betclic Portugal que desafiou a Shutterstock a juntar-se à iniciativa.

O projeto inclui também um documentário, filmado pela Shutterstock e disponível a partir de hoje no YouTube, sobre o trabalho da SOMA, que trouxe o seu programa de terapia de surf para a pequena cidade de São Tomé há quatro anos.

 

Surfing Through the Odds

Imagem © SO;MA (20231010) Raparigas aprendem a Surfar as Ondas da VidaO filme “Surfing Through the Odds | The SOMA surf Story” resume em pouco mais de 18 minutos a realidade das raparigas de Santana que é paralela a muitos outros lugares em São Tomé e Príncipe e em África.

Sobrecarregadas desde tenra idade com tarefas domésticas, em risco de abandonar a escola, enfrentando gravidez precoce e frequentemente vítimas de abuso físico e psicológico, o filme quer reforçar a mensagem de que o lugar das mulheres não é na cozinha ou a cuidar da casa e dos homens, mas onde elas quiserem, incluindo o surf.

Filmado em Junho, o documentário foi apresentado em antevisão na semana passada no Centro Social de Santana e foi entusiasticamente recebido pelas raparigas, que ocuparam a maioria da sala.

Zézinha, de 19 anos, uma das protagonistas do documentário, chegou à estreia com um balde na cabeça, aproveitando para vender biscoitos de coco que são o sustento de uma família com um pai ausente e uma mãe de 73 anos que não consegue trabalhar devido a uma deficiência.

“O surf ensinou-me a acreditar que tudo é possível. Quando estou na água ou a olhar para o mar, só penso em mim”.

“Quando estou a surfar, todos os meus problemas ficam em casa, e quando volto, os meus problemas também voltam”.

Disse ela, antes de voltar para casa para fazer uma nova fornada de biscoitos para vender no dia seguinte.

Francisca Sequeira, fundadora da SOMA, enfatizou no final da exibição a importância do papel pioneiro destas raparigas na representação de mulheres negras no surf e em inspirar outras mulheres a surfar.

“Vocês são a primeira geração de mulheres são-tomenses a surfar”.

“Deveriam estar muito orgulhosas de continuar a surfar, apesar das ondas difíceis no mar e na vida,” disse ela.

 

Há 122 Milhões de Raparigas sem Acesso à Educação

Os problemas da escolaridade das raparigas em São Tomé e Príncipe, não é caso único, infelizmente, segundo a UNESCO, ainda existem, 122 milhões de raparigas sem acesso à educação básica, especialmente na África subsaariana.

Nesta região, a proporção de raparigas integradas no sistema de educação continua a ser muito inferior à dos rapazes e é também onde mais de metade das crianças em todo o mundo não frequenta a escola, revela um relatório da UNESCO.

A nível mundial, os progressos no acesso das raparigas à educação desde 2015 registam atualmente mais 22,5 milhões de raparigas no ensino primário, 14,6 milhões na primeira fase do ensino secundário e 13 milhões na segunda fase.

Durante o período em análise, a percentagem de raparigas que concluem o ensino primário aumentou de 86% para 89%; de 74% para 79% na primeira fase do ensino secundário e de 54% para 61% na segunda. Atualmente mais cinco milhões de raparigas concluem cada um destes três níveis de ensino por ano por comparação com 2015.

A UNESCO congratula-se com estes progressos, mas apela a que se “dupliquem os esforços” até 2030 para atingir o nível de escolarização total e insta os governos a investirem urgentemente nas áreas que considera fundamentais para o conseguir.

Os governos, recomenda ainda o relatório, devem também criar quadros jurídicos sensíveis ao género e optar por materiais de ensino e aprendizagem sensíveis ao género, que garantam uma representação equitativa de mulheres e raparigas nos currículos e manuais escolares, isentos de preconceitos, estereótipos e normas de género.

 

Conclusão

O surf está a ser usado como uma ferramenta poderosa para ajudar raparigas em São Tomé e Príncipe, dando-lhes habilidades e autoconfiança para enfrentarem os desafios da vida.

Além disso, mostra como a parceria entre SOMA, Betclic Portugal e Shutterstock está a contribuir para a diversidade e representação no mundo do surf, desafiando estereótipos culturais e de género.

Através destas iniciativas, está a ser lançada uma nova onda de igualdade que se estende para além das praias de São Tomé e influencia a comunidade global.

 

O que achas deste projecto? Estás desposto a ajudar a SOMA a ajudar estas raparigas? Se sim vai ao site da SOMA e sabe como ajudar. Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © SOMA
Francisco Lopes-Santos

Atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
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