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Segunda-feira, Novembro 25, 2024

Povos de África: Hamar, Tradição e Modernidade

Em um mundo em rápida mudança, os Hamar encontram-se na encruzilhada entre as suas tradições enraizadas e as influências externas.

Povos de África: Hamar, Tradição e Modernidade.

Conheces os Hamar? Não? Então vais ficar a conhecer.

Enquanto muitos povos perderam as suas tradições ao longo dos séculos, alguns grupos isolados em África, conseguiram preservar a sua identidade cultural de forma notável.

Em regiões remotas e vastas planícies do continente, encontramos comunidades que continuam a viver pacificamente e em harmonia, alheias às conveniências modernas que tanto valorizamos.

Embora haja debates em torno destes estilos de vida, é impossível não admirar a coragem daqueles que escolhem viver como os seus antepassados viviam há já muitas gerações atrás.

Hoje, continuamos a série de 17 artigos, sobre alguns destes povos de África. Vamos conhecer os Hamar, uma das tribos nativas do sul da Etiópia que habitam o Vale do Omo e que são exemplos vivos de uma cultura única, rica e singular e vamos mergulhar nas vidas destas pessoas únicas, cujas tradições, costumes e modo de vida resistiram ao teste do tempo e à influência avassaladora da modernização.

Entre as suas diversas tradições distintas e cativantes, destacam-se os enfeites meticulosamente elaborados, como os colares e argolas ou os penteados únicos que contam histórias de identidade e herança. Cada adorno, cada penteado, carrega consigo um fragmento da história e identidade dos Hamar, oferecendo um vislumbre de uma tradição que persiste no meio das mudanças contemporâneas.

Junta-te a nós nesta fascinante exploração da cultura Hamar que certamente vai despertar a tua curiosidade e surpreender-te com a preservação da sua autenticidade. Vem descobrir a fascinante vida deste povo da Etiópia, uma comunidade invulgar que mantém tradições únicas no meio de uma sociedade moderna em constante mudança e transformação.

 

Os Hamar

Imagem © DR (20230826) Povos de África Hamar Tradição e ModernidadeNo coração do sul da Etiópia, às margens do Vale do Rio Omo, reside o povo Hamar, uma comunidade nativa africana, rica em tradições ancestrais e modos de vida únicos.

Cerca de 42.838 Hamar, prosperam nas margens do Rio Omo. As suas vidas estão profundamente entrelaçadas com o pastoreio de gado, uma parte essencial de sua cultura e economia. A relação simbiótica entre os Hamar e os seus animais define a sua identidade e o seu modo de vida.

Os Hamar subsistem como pastores nómades, onde o gado não é apenas uma fonte de alimento, mas também um símbolo de status e riqueza. Esta ligação íntima com os animais molda a sua sociedade e influencia as suas tradições e rituais.

Em um mundo em rápida mudança, os Hamar encontram-se na encruzilhada entre as suas tradições enraizadas e as influências externas. As roupas, os adornos e os penteados não são apenas elementos estilísticos, mas sim uma linguagem, através da qual a cultura Hamar continua a contar a sua história, a preservar a sua herança e a encontrar um equilíbrio entre a tradição e a contemporaneidade.

 

A Cultura Hamar

As roupas, os enfeites e os adornos dos Hamar são um testemunho da riqueza da sua cultura e tradições. As mulheres Hamar usam trajes distintos, incluindo peles de cabra adornadas com missangas e búzios coloridos. Os homens também usam ornamentos, como braceletes de ferro e colares, que refletem o seu status na sociedade.

As Roupas

Imagem © DR (20230826) Povos de África Hamar Tradição e ModernidadeAs suas roupas tradicionais consistem em longas peles de cabra que são habilmente transformadas em trajes únicos. Estas peles são colocadas estrategicamente no pescoço e caem pelo corpo, cobrindo a parte frontal de forma graciosa.

As laterais das peles permanecem abertas, revelando os seios, uma característica que transcende a moda para se tornar uma expressão da liberdade e autenticidade do povo. Este design também tem raízes práticas, permitindo uma mobilidade desimpedida nas atividades diárias e rituais importantes.

Cada peça é enfeitada com búzios, cuidadosamente dispostos em padrões que representam a rica espiritualidade e a ligação profunda com a natureza. Os búzios emitem sons suaves quando em movimento, acrescentando uma dimensão auditiva às suas roupas.

Destaca-se ainda o uso inovador das peles diagonalmente, uma escolha de estilo que não apenas proporciona um toque distinto, mas também comunica estados sociais e culturais. Algumas jovens optam por usar a pele de cabra dessa forma, expondo apenas um dos seios, um gesto que reflete a passagem da juventude para a idade adulta.

Este uso engenhoso das roupas para representar transições na vida confere-lhes uma profundidade emocional que transcende a simples indumentária; são uma forma de comunicação, uma representação visual das suas crenças, tradições e o caminho evolutivo do povo. Cada peça é uma tela em branco onde as histórias dos Hamar ganham vida, enriquecendo assim a tapeçaria da sua cultura.

Enfeites e Adornos

Imagem © DR (20230826) Povos de África Hamar Tradição e ModernidadeOs enfeites, os adornos, os colares, as argolas e as gargantilhas, desempenham um papel crucial na expressão da identidade e na valorização da beleza feminina. Entre esses costumes encontra-se a prática dos colares e das argolas que transcende o mero aspecto estético para se transformarem em símbolos profundos e representativos da herança dos Hamar.

Os colares e argolas usados pelas mulheres Hamar são muito mais do que simples ornamentos; eles constituem um poderoso reflexo da história, status e significado cultural deste povo. Por meio da escolha cuidadosa das cores e estilos, estes adornos comunicam informações valiosas sobre a idade, o estado civil e a posição social das mulheres Hamar.

As gargantilhas largas com até 15 fileiras de contas, são confeccionadas com uma profusão de cores, muitas vezes de cor vermelha, embora as cores turquesa, verde, amarela e preta também apareçam e são particularmente emblemáticas das jovens.

As mulheres casadas, por outro lado, usam argolas de metal no pescoço. Essas argolas, conhecidas como “esente“, não são apenas um valor estético, mas sim simbólico, são geralmente usadas em pares ou trios e são decoradas com padrões geométricos simples, como triângulos e barras paralelas.

Essas argolas indicam o prestígio e as posses do marido. Algumas mulheres usam uma argola diferenciada, com uma projeção semelhante a um pequeno pénis, conhecida como “binyere“, o que significa que elas são as primeiras esposas do marido.

O Cabelo

Imagem © DR (20230826) Povos de África Hamar Tradição e ModernidadeO estilo de cabelo dos Hamar é uma expressão única da sua identidade. Os cabelos são enrolados em pequenos cachos finos e distintos chamados “Goscha“. Essa prática não apenas realça a sua aparência, mas também possui significados culturais profundos.

Os penteados das mulheres Hamar são uniformes, com cabelos curtos e franjas. Na parte de trás, os cabelos são mais longos e podem chegar até os ombros. São untados com uma pasta vermelha feita de gordura animal, argila ocre (rica em ferro) e resina aromática, que também é aplicada ao redor do pescoço.

Curiosamente, essa prática é semelhante à usada pelas mulheres Himba da Namíbia, apesar da distância entre as duas culturas.

A tradição dos penteados, também desempenha um papel vital na representação da identidade Hamar. Esse distintivo estilo capilar não apenas reforça a coesão cultural, mas também está enraizado em práticas e significados ancestrais, transmitindo elementos das suas origens e modos de vida como pastores.

 

Artefatos, Economia e Marcas de Valentia

A economia dos Hamar revolve em torno dos produtos que eles vendem e compram. Eles levam ao mercado manteiga, leite, mel e animais e retornam com sorgo, milho e folhas de tabaco. Embora alguns Hamar também se dediquem à agricultura, a criação de gado é central para a sua subsistência.

Além dos produtos básicos, os Hamar também vendem artefatos que produzem para uso próprio. Isso inclui colares, gargantilhas, braceletes de ferro e peles de cabra decoradas com contas.

Entre esses artefactos, destaca-se o “borkoto“, um pequeno banco, feito de uma só peça de madeira e decorado com motivos geométricos, com cerca de 15 centímetros de altura que é usado para apoiar a cabeça. Os homens Hamar carregam este objeto nas suas viagens, oferecendo conforto e melhor visibilidade.

Curiosamente, estes “travesseiros de madeira” com desenhos é outra prática muito semelhante também encontrada nos Himba da Namíbia.

 

Marcas Corporais e Histórias de Coragem

A tradição das marcas no corpo entre os Hamar tem raízes profundas na sua história de coragem e sobrevivência. Estas marcas são sinais de feitos heroicos, como matar leões, elefantes ou inimigos. Cada marca tem um significado específico, como a marca no braço esquerdo que representa a coragem de ter enfrentado duas hienas para proteger o gado.

Uma das marcas considerada muito importante, tem a ver com a defesa das manadas em que se mata um inimigo de outra tribo por tentar roubar o gado. Essa marca é colocada no braço usado para matar o inimigo. No entanto, estas lutas intertribais foram amplamente desencorajadas pelo governo etíope que agora pune com prisão, aqueles que exibem marcas novas por terem morto uma pessoa.

 

Uma Tradição Única

Imagem © DR (20230826) Povos de África Hamar Tradição e ModernidadeUm dos aspectos mais notáveis da cultura Hamar é o “Ritual do Salto“, um rito de passagem para os jovens que atingem a idade adulta. Esse ritual não é apenas um teste de coragem, mas também uma demonstração de força valentia e virilidade.

Neste ritual, os jovens da comunidade Hamar são desafiados a realizar algo notável: saltar sobre uma fila de vacas, conhecidas como “nuos”, em quatro tentativas consecutivas. Este acto heroico não apenas requer força física e ausência de medo, mas também simboliza a determinação e a força de vontade de quem o pratica. Aqueles que conseguem superar este desafio impressionante ganham um status respeitável e admiração dentro da sua comunidade.

Para os jovens, representa a passagem da adolescência para a idade adulta, marcando um momento de transição crucial em que eles demonstram a sua coragem e habilidade diante dos seus pares e anciãos. O “Ritual do Salto” transcende a ação física em si, transformando-se em um símbolo poderoso da identidade, respeito e tradição dentro da sua comunidade.

 

A Língua Hamar

A língua Hamar, falada por esse povo, assume um papel de extrema importância no seu tecido cultural, desempenhando um papel vital na transmissão de tradições e histórias profundamente enraizadas. É através desta língua que a identidade única dos Hamar é preservada e passada de geração em geração, ela serve como um veículo essencial para a perpetuação dos seus conhecimentos e valores.

A língua Hamar não é apenas um meio de comunicação; é um elo inquebrável que une a comunidade em torno das suas crenças, práticas e narrativas compartilhadas. Ao longo dos séculos, as histórias ancestrais, os mitos e as lições de vida foram transmitidos através desta linguagem rica e complexa.

Ela não apenas permite que os Hamar expressem ideias e emoções, mas também é uma ferramenta através da qual eles forjam a sua identidade coletiva. Ao transmitir tradições de boca em boca, a língua Hamar é uma guardiã da história do povo, preservando as raízes da sua cultura distinta.

Ela permite que os Hamar se liguem às suas origens, honrando os ensinamentos dos antepassados e garantindo que o legado cultural seja mantido vivo para as futuras gerações. Em um mundo em constante mudança, a língua Hamar é um testemunho da resistência e da profunda ligação entre a linguagem, a cultura e a identidade.

 

Desafios e Mudanças Modernas

Apesar de suas tradições centenárias, os Hamar enfrentam desafios impostos pela modernidade. A expansão das tecnologias e infraestruturas modernas está gradualmente penetrando em suas comunidades isoladas, potencialmente ameaçando suas formas de vida e crenças.

A influência da urbanização e dos media está a mudar as perspectivas dos Hamar. O uso crescente de roupas ocidentais e a exposição a novos valores podem levar à perda das tradições ancestrais. O equilíbrio entre a adaptação ao mundo moderno e a preservação da sua cultura é um dilema enfrentado por essa comunidade.

Os Hamar estão conscientes da importância de preservar as suas raízes culturais. Eles procuram manter as suas práticas tradicionais, mesmo em face às mudanças. A transmissão intergeracional de conhecimento e rituais desempenha um papel crucial no garante de que as tradições sobrevivam às influências contemporâneas.

 

Conclusão

A saga do povo Hamar é um testemunho da complexa relação entre tradição e modernidade. As suas roupas, rituais e língua capturam uma herança cultural rica que permanece intrinsecamente ligada ao pastoreio e à terra. Enquanto os desafios modernos persistem, o compromisso dos Hamar com as suas raízes culturais inspira a preservação de sua identidade única.

Ao analisarmos a importância do Ritual do Salto, das roupas distintas e do estilo de cabelo único, nós descobrimos um povo único, determinado a manter a sua herança cultural viva. Enquanto enfrentam mudanças modernas, os Hamar continuam a ser guardiões de tradições que resistiram ao teste do tempo.

 

O que pensas sobre isto, é interessante, não é? Já tinha ouvido falar dos Hamar? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

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Imagem: © DR
Francisco Lopes-Santos

Atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santos
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