Israel e o novo apartheid (agora palestiniano).

Roger Waters, ex-líder dos Pink Floyd, iniciou uma digressão pela Europa este ano, 2023, mas os seus concertos em Israel foram cancelados e foi proibido de entrar no país. Além disso, muitos dos locais em que ele se ia apresentar pela Europa boicotaram os concertos, cancelando-os.

Tudo isso aconteceu devido à posição de Waters em apoiar o boicote a Israel devido ao massacre que tem sido praticado contra o povo palestino. Devido a defender essa posição, Waters tem sido acusado de antissemitismo.

A verdade é que muitas vezes, devido ao holocausto ocorrido na Segunda Guerra Mundial e à sensibilidade em torno da questão judaica, “tudo tem sido perdoado a Israel”, pela comunidade internacional.

No entanto, se olharmos para a posição atual de Israel em relação aos palestinos, ela não é muito diferente da posição que os nazistas tinham em relação ao povo judeu. Se substituirmos o nome de Israel por Alemanha Nazi e palestinos por judeus, veremos as mesmas atitudes e posições.

 

A verdade que ninguém quer ver

E a verdade está à vista de quem a quiser ver. Mesmo considerando os baixos padrões, de um país acostumado a ser regularmente condenado por abusos aos direitos humanos, desrespeito à lei internacional e crimes de guerra, Fevereiro, foi um mês bastante mau para Israel e para a sua posição no mundo.

Desde revelações sobre empresas que subverteram eleições democráticas em todo o mundo, até ao ocorrido recentemente com os seus colonos ilegais, protegidos pelo exército, a realizarem um ataque étnico-religioso contra os palestinos na cidade de Huwara, na Cisjordânia ocupada, o país teve a sua verdadeira face exposta ao mundo de maneira cruel e meticulosa.

E o que faz o resto do mundo em relação a isso? Bem, acusa de antissemita quem se opõe e diz a verdade, uma técnica bastante conhecida em África, pois era praticada durante o apartheid.

A questão a saber é se África e a União Africana poderão empurrar Israel para o isolamento internacional, expondo sem medos, esta verdade que o ocidente teima em não querer ver. Os estados africanos já lideraram o ataque contra o apartheid antes, também podem liderar o boicote a Israel hoje.

Os eventos ocorridos este Fevereiro em Addis Abeba, durante a Cimeira da União Africana, são um indicador de que isso pode mesmo vir a acontecer.

 

A cimeira da União Africana

Na cerimónia de abertura da cimeira anual da União Africana, realizada na sua sede em Addis Abeba, Etiópia, há duas semanas, houve outra surpresa desagradável e uma nova humilhação para o estado judaico.

A embaixadora Sharon Bar-Li, diretora-adjunta da Divisão Africana do Ministério das Relações Exteriores de Israel, foi expulsa depois de aparecer com um convite intransferível que supostamente havia sido emitido para o embaixador de Israel na União Africana, Aleli Admasu.

Um vídeo colocado nas redes sociais mostrou pessoal de segurança, uniformizado a escoltá-la para fora do auditório e, Moussa Faki, presidente da UA, emitiu uma explicação de que a polémica acreditação de Israel, como estado observador em 2021 que ele havia perseguido por duas décadas, na verdade tinha sido suspensa, como tal:

“Não convidamos oficiais israelitas para a nossa cimeira”.

Mas o pior estava por vir. De acordo com uma Declaração Preliminar Sobre a Situação na Palestina e no Médio Oriente distribuída entre jornalistas no final da cimeira, a UA criticaram as ocupações ilegais “incessantes” e a intransigência de Israel, mas também instou os estados membros a:

“Encerrarem todo o comércio, intercâmbio científico e cultural direto e indireto com o Estado de Israel”.

“Expressando total apoio ao povo palestino na sua luta legítima contra a ocupação israelita”.

Essa última recomendação, que ecoa as demandas do movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), se implementada, poderia ser o início de uma mudança na fortuna de Israel, não apenas no continente, mas em todo o mundo.

Afinal, África não é estranha a liderar um movimento global buscando isolar e pressionar regimes opressivos e etno-supremacistas, tendo liderado um que visava o regime do apartheid na África do Sul na década de 1980.

E, na verdade, a declaração preliminar pede que:

“A comunidade internacional… deve desmantelar e proibir o sistema de colonialismo e apartheid israelita”.

 

O que mudou com Israel

Inicialmente, Israel cultivou estreitas relações com países africanos recém-independentes como uma maneira de contrariar o isolamento e a hostilidade impostos pelos seus vizinhos árabes.

Na década de 1960, mais de 1.800 especialistas israelitas estavam a dirigir programas de desenvolvimento no continente e, em 1972, Israel abrigava mais embaixadas africanas do que o Reino Unido.

Israel estabeleceu relações diplomáticas com 32 dos 41 estados africanos independentes que também eram membros da Organização da Unidade Africana, precursora da UA, fundada em 1963.

Durante grande parte desse período, as tentativas de nações do norte da África, lideradas pelo Egito, de obter apoio para a causa árabe do restante de África foram amplamente malsucedidas, já que as nações relativamente jovens não queriam envolver-se no conflito.

Mas as atitudes começaram a mudar após a Guerra Árabe-Israelita de 1967. As reações africanas ao conflito foram mistas, com alguns países, como a África do Sul do apartheid e a Etiópia, inicialmente críticos, a expressarem apoio a Israel, enquanto outros se posicionavam ao lado dos estados árabes.

No geral, porém, muitos líderes africanos, com memórias da aquisição forçada de terras pelo colonialismo, ainda frescas, viam as ações de Israel com desconfiança e, em 8 de Junho, enquanto a luta ainda estava em andamento, a OUA condenou a “agressão não provocada” de Israel e pediu um cessar-fogo imediato.

No entanto, a verdadeira ruptura veio na década de 1970 e, especialmente, após a Guerra de Outubro de 1973. Até então, apesar da resistência de muitos países, os problemas no Médio Oriente haviam sido pouco abordados na agenda do continente e geravam fissuras em um continente que valorizava o consenso e a solidariedade.

Na sua cúpula de 1971, a OUA fez uma tentativa meio tímida e, em última análise, ineficaz de mediar entre árabes e israelitas, pedindo negociações e nomeando um comité liderado pelo presidente tanzaniano Julius Nyerere para supervisionar os seus esforços.

Entre março de 1972 e o início da guerra em outubro de 1973, oito países africanos romperam relações com Israel. Na reunião do décimo aniversário, as tensões sobre o assunto explodiram. O secretário-geral da OUA, Nzo Ekangaki, declarou que:

“Enquanto Israel continuar a ocupar partes do território de um dos membros fundadores da OUA, o Egito, ela continuará a ter a condenação da OUA”.

No entanto, muitos outros estados africanos recusaram-se a sacrificar as suas relações com Israel em prol desse assunto, apesar dos apelos da OUA. A Guerra de Outubro e o embargo do petróleo, resultante de os estados árabes terem aumentado os preços globais do petróleo, mudaram esse cenário.

Em Novembro, todos os países africanos, exceto quatro – Malawi, Lesoto, Suazilândia e Ilhas Maurícias – haviam abandonado Israel que, a partir daí, só piorou as coisas cultivando uma relação próxima com o regime do apartheid da África do Sul, movimento que continua a envenenar suas relações com o continente até hoje.

Apesar da restauração das relações na década de 1980 e 1990, Israel nunca recuperou a estatura que havia desfrutado duas décadas antes. Embora hoje tenha relações diplomáticas com mais de 40 países no continente, ainda está excluído da UA e a grande maioria dos 54 votos africanos na Assembleia Geral da ONU continua a ser favorável aos palestinos.

O esforço dos últimos anos para melhorar as relações de Israel com África tem dado alguns frutos, mas também tem enfrentado a maré da história.

A verdade é que a situação de hoje é semelhante à de 1973, com o continente dividido sobre como responder à opressão de Israel, com países equilibrando uma oposição principiada ao apartheid com uma cooperação económica e de segurança pragmática.

No entanto, uma grande crise poderia mudar o equilíbrio a favor da oposição principiada. Essa foi o resultado de uma avaliação interna do Ministério das Relações Exteriores de Israel concluída em Julho de 1973 e válida ainda nos dias de hoje:

“A imagem de Israel como ocupante, a sua recusa em retirar-se de todos os territórios, não é aceitável em África e, as suplicas dos países árabes recebem apoio emocional e instintivo mesmo entre os nossos amigos…”

“Existe o perigo de que essas tendências continuem a intensificar-se”.

 

Conclusão

Israel, devido ao que aconteceu ao povo judeu, durante a Segunda Guerra Mundial, concederam a Israel um certo estatuto de impunidade no mundo ocidental que, felizmente, não foi acompanhado em África.

Enquanto na Europa e nos seus seguidores quem fala mal de Israel, tenha razão ou não, é “tachado” de antissemita, em África, expulsam-se “a pontapé” emissários israelitas e não se tem problemas em criticar severamente as suas atitudes.

Mais uma vez verificamos que o mundo se encontra cada vez mais dividido e que os supostos “salvadores da nação” afinal viraram o “bicho papão” que todos deveriam temer.

Já dizia Charles Baudelaire:

“O maior truque já realizado pelo Diabo foi convencer o mundo de que ele não existe”.

O que achas desta situação? Israel Já não devia ter aprendido com a História? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

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Imagem: © 2023 DR
Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Ex-atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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