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ToggleAngélique Kidjo Recebe Estrela no Walk of Fame
Angélique Kidjo vai inscrever o seu nome entre os imortais do Passeio da Fama (Walk of Fame). A decisão foi anunciada ontem, dia 2 de Julho de 2025, pela Câmara do Comércio de Hollywood que prevê realizar a cerimónia no prazo máximo de 2 anos.
Esta honraria, coroa uma vida dedicada a tecer pontes entre culturas através da música, com a cantora beninense, a dar-se a conhecer há já quarenta anos, nos palcos mundiais. Junta-se assim a Charlize Theron, Desmond Tutu e Lupita Nyong’o como representantes do continente africano no Passeio da Fama.
Quando os primeiros acordes de “Agolo” invadiram as rádios nos anos 90, poucos previram que aquela voz gutural, com raiz nas cerimónias iorubás, conquistaria o epicentro da cultura ocidental. Hoje, aos 64 anos, Kidjo vê o seu percurso de resistência materializar-se em bronze e estrelas.
Não se trata apenas de um prémio. É o reconhecimento tardio de que Hollywood, afinal, sabe escutar quando África canta com autenticidade. A artista, que fugiu do regime do Benim em 1983 com pouco mais do que um vestido e um passaporte falso, construiu a sua lenda nota a nota.
Dezasseis álbuns depois, fundiu o grito ancestral com o jazz de Nova Iorque, o funk de James Brown e os tambores do Candomblé. Cada obra sua é um mapa sonoro da diáspora, uma lição de como as raízes alimentam as asas.
Para lá dos palcos, a sua batalha silenciosa transformou vidas. Através da fundação Batonga, já abriu caminho para que oito mil raparigas em cinco países africanos escrevessem o próprio destino com caneta e livros. “A música cura, mas a educação liberta”, costuma afirmar a artista, cujo activismo lhe valeu o título de Embaixadora da Boa Vontade da UNICEF.
O Percurso de Uma Visionária
A história começa longe dos holofotes, na casa de Yvonne Kidjo – coreógrafa e primeira mentora da filha. Em Cotonou dos anos 70, a pequena Angélique aprendia que cada gesto corporal conta uma história, cada batida do pé convoca os antepassados. Essas lições moldariam o seu palco futuro, onde o corpo fala tão alto quanto a voz.
O exílio em Paris revelou-se uma escola de fome e deslumbramento. Enquanto lavava pratos num restaurante argelino, estudava Nina Simone e Miriam Makeba. A sua estreia, “Pretty” (1981), soou como um manifesto: letras feministas que enfureceram o governo beninense. Proibida de regressar à pátria, transformou a dor em combustível para criar “Parakou” (1990), disco que a lançou para o mundo.
A década de 90 viu-a conquistar o panorama global com audácia. Em “Logozo” (1991), uniu os “tambores que falam” do Benim ao saxofone de Branford Marsalis. O tema “Agolo” explodiu nas discotecas de Berlim a Tóquio, provando que as línguas africanas não precisam de tradução quando a emoção é universal. O New York Times catalogou-a como “a força da natureza que o mundo da música esperava”.
O Caminho Para as Estrelas
A eleição para o Passeio da Fama não foi um acidente. Resultou de dois anos de campanha orientada pelo embaixador do Benim nos EUA, com cartas de peso: desde Sting a Alicia Keys, passando pelo secretário-geral da ONU. O dossiê sublinhava números irrefutáveis: 15 milhões de discos, 120 países visitados, cinco Grammys e a distinção como uma das 100 mulheres mais influentes pela BBC.
Peter Roth, presidente do comité de selecção, não escondeu o entusiasmo:
“Kidjo redefine o que significa ser artista uma artista mundial”.
“A sua capacidade de fundir tradições milenares com inovação é um presente para a humanidade”.
A estrela, na categoria “Gravações”, ficará no 7080 Hollywood Boulevard – coordenadas que simbolizam o fim de uma longa caminhada das ruas de terra batida de Ouidah até Hollywood.
A cerimónia promete ser um concerto-continente. Fontes próximas à produção adiantam que jovens artistas do Benim à África do Sul prepararam vários tributos para a serimónia. Espera-se ainda a presença da mãe de Kidjo, agora com 89 anos, que pela primeira vez cruzará o Atlântico para ver a filha receber o que chama “a estrela que sempre brilhou no céu de África”.
Batonga
Em 2002, durante uma digressão pela Etiópia, Kidjo deparou-se com uma realidade injusta: numa escola de Adis Abeba, as raparigas tinham aulas à sombra de uma acácia, enquanto os rapazes ocupavam as salas de tijolo. A imagem ficou gravada na sua memória e deu origem à fundação Batonga – nome tirado de uma canção sua que responde aqueles que negam educação às mulheres.
O modelo é tão simples quanto revolucionário: cada bolsista compromete-se a ensinar cinco raparigas da sua comunidade. Os “Clubes Batonga”, presentes em 78 vilas, combinam aulas de matemática com formação em liderança feminina. Em zonas rurais do Mali, as raparigas aprendem agricultura sustentável; no Quénia, desenvolvem aplicações para combater a mutilação genital.
Os resultados falam por si: 92% das primeiras bolsistas concluíram o ensino superior. Fatimata, hoje médica em Niamey, resume:
“Madame Kidjo não nos deu peixes. Deu-nos redes para pescar a dignidade”.
Este ano, o programa expande-se para Moçambique e para a Guiné-Bissau, provando que a verdadeira revolução africana acontece nas salas de aula.
Tecer África no Mundo
Analisar a obra de Kidjo é desvendar um atlas musical. Em “Oyaya!” (2004), reconstruiu a rota dos escravos através de cânticos cubanos e haitianos. “Djin Djin” (2007) entrelaçou os griots do Mali com a guitarra de Carlos Santana. Já “Eve” (2014) capturou as ladainhas das mulheres rurais de nove países, transformando lamentos em hinos de força.
A sua fase mais ousada começou com “Sings” (2015), onde a Orquestra Filarmónica de Berlim revisitou clássicos africanos. O acto, visto por alguns como heresia, revelou-se genial: mostrou que um xequeré dialoga com violinos quando há respeito pelas origens. “Celia” (2019), tributo à cubana Celia Cruz, confirmou que a artista não conhece fronteiras criativas.
Esta mestria atinge o auge em “Mother Nature” (2021). Gravado durante a pandemia, o álbum reuniu 22 artistas de três gerações – desde o nigeriano Burna Boy ao coral sul-africano Ladysmith Black Mambazo. A digressão homónima levou o manifesto ecológico a 30 capitais africanas, provando que a cultura pode ser o melhor diplomata.
O Efeito Kidjo
A honra de Hollywood chega num momento único para as artes africanas. O Afrobeats domina os topes mundiais; cineastas como Wanuri Kahiu conquistam Cannes; escritores como Chimamanda ascendem a best-sellers. Kidjo personifica esta renascença – e os números comprovam:
- Os Streamings de artistas africanos cresceram 550% desde 2015
- Nollywood produz mais filmes que Hollywood
- A literatura africana tem a maior taxa de crescimento editorial a nível mundial
“Ela pavimentou o caminho com integridade”, afirmou Yemi Alade, uma estrela nigeriana. “Quando os produtores diziam ‘isso soa africano demais’, Kidjo respondia: ‘Então soa perfeito‘“. Esta postura inspirou uma geração que hoje enche estádios de Londres a Joanesburgo sem diluir identidades.
No Benim, o impacto materializa-se em muralhas pintadas e selos postais com a sua efígie. O Presidente Patrice Talon declarou o dia 25 de Outubro como “Dia Nacional da Cultura Kidjo”. Mas a maior homenagem surge nas ruas: jovens raparigas que, ao imitar as suas tranças altivas, aprendem que ser africana é motivo de orgulho indestrutível.
Conclusão
Quando Angélique Kidjo pisar o Hollywood Boulevard para revelar a sua estrela, não estará sozinha. Levará consigo as raparigas que cantam nos corredores das escolas de Cotonou, as tecelãs de Kétou cujos ritmos embalaram a sua infância e o espírito da mãe que lhe ensinou que o corpo é o primeiro instrumento.
Esta consagração, longe de ser um ponto final, é um portal. Prova que os tambores do vodu podem ecoar no coração do império cinematográfico. Que uma voz treinada nos rituais iorubás pode comover o mundo sem pedir licença. Que Hollywood, afinal, reconhece a genialidade mesmo que a excelência tenha sotaque africano.
O Passeio da Fama não ganha apenas mais uma estrela, ganha uma constelação: as luzes de todos os artistas do continente africano que, graças a Kidjo, já não precisam de pedir passagem. Têm a porta aberta.
O que simboliza para ti esta honra histórica dada a Angélique Kidjo? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2017 Sofia & Mauro