As cadeias africanas são seguras?

As cadeias africanas estão novamente em cheque, com a morte de João Rendeiro, o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP), que esteve fugido à justiça portuguesa durante três meses e acabou por ser apanhado na África do Sul em Dezembro de 2021, onde foi julgado e acabou por ficar com pena de prisão preventiva.

As circunstâncias da morte, rodeada em estranho (ou nem por isso) secretismo, está sob investigação das autoridades locais, na cadeia de Westville, em Durban. Mas mais, esta morte, em condições estranhas, levanta a questão da segurança das cadeias africanas.

 

Suicídio ou assassinato?

João Rendeiro, foi encontrado morto, em circunstâncias estranhas, dentro da cela na cadeia de Westville, em Durban, onde se encontrava detido na África do Sul.

A informação foi avançada pela advogada de Rendeiro, June Marks, que além de confirmar a morte, indicou que o recluso teria sido encontrado enforcado na sua cela, perto da meia-noite de quinta-feira por guardas prisionais.

Segundo ela e, apesar de Rendeiro se encontrar numa cela de 80 metros quadrados com cerca de 50 outros reclusos, o seu enforcamento tratou-se de suicídio.

Por outro lado, o Departamento de Serviços Penitenciários da África do Sul informou que:

“Foi lançada urgentemente uma investigação para determinar a causa e as circunstâncias que levaram à morte do recluso”.

Rendeiro disse que se sentia injustiçado e opunha-se ao pedido de extradição alegando que, a pena que lhe tinha sido aplicada, era “manifestamente desproporcionada” e portanto não tencionava voltar para Portugal.

 

As implicações

Se Portugal entender que existem outras suspeitas, além do suposto suicídio, poderá pedir a instauração de um processo judicial contra o próprio estabelecimento prisional, alegando a falta de condições de proteção na cadeia, pois como detido, Rendeiro, estava à guarda do estabelecimento prisional.

Recorde-se que este estabelecimento prisional é considerado um dos mais perigosos da África do Sul e que a defesa de João Rendeiro chegou a pedir em Dezembro, a transferência do recluso para outra cadeia do país.

Esse pedido foi-lhe negado, apesar de se ter confirmado que estaria a receber ameaças de morte dentro da cadeia, o que levanta a dúvida sobre a segurança da mesma e das verdadeiras intenções em o manter nessa instituição.

 

As cadeias africanas são mesmo as mais perigosas?

Os problemas com as cadeias, não são um exclusivo da África do Sul, na realidade, nem de África. Embora sejam consideradas as piores do mundo, muitos outros sistemas prisionais são ainda piores no que diz respeito à segurança e à violência.

Não podemos esquecer que a superlotação e vários outros problemas são comuns a praticamente todas as cadeias do mundo. Na realidade, globalmente, nunca antes houve tantos problemas nos sistemas penais e uma população tão grande nas instituições prisionais.

Com isso, não se pretende afirmar que as cadeias africanas sejam exemplos de direitos humanos, pelo contrário, muitas estão em condições deficientes e encontram-se em conflito com os padrões desses direitos.

Historicamente, as cadeias africanas veem dos tempos coloniais e o legado que o colonialismo deixou nas cadeias do continente é bastante pesado. Entre esse legado encontramos as detenções preventivas, superlotação, recursos e má gestão.

Era também típico o aprisionamento de mulheres e crianças, para suposta reabilitação, sendo que essas práticas e maus hábitos, ainda hoje se mantêm na maioria das cadeias africanas.

 

As situações de confinamento

De um modo geral, os condenados nas prisões africanas enfrentam anos de confinamento em alojamentos superlotados e sujos, com comida insuficiente, higiene inadequada e pouca ou nenhuma roupa ou outras “comodidades”.

Embora essas condições não sejam idênticas em todo o continente, a sua predominância desperta preocupações e precisa ser solucionada por meio de reformas do sistema e respeito pelos direitos humanos.

Existe também, um véu de ignorância do público em geral, no que diz respeito às condições das prisões, o que apenas alimenta a negligência e os abusos contra os encarcerados.

África é composta de países com diferenças profundas entre si, no entanto, existem muitos temas comuns de abuso dos direitos humanos a nível continental, tais como: escassez de recursos e falhas de administração.

A superlotação e as más condições nas prisões, as falhas na proteção dos direitos dos detidos preventivamente, das mulheres e das crianças, o potencial não explorado de penas alternativas e de mandatos de reabilitação não cumpridos, são temas comuns à grande maioria das cadeias africanas.

 

A herança colonial

As cadeias, não são uma instituição nativa de África. Como tantos outros elementos da burocracia africana actual, ela é um resquício dos tempos coloniais, uma importação europeia destinada a isolar e punir oponentes políticos, exercer a superioridade racial e administrar punições capitais e corporais.

O encarceramento como punição era desconhecido em África quando os primeiros europeus aí chegaram. Embora a detenção preventiva fosse comum, os delitos eram corrigidos por indenização em vez de punição.

Os sistemas de justiça locais eram centrados na vítima, não no acusado, com o objetivo de compensar, ao invés de encarcerar. Mesmo em Estados centralizados que criaram cadeias, o objetivo do encarceramento continuou a ser uma forma de garantir a compensação para a vítima, em vez de punir os criminosos.

O encarceramento e a pena capital eram vistos como último recurso nos sistemas judiciários africanos, a serem usados apenas quando criminosos reincidentes e feiticeiros representassem riscos sociais para as comunidades locais.

A primeira experiência em África, com o encarceramento formal em cadeias, chega com os europeus e, não tiveram como alvo a reabilitação ou a reintegração de criminosos, mas sim a subjugação económica, política e social dos povos nativos.

Foi nessas primeiras cadeias que, mesmo os mais leves infratores, foram submetidos a um confinamento brutal e recrutados como mão de obra barata.

As prisões do final do século XIX não eram meros depósitos para as vítimas da opressão colonial, mas também manifestações de superioridade racial europeia. Os colonizadores e conquistadores europeus consideravam os africanos povos sub-humanos, selvagens aos quais não era possível “civilizar”.

Enquanto as prisões europeias acabaram com a tortura no final do século XIX, as prisões coloniais confiaram cada vez mais nessa prática como meio de reprimir os povos nativos e reforçar o dogma racista. Tortura e pena capital foram legitimados entre europeus pela caracterização dos africanos como incivilizados, infantis e selvagens.

 

Os dias actuais

Apesar da brutalidade das cadeias coloniais e das políticas racistas do final do século XIX, a forma de funcionamento dessas cadeias passou a ser a norma vigente nos novos países independentes.

A opressão penal persistiu em uma escala alarmante e com uma estarrecedora profundidade na África pós-colonial. Para piorar a situação, problemas como o subdesenvolvimento, a dependência da ajuda externa, a opressão política e a degradação humana continuam a grassar no continente.

Apesar da saída do continente, já há muitas décadas, das potências coloniais, no interior das prisões, parece que continua tudo igual. Superlotação, infraestruturas precária, punição corporal e capital, corrupção, prisão preventiva prorrogada, cultura de gangues etc.

Sem esquecer que existe um total desrespeito e um tratamento inadequada às mulheres e aos jovens, o que evidencia uma alarmante falta de mudança nas cadeias africanas, apesar da partida dos criadores do sistema penal de África há mais de quarenta anos.

 

Conclusão

Como a história das prisões africanas deixa claro, o encarceramento foi trazido da Europa para África como um meio para subjugar e punir aqueles que resistissem à autoridade colonial.

O emprego de punições corporais e capitais para encobrir a opressão política foi o objetivo central das primeiras prisões africanas. À luz dessa génese, portanto, não surpreende que as prisões africanas atuais não cumpram as suas metas declaradas de reabilitação e ainda persistam em cumprir os objetivos e cometam os abusos iniciados séculos atrás pela opressão colonial.

Está na hora de se repensar todo o sistema penal em África e mudar a forma como funcionam as cadeias africanas. Não podemos pensar numa viragem tecnológica ou energética, quando o tecido fundamental da sociedade africana está envenenado.

 

O que achas da situação das cadeias africanas? Concordas que está na hora de rompermos de uma vez com o colonialismo que ainda paira sobre África? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © Gallo Images / Sunday Times / Jackie Clausen
Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Ex-atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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