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Quarta-feira, Novembro 19, 2025

A Arte do Lixo: Gonçalo Mabunda, Falar de Paz

E se o lixo pudesse falar que histórias nos contaria? Talvez nos falasse de histórias de abandono e de desperdício além de consumo desenfreado que devora recursos sem pensar no amanhã, ou talvez nos lembrasse que cada objecto carrega uma memória, um uso, uma vida anterior. Em África há artistas que ousam dar-lhe outra voz: a voz da beleza, da memória e da resistência cultural. São criadores que não vêem lixo, mas sim matéria-prima para a imaginação, símbolos de resistência e possibilidades infinitas. No lixo que a sociedade descarta, eles descobrem matéria-prima para reinventar a vida e inspirar comunidades inteiras.

A Arte do Lixo: Gonçalo Mabunda, Falar de Paz


Conheces os artistas africanos que transformam lixo em arte? Não? Então prepara-te para conhecer Gonçalo Mabunda, o escultor moçambicano que mistura tradição africana, consciência política e intervenção estética e converte instrumentos de guerra em poderosas mensagens de paz.

Num continente marcado por conflitos, desigualdades e memórias de resistência, Mabunda devolve humanidade ao metal das armas, transformando-as em tronos, máscaras e esculturas que evocam realeza, espiritualidade e redenção. A sua obra tem sido apresentada em museus e bienais de todo o mundo, tornando-se símbolo de reconstrução e esperança.

Este é o oitavo artigo da nova série de 17, desta vez dedicada a criadores visionários que não só resgatam materiais esquecidos, como também reinventam a forma de pensar sobre a arte, a sustentabilidade e o futuro do planeta, onde cada peça é um testemunho da capacidade humana de criar beleza a partir da destruição, um exercício de memória e um acto de fé na paz.

Se procuras inspiração e um olhar profundo sobre como o lixo da guerra se transforma em arte e consciência, não percas esta viagem. Vais conhecer artistas que desafiam os limites do possível e elevam África a um palco vibrante da arte contemporânea, onde a matéria-prima surge do inesperado: o lixo.


Gonçalo Mabunda


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © Cortesia de Gonçalo Mabunda

Gonçalo Mabunda nasceu no Maputo, em 1975, poucos meses após a independência de Moçambique. Cresceu num país que, emergindo da luta colonial, mergulhou numa longa guerra civil, marcada pela proliferação de armas ligeiras, minas e explosivos. Esses objectos mortíferos, moldaram o quotidiano de uma geração, mas anos mais tarde tornaram-se a sua principal matéria-prima artística.

Desde jovem, Mabunda demonstrou curiosidade pela escultura e pelo trabalho manual. A sua formação decorreu na Associação Núcleo de Arte de Maputo, um espaço que, desde o período pós-independência, tem sido berço de alguns dos mais notáveis artistas moçambicanos.

Foi ali que começou a dar forma ao seu estilo singular — o de transformar o ferro da violência em linguagem simbólica, reinterpretando a herança visual das máscaras e tronos tradicionais africanos. A sua arte surgiu directamente ligada ao Projecto de Transformação de Armas em Enxadas (TAE), uma iniciativa do Conselho Cristão de Moçambique lançada em meados dos anos 1990.

O programa incentivava a entrega voluntária de armas e munições em troca de ferramentas agrícolas. Mabunda, então um jovem escultor, viu naquilo não apenas um gesto político, mas também um acto poético: a possibilidade de transfigurar a morte em arte.

Uma Ideia Inovadora


Com as peças fundidas, serradas ou desmontadas — coronhas, baionetas, canos e munições — começou a criar máscaras cerimoniais e tronos que pareciam emergir do cruzamento entre o imaginário ancestral africano e o trauma contemporâneo da guerra. A sua primeira exposição, em 1998, causou impacto imediato: o público reconhecia nas formas o horror recente, mas via-o devolvido em beleza e reflexão.

Hoje, com mais de duas décadas de carreira, Gonçalo Mabunda é reconhecido internacionalmente como um dos nomes mais relevantes da arte de reciclagem africana. Expôs no Palais de Tokyo em Paris, na Bienal de Veneza, no Centre Pompidou, e em várias feiras internacionais, de Nova Iorque a Joanesburgo.

“As armas têm de ser desarmadas no espírito das pessoas — e a arte pode fazê-lo”, afirmou.

As suas obras estão presentes em colecções públicas e privadas na Europa, nos Estados Unidos e em África. O artista mantém estúdio em Maputo, mas o alcance do seu trabalho é universal. Cada trono, cada máscara, é um fragmento da história de Moçambique, reconstruída com dignidade e coragem.


A Estética da Transformação


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © 2025 Larkin Durey

O trabalho de Gonçalo Mabunda é baseado na reutilização de armas desactivadas provenientes do pós-guerra moçambicano. Canos de espingardas, baionetas, granadas, pistolas e munições são soldados, cortados e montados em composições que evocam formas de poder, tronos, máscaras, figuras e totens. O metal frio, antes instrumento de morte, renasce como símbolo de realeza e introspecção espiritual.

Os tronos são, talvez, as suas obras mais emblemáticas. Construídos com espingardas AK-47, baionetas e munições, assumem-se como símbolos ambíguos: por um lado, representam o poder político e a autoridade; por outro, recordam a violência com que esse poder se conquistou.

Ao mesmo tempo, os tronos de Mabunda recuperam a tradição africana das cadeiras régias, objectos cerimoniais que, em muitas culturas, são intermediários entre o humano e o divino. As máscaras, outro dos eixos da sua produção, seguem uma lógica semelhante.

O artista reinterpreta o rosto humano com peças de armas, criando figuras que parecem ora guardiões, ora fantasmas do passado. As máscaras, na tradição moçambicana e bantu, são portais espirituais e, nas mãos de Mabunda, tornam-se também instrumentos de memória colectiva.

A sua estética é deliberadamente crua. O ferro conserva marcas, ferrugem, corrosão; o artista raramente esconde as cicatrizes do material. Pelo contrário, transforma-as em textura e expressão. As suas esculturas oscilam entre o primitivo e o contemporâneo, o espiritual e o político, o belo e o perturbador.

Gonçalo Mabunda descreve-se como “um contador de histórias através do ferro”. Cada fragmento de arma carrega um passado de dor, mas, uma vez fundido na escultura, adquire nova vida e significado. O artista sublinha que o seu trabalho não é sobre a guerra, mas sobre o renascimento, sobre a capacidade humana de reconfigurar a destruição em criação.


O Simbolismo de Gonçalo Mabunda


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © Cortesia de Gonçalo Mabunda

A obra de Gonçalo Mabunda é, antes de mais, um manifesto de transformação. O artista parte do princípio de que a matéria carrega memória — e que essa memória pode ser redimida. As suas esculturas não procuram apagar o passado de violência, mas transmutá-lo. Cada espingarda desactivada, cada carregador fundido, cada cano de metralhadora soldado, torna-se um fragmento de reconciliação.

As suas obras convidam o espectador a uma leitura simbólica: os tronos são ironias do poder, as máscaras são rostos da história, e o próprio ferro torna-se testemunha da sobrevivência. O silêncio do metal é substituído por uma linguagem visual de redenção e paz.

O material que utiliza — armas da guerra civil moçambicana — possui um peso simbólico quase insuportável. Foram objectos de destruição e trauma, responsáveis por milhares de mortes e deslocamentos. No entanto, Mabunda não os aborda como ruínas, mas como sementes de um novo tempo.

“Não é só o ferro que se transforma; são também as pessoas que aprendem a ver diferente”.

O acto de soldar, cortar e reconstruir é um gesto de cura. O ferro de guerra converte-se em ferro de memória. Ao escolher trabalhar com armas e não com outro tipo de metal reciclado, Mabunda coloca-se no centro de uma reflexão mais ampla sobre a história recente de Moçambique e de África.

As armas representam tanto o legado colonial (muitas fabricadas fora do continente) como a herança da guerra civil, que devastou o país entre 1977 e 1992. A presença física dessas armas na escultura lembra-nos que a paz é frágil e que a reconstrução exige memória.

As Máscaras e os Tronos


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © Cortesia de Gonçalo Mabunda

As suas máscaras são exemplos perfeitos desse simbolismo. Evocam o rosto colectivo de Moçambique, não um rosto uniforme, mas múltiplo, fragmentado, feito de peças que antes pertenciam a máquinas de destruição. Cada máscara é uma tentativa de dar forma à identidade moçambicana pós-guerra, uma fusão entre espiritualidade e história.

Ao mesmo tempo, recorda-nos que as máscaras, nas culturas africanas, não escondem: revelam. São instrumentos de mediação entre os vivos e os ancestrais. Já os tronos, talvez as peças mais icónicas do artista, são reinterpretações contemporâneas dos assentos cerimoniais dos reis africanos.

No contexto de Mabunda, os tronos de espingardas e cartuchos carregam ironia e crítica: são símbolos de poder feitos com os resíduos da guerra. O artista transforma o emblema do domínio em símbolo de questionamento. É uma declaração política subtil, o poder não deve fundar-se na violência, mas na capacidade de reconstruir. Este simbolismo duplica-se numa leitura espiritual.

O ferro, elemento associado à divindade Ogum (ou Ogun), deus da guerra e da forja nas tradições iorubás e bantu, é matéria sagrada. Ao manipular armas, Gonçalo Mabunda parece seguir um ritual de purificação: o metal regressa ao seu estado original de criação, desprendido da função destrutiva.

Assim, a sua arte aproxima-se da liturgia da transformação, onde a escultura é também exorcismo e bênção. O simbolismo do seu trabalho actua em três camadas, a histórica, a espiritual e a estética.

Historicamente, reconcilia o país com o passado. Espiritualmente, converte a morte em energia vital. Esteticamente, desafia as fronteiras entre arte, activismo e memória. Cada peça é uma alegoria da sobrevivência africana diante da violência e do esquecimento.


Percurso Artístico


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © 2022 CNN

Gonçalo Mabunda começou a trabalhar na escultura ainda muito jovem, num Moçambique em reconstrução após anos de conflito. A cidade de Maputo, com os seus contrastes entre ruína e renascimento, forneceu-lhe o primeiro ateliê a céu aberto: as ruas. Foi nesse ambiente que aprendeu a observar os materiais e a compreender o poder simbólico do ferro.

O seu percurso formativo desenvolveu-se na Associação Núcleo de Arte, o mais antigo centro de criação artística de Moçambique, fundado em 1936. Este espaço serviu de refúgio para artistas durante a guerra e transformou-se num laboratório de ideias e liberdade. Lá, Mabunda conviveu com nomes como Malangatana Ngwenya, Fiel dos Santos e Reinata Sadimba, figuras fundamentais da arte moçambicana.

Foi precisamente no Núcleo de Arte que o artista teve contacto com o Projecto de Transformação de Armas em Enxadas, criado em 1995 pelo Conselho Cristão de Moçambique com o apoio da Christian Aid. O programa recolhia armas entregues voluntariamente por ex-combatentes e derretia-as para fazer ferramentas agrícolas.

A ideia era simples, mas profundamente simbólica: converter instrumentos de morte em instrumentos de vida. Mabunda, que à época já experimentava a escultura em metal, decidiu dar um passo além. Em vez de fundir as armas, optou por reconstruí-las artisticamente, preservando-lhes a forma.

Foi o início da sua identidade artística. O resultado agradou aos mentores do projecto e chamou atenção internacional. O artista tornou-se, assim, uma das figuras centrais do movimento que associou a arte moçambicana à reconciliação pós-guerra.


Reconhecimento Internacional


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © 2016 Cortesia de Gonçalo Mabunda

O reconhecimento não tardou. No final dos anos 1990, Mabunda começou a expor na cidade de Maputo e em Joanesburgo, sendo depois convidado para mostras na Europa e nos Estados Unidos da América. Em 2010 representou Moçambique na Bienal de Veneza, tornando-se o primeiro artista do país a participar oficialmente naquele evento.

Desde então, as suas obras estiveram presentes em instituições de prestígio como o Centre Pompidou, o Palais de Tokyo, a Dak’Art – Bienal de Arte Contemporânea Africana e o Museu de Arte Contemporânea de Lisboa. Além de escultor, Mabunda tem sido activista pela paz. Em entrevistas, tem sublinhado que o artista africano não pode dissociar-se do seu contexto histórico. O seu compromisso ético está presente tanto na escolha do material como nas narrativas que constrói.

“A guerra destruiu as pessoas, mas também nos deu um dever: o de reconstruir”. Afirmou em conversa com o portal Dhow Moçambique.

Em 2019 foi nomeado embaixador cultural da UNICEF em Moçambique, papel que reforça a dimensão social da sua obra. Participa em projectos educativos e colabora com iniciativas de desarmamento e reabilitação de jovens em risco. Através da arte, continua a mostrar que a criação pode ser ferramenta de diálogo e de cura coletiva.

A sua formação, embora enraizada no contexto local, inscreve-se hoje numa rede internacional de museus, galerias e feiras que o reconhecem como um dos mais importantes escultores contemporâneos africanos. Ainda assim, Mabunda insiste em manter o seu ateliê em Maputo, junto das comunidades que recolhem e doam os materiais com que trabalha. “É daqui que vem a minha energia”, costuma dizer.


Mensagens Ambientais


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © 2025 Larkin Durey

A obra de Gonçalo Mabunda é, antes de tudo, um manifesto visual sobre a paz. Cada uma das suas esculturas nasce de um gesto ético: transformar objectos de morte em símbolos de vida. Esse gesto, simultaneamente estético e político, confere à sua produção uma força rara — a de falar directamente à consciência colectiva. Mabunda não cria apenas para embelezar o mundo, mas para o interrogar.

Ao utilizar armas de fogo desactivadas, o artista obriga-nos a olhar de frente para a violência. As esculturas não escondem a sua origem: quem as observa reconhece imediatamente o cano de uma espingarda, o carregador de balas, o tubo de uma metralhadora. Porém, aquilo que outrora representava ameaça torna-se agora beleza, símbolo de resistência e esperança.

A sua arte, portanto, não é neutra. É uma forma de activismo, onde o metal fala por si. Há, no seu trabalho, uma dimensão profundamente social. Moçambique é um país jovem, mas com uma memória de guerra longa e dolorosa. Mabunda devolve essa memória à esfera pública, convertendo-a em objecto de reflexão.

As suas esculturas funcionam como monumentos de reconciliação, lembrando que a paz não se constrói apenas com acordos políticos, mas também com imaginação e empatia. O artista tem consciência de que os resíduos bélicos que utiliza são também metáfora daquilo que as sociedades procuram esquecer: a destruição, o trauma, o desamparo.

Ao reerguer esse “lixo” sob a forma de arte, ele afirma que nada está perdido enquanto houver criatividade. As suas peças transformam-se em mensagens universais sobre o poder da transformação.

A Mensagem


Mas a sua arte não se limita à política: possui igualmente uma mensagem ambiental. Ao reutilizar materiais abandonados — neste caso, metal das armas — Mabunda participa na lógica da sustentabilidade e da reciclagem. Embora o foco principal da sua obra seja a memória da guerra, ela insere-se também num discurso mais amplo sobre o destino dos resíduos, o consumo e o reaproveitamento dos recursos.

Num mundo onde os resíduos crescem a um ritmo insustentável, o artista moçambicano oferece um exemplo radical: até a arma, o objeto mais simbólico da destruição, pode ser reaproveitada. E, mais do que isso, pode tornar-se obra de arte.

Este é o ponto em que o seu trabalho se cruza com o de outros artistas africanos da chamada arte do lixo — como El Anatsui, Moffat Takadiwa ou Simonet Biokou. Todos eles partilham uma visão comum: a de que a matéria rejeitada possui um poder de renascimento e que a arte é o meio de o revelar.

Em Gonçalo Mabunda, essa transformação adquire um tom redentor. A soldadura e a montagem das peças são gestos de reconstrução simbólica, gestos que propõem uma nova ordem. As suas esculturas ensinam que a arte pode ser ponte entre a dor e a esperança, entre a destruição e a vida.

Ao contemplar um trono feito de armas, o espectador sente simultaneamente fascínio e desconforto. Essa ambiguidade é intencional. Mabunda quer provocar. Quer que olhemos para as armas não com medo, mas com consciência. Quer que vejamos, nas formas soldadas, a possibilidade de um futuro sem guerra.


Arte Que Cura e Transforma


(20251101) A Arte do Lixo Gonçalo Mabunda, Falar de Paz
Imagem: © 2016 R. da Silva

O trabalho de Gonçalo Mabunda coloca-se numa zona de fronteira entre a memória e a reconstrução. A sua arte é feita de ferro, mas é também feita de tempo — tempo recuperado, tempo transformado. Ao olhar para as suas esculturas, o público reconhece a história recente de Moçambique, mas também a história universal da humanidade: a guerra, o sofrimento, a busca por redenção.

Num contexto global em que a violência e o consumo se entrelaçam, Mabunda devolve-nos uma lição essencial, a arte ainda pode curar. Os seus tronos, máscaras e totens não são apenas objectos decorativos; são veículos de memória. São, de certa forma, oráculos que recordam o passado e apontam caminhos para o futuro. A força do seu trabalho reside na tensão entre forma e conteúdo.

A beleza das suas esculturas é inseparável da brutalidade da sua matéria-prima. O ferro é pesado, agressivo, mas o artista consegue transformá-lo em composição harmoniosa. O olhar que antes inspirava medo passa a inspirar contemplação. O objecto que dividia passa a unir.

Ao longo dos anos, críticos internacionais têm sublinhado essa capacidade rara de converter o horror em estética. No Palais de Tokyo, em Paris, a crítica francesa referiu-se à sua exposição como “uma arqueologia da violência transformada em altar da paz”. No Centre Pompidou, o público reagiu com emoção às suas máscaras, rostos de ferro que pareciam carregar a alma de um povo.

Mas talvez o mérito maior de Mabunda seja o de redefinir o conceito de artista africano contemporâneo. Longe de se limitar a uma estética exótica ou tradicionalista, o escultor moçambicano cria uma arte que dialoga com o mundo sem perder as raízes.

A sua linguagem é universal, mas o seu ponto de partida é profundamente local. Ele mostra que é possível pensar o contemporâneo a partir de Maputo, e que as grandes ideias — paz, memória, redenção — podem nascer no ferro queimado das guerras esquecidas.

No panorama da arte africana actual, Gonçalo Mabunda ocupa um lugar singular. A sua voz é política, espiritual e estética em simultâneo. Através do ferro, fala-nos sobre humanidade. Através das armas, ensina-nos sobre paz. Através dos resíduos, revela-nos o poder da arte como instrumento de transformação.


Conclusão


Ao fim de mais de vinte anos de carreira, Gonçalo Mabunda consolidou-se como um dos principais nomes da escultura africana contemporânea. As suas obras habitam museus e colecções em Paris, Bruxelas, Nova Iorque e Lisboa, mas o coração do seu trabalho permanece em Maputo, nas oficinas do Núcleo de Arte, nos mercados de ferro velho, nas memórias do seu povo.

A arte de Mabunda é feita de resistência e esperança. Ela lembra-nos que a guerra não termina com o silêncio das armas, mas com a reconstrução da alma. O ferro reciclado que utiliza é metáfora de um país inteiro — ferido, mas vivo; destruído, mas capaz de se reinventar. No mundo de hoje, onde as notícias de conflitos e violência parecem incessantes, a obra de Mabunda oferece um antídoto.

Ela mostra que, mesmo do caos, pode nascer a harmonia; mesmo da destruição, pode brotar a beleza; mesmo da arma, pode nascer a paz. Mais do que um escultor, Gonçalo Mabunda é um mediador entre o passado e o futuro, entre o homem e a sua consciência. As suas esculturas são o testemunho de que a arte continua a ser uma das mais poderosas formas de cura colectiva.

E assim, da frieza do ferro e da sombra das guerras, surge uma arte que não apenas decora o mundo — transforma-o.

 


O que achas do percurso de Gonçalo Mabunda? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Ver Também:


A Arte do Lixo: Mudungaze e as Máscaras que Contam Histórias

A Arte do Lixo: Dickens Otieno, Tecer Arte Com Latas De Metal

A Arte do Lixo: El Anatsui, Entre Tradição e Globalização

A Arte do Lixo: Moffat Takadiwa, Tecidos do Desperdício

A Arte Do Lixo: Henri Sagna E O Mosquito Que Fala

A Arte do Lixo: Simonet Biokou, A Forja Da Tradição

A Arte do Lixo: Nnenna Okore, Esculpir o Orgânico

A Arte do Lixo: Gonçalo Mabunda, Falar de Paz

A Arte do Lixo: Johnson Zuze, Redefinir O Caos

A Arte do Lixo: Sokari Douglas Camp, Esculpir O Petróleo

 


Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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