Sahel: França Vai Embora, Entra A Rússia.
A retirada das forças militares francesas do Sahel, em particular do Níger, foi um enorme revés para o presidente Macron que, claramente, ambicionava estabelecer uma nova relação com os países africanos e marca um ponto de viragem nas relações geopolíticas na região ao acender os holofotes sobre os esforços de expansão de influência de outras potências globais.
O presidente Emmanuel Macron enfrenta um dilema político à medida que a França abandona a sua presença militar em face da crescente instabilidade na África Ocidental. Esta retirada cria uma oportunidade significativa para a Rússia, que, por meio do grupo paramilitar Wagner, procura preencher o vácuo deixado pela França, sinalizando uma mudança nas dinâmicas de poder na região.
Em 1978, durante o Plenário da Cimeira da OUA, o saudoso Dr. António Agostinho Neto, disse no seu discurso:
“África parece um corpo inerte onde cada abutre vem debicar o seu pedaço”.
Até hoje ninguém foi tão profético.
A Nova Geopolítica Africana
O fim da operação Barkhane, em Novembro de 2022, e os golpes militares em vários países africanos aceleraram a retirada francesa, ao mesmo tempo que a presença jihadista persiste no Sahel e a Rússia, através do grupo paramilitar Wagner, estende os seus tentáculos – apesar da participação de outros actores como os Estados Unidos e a China.
“Não estamos aqui para ficar nas mãos dos golpistas. Os golpistas são aliados da desordem”.
Lamentou um desapontado Emmanuel Macron ao anunciar na televisão a retirada da representação diplomática da França do Níger, bem como das forças militares presentes em duas bases.
“Estou muito preocupado com esta região”.
Afirmou o presidente francês, indicando que os ataques dos grupos islamistas estavam a causar “dezenas de mortes todos os dias no Mali” após o golpe de Estado, e que agora esses ataques recomeçaram no Níger.
“A França, por vezes sozinha, assumiu todas as suas responsabilidades, e estou orgulhoso dos nossos militares. Mas não somos responsáveis pela vida política destes países, e assumimos todas as consequências”, disse ele.
Para Macron, isso representa uma derrota política evidente. No início deste ano, ele tinha anunciado uma nova política de cooperação militar em África, mas o projeto de reformular a presença francesa no Sahel parece comprometido depois de três países exigirem a retirada das tropas francesas.
Instabilidade Africana no Sahel
O investigador Fahiraman Rodrigue Kone, do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), afirmou que:
“A França não soube retirar-se no momento certo e quis continuar a desempenhar o papel de líder, num contexto em que mudou consideravelmente o ambiente sociológico”.
Uma fonte diplomática que pediu para não ser identificada também disse à agência francesa que Paris estava a colher as consequências de uma “hipermilitarizarão da relação com a África“, num momento em que as crises mais prementes no continente envolviam segurança, pobreza e meio ambiente.
“O Mali foi um grande golpe, sabíamos que estávamos diante de uma tendência importante. Há anos que vemos esta onda aumentar”.
“A França sentiu que estava a perder a sua posição, mas permaneceu em negação e atordoada”, disse.
A instabilidade política tem sido uma característica da vida de muitos países africanos nos últimos anos, em particular na região do Sahel, com uma série de golpes de Estado e tentativas de golpe em várias nações.
Os factores que levaram ao fim abrupto da ordem estabelecida são diversos, mas, de forma geral, a tendência é que o antigo colonizador está a retirar-se enquanto outros actores procuram preencher o vácuo.
A Rússia, por meio dos mercenários da empresa militar privada Wagner, apresenta-se como o país mais apto para preencher esse vazio. Já estão presentes em vários países africanos, incluindo a República Centro-Africana, Mali, Sudão, Líbia, Moçambique e Madagáscar, segundo o think tank GIS.
No entanto, até ao momento, especialistas não veem a mão russa no Burkina Fasso e no Níger. Além das táticas diretas, como o bloqueio das resoluções da ONU que condenam violações dos direitos humanos pelos regimes africanos e interferência em eleições, a Rússia também está envolvida em negócios de comércio de armas em troca de recursos naturais.
A Redefinir a Presença Francesa no Sahel
Com a retirada das forças francesas do Mali, da República Centro-Africana e do Burkina Fasso, restam ainda forças francesas no Chade, onde Paris mantém uma base aérea e um quartel-general de contraterrorismo em Jamena. No entanto, a presença dos mil militares franceses também foi alvo de protestos no Chade.
Fora do Sahel, as tropas francesas estão presentes no Djibuti, no Senegal, na Costa do Marfim e no Gabão, mas é provável que devido aos mais recentes acontecimentos, que a situação se altere.
“Por enquanto, não há nenhum lugar onde haja riscos específicos. Contudo, é certo que a legitimidade da presença militar francesa em África é atualmente quase nula”.
Comentou Thierry Vircoulon, investigador do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri). Este especialista acredita que pode haver um anúncio de uma redução mais ampla, ou mesmo o encerramento, das bases militares francesas em África.
A Rússia, através das suas atividades na região, está a ganhar terreno e a aumentar a sua influência, aproveitando as oportunidades criadas pela retirada da França. Isso levanta questões sobre o futuro do Sahel e de África, à medida que novos actores entram em cena e os antigos deixam o palco.
“Tirem as mãos de África! Parem de sufocar África: não é uma mina a ser explorada, nem uma terra a ser saqueada” – Papa Francisco
A Cooperação Russa
É preciso não esquecer que apesar das sanções internacionais impostas a Moscovo devido ao conflito na Ucrânia e do bloqueio económico, a Rússia continua a fornecer cereais e alimentos para muitos países africanos, especialmente para a região do Sahel.
O presidente russo, Vladimir Putin, enfatizou a importância de manter essa presença e continuar a fornecer suprimentos para o desenvolvimento socioeconómico e a estabilidade política dos Estados africanos.
Durante o Segundo Encontro Rússia-África, realizado este ano 2023, em São Petersburgo, ele prometeu aumentar a cooperação com os países africanos em sectores como a energia, medicina e educação, entre outros, demonstrando o desejo da Rússia de fortalecer os seus laços com o continente africano.
Conclusão
A retirada francesa do Níger e de outras áreas do Sahel sublinha as complexas transformações geopolíticas em curso no continente africano.
Enquanto Emmanuel Macron lamenta esta retirada como uma derrota política, a expansão das atividades russas na região, apesar dos desafios geopolíticos e das sanções internacionais, sugere que a Rússia está determinada a desempenhar um papel de destaque no panorama africano.
No entanto, a incerteza sobre o futuro do Sahel persiste, à medida que novos actores competem pela influência na região. O desfecho destes desenvolvimentos terá implicações significativas para a estabilidade e o equilíbrio de poder na África Ocidental.
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Imagem: © DR