EUA: Tyla, Cantora Mestiça Sul-africana Insultada.
Presa numa guerra cultural, a sensação musical da África do Sul, Tyla, está no centro de um debate online sobre a palavra que ela usa para descrever a sua identidade racial – “mestiça“.
Divergências Culturais
Antes da sua ascensão à fama, a jovem de 21 anos fez um vídeo a falar orgulhosamente sobre a sua herança mestiça no TikTok.
Nele, ela arranja os seus cabelos em cachos, ao estilo tradicional Bantu, usando contas, com as palavras “Sou sul-africana mestiça” estampadas no clipe como um distintivo de honra. A estrela da música sul-africana, diz que isso significa que ela “vem de muitas culturas diferentes“.
É um vídeo simples destinado a partilhar parte de si com a sua audiência. Mas, em vez disso, a sua identidade racial inflamou as chamas na internet, especialmente nos EUA onde os americanos veem a palavra “mestiça” como um insulto, ao contrário da comunidade sul-africana de onde vem Tyla, que a considera parte da sua cultura.
Na África do Sul, “mestiço”, é uma identidade oficial distinta reconhecida juridicamente e, para que conste, na CPLP, também. No entanto, os americanos, consideram a palavra um insulto e negam o direito aos mestiços de a usarem.
Um exemplo, entre muitos, é o caso de um utilizador dos EUA da rede X, anteriormente conhecido como Twitter que publicou o seguinte:
“Aqui não a vamos chamar de mestiça e, se ela exigir isso pessoalmente, a sua carreira acabará antes de começar”.
“Se ela está a tentar conquistar o mercado americano, não poderá usar essa palavra aqui. Que a vá usar em outro lado qualquer”.
EUA vs África do Sul
Nos EUA, a palavra remonta à era Jim Crow, quando as leis segregacionistas foram instituídas nos estados do Sul para oprimir os negros após a abolição da escravidão. Bebedouros, quartos de banho e bancos de autocarro eram marcados como “só para brancos” ou “só para mestiços“. Esta dolorosa história de segregação racial, espelha a da África do Sul, antes do fim do domínio da minoria branca em 1994.
O apartheid foi um sistema político com uma hierarquia racial privilegiando os sul-africanos brancos. A Lei de Registo da População de 1950 exigia que as pessoas fossem registadas numa das quatro categorias raciais – branca, negra, indiana ou mestiça. Outra lei designava áreas residenciais de acordo com a raça.
Michael Morris, chefe de média do Instituto Sul-Africano de Relações Raciais, diz que a história da comunidade mestiça é complexa, mas “é essencialmente sul-africana“. A comunidade tem origens díspares, mas foi unida sob as regras do apartheid.
“Por ser uma mistura de negros, brancos e asiáticos, foi forjada na geografia da África Austral, de uma forma que nenhuma outra [comunidade] a pudesse reivindicar”, disse Morris.
Mas por causa dessa herança mista, a comunidade às vezes era ridicularizada e ignorada em um sistema obcecado por categorização.
Marike de Klerk, a falecida esposa do último presidente do apartheid da África do Sul, disse uma vez sobre a comunidade mestiça em relação às leis de segregação do regime:
“Eles são as pessoas que ficaram para trás depois de as nações terem sido separadas. Eles são os restos”.
Dessa história complicada, pessoas como Tyla que se identificam como mestiças, teceram um rico tapete cultural. De acordo com o último censo da África do Sul, as pessoas mestiças representam 8,2% da população.
O Tapete Cultural Mestiço
Lynsey Ebony Chutel e Tessa Dooms, coautoras do livro “Mestiço: Como a Classificação se Tornou Cultura“, cresceram em Eldorado Park, em Joanesburgo, uma cidade historicamente mestiça. Elas descrevem as pessoas de lá como uma mistura eclética de aparência, linguagem, sotaques e herança.
Quando Chutel foi para a Universidade de Columbia, em Nova York, descobriu que a sua identidade, assim como a de Tyla, eram o tópico das conversas depois de se apresentar como uma mulher mestiça da África do Sul no seu primeiro dia. Não foi bem recebida pelos seus colegas; a sua colega de quarto puxou-a de lado e disse que ela havia deixado os estudantes americanos desconfortáveis.
Ela foi forçada a defender a sua própria identidade, origem e cultura enquanto tentava aplacar o desconforto dos outros.
“Eu entendo que seja um insulto, mas essa não é a única história aqui”.
Disse ela, com um suspiro profundo, advertindo que é perigoso para os americanos tentarem ser o árbitro, quando se trata de negritude, porque não há uma única maneira de ser negro, nem uma única maneira de ser mestiço.
Dooms concorda e diz que, mesmo antes da controvérsia de Tyla, defender a sua comunidade era constante:
“Estamos a lutar pela legitimidade do que construímos. O que criámos, a cultura que fizemos”.
Para aqueles na América que agora estão focados em Tyla, ela disse:
“Ter a audácia de questionar a autoidentificação de alguém e substituí-la pela sua – é completamente ridículo. Não é progressista”.
Para Morris, não há espaço para críticas:
“Apenas diz respeito à Tyla, dizer quem ela é e o que deseja ser chamada. Isso não é assunto de mais ninguém”.
A Ascensão de Tyla
Carissa Cupido, apresentadora de rádio sul-africana cresceu em Mitchell Plains, na Cidade do Cabo numa área predominantemente mestiça, afirmou que, apesar de a classificação lhe ter sido imposta, ela “abraçou, aceitou e celebrou” o facto de ser mestiça.
Cupido entrevistou Tyla há dois anos atrás e disse que o seu sotaque, cabelo natural e energia são “tangivelmente mestiços”. Ver a ascensão meteórica de Tyla à fama deu-lhe arrepios, acrescentou. Ela está a popularizar ainda mais o som amapiano, em si uma mistura sul-africana de estilos onde se incluem: jazz, hip-hop, soul e house music com uma batida mais lenta.
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A música de Tyla, “Water”, tornou-se a primeira canção de um músico sul-africano a solo, a aparecer no gráfico da Billboard Hot 100 desde “Grazing in the Grass” de Hugh Masekela em 1968.
“Muitas vezes, quando falo sobre ela, quando estou a transmitir em directo, tenho que conter as lágrimas”.
Já que nunca se encontrou, representada nos media, enquanto crescia. Agora, na casa dos 30 anos, encontra essa representação na forma de Tyla.
“Estou animada para que a próxima geração de raparigas mestiças vejam a Tyla e tirem inspiração e esperança da representação dela”.
“Quanto aos americanos, não insultem a forma de vida de alguém, só porque não a entendem”, disse ela.
Outros músicos sul-africanos mestiços já tinham alcançado fama internacional, como por exemplo o rapper AKA, que foi assassinado no início deste ano, mas nenhum atingiu o estatuto de Tyla.
Com um novo álbum previsto para o início do próximo ano e uma indicação para o Grammy, Tyla provavelmente continuará a dominar as notícias e a provocar mais debates sobre a sua identidade por algum tempo.
Conclusão
Numa sociedade globalizada, como a nossa, o caso de Tyla destaca a necessidade de compreensão e respeito pelas diversas identidades culturais. A sua narrativa sublinha a importância da autodeterminação na definição da identidade, destacando que é uma questão pessoal e não sujeita a julgamento externo.
Esta situação, só mostra a importância e a necessidade de se combater o chauvinismo cultural americano e as suas perspectivas inflexíveis que, por vezes, assumem uma postura unilateral na interpretação de termos e experiências que divergem das suas próprias realidades.
Este confronto cultural África do Sul vs EUA, traz ao de cima a necessidade de existir um diálogo aberto, com respeito pelas várias identidades culturais, para promover uma compreensão mais profunda entre as comunidades globais.
Artigo escrito por Danai Nesta Kupemba, para a BBC News, traduzido e adaptado, por Mais Afrika.
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Imagem: © 2023 Annie Reid