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ToggleFestas de África: Kwita Izina, Salvar Gorilas
Conheces o Festival Kwita Izina que une tradições ancestrais, conservação ambiental e gorilas das montanhas? Não? Então prepara-te para descobrir uma celebração única que honra a vida selvagem através de rituais culturais profundos.
Enquanto o mundo moderno avança e muitas tradições se vão perdendo e muitas festas em África celebram colheitas, divindades ou passagens da vida humana, nas florestas densas e verdejantes do Rwanda, realiza-se todos os anos o Kwita Izina, um evento único e fascinante que atrai visitantes de todas as partes do mundo.
Hoje, continuamos a nossa série de 17 artigos sobre Festas de África, mergulhando numa celebração única, onde acontece algo extraordinário, baptizam-se gorilas-das-montanhas recém-nascidos, ligando a herança cultural do Rwanda à preservação de uma espécie ameaçada.
Kwita Izina, significa “dar um nome” em kinyarwanda. É uma tradição que celebra a conservação dos gorilas-das-montanhas, uma espécie em risco crítico de extinção. A cerimónia reúne conservacionistas, investigadores, representantes do governo e comunidades locais para dar nomes aos gorilas recém-nascidos e sensibilizar o mundo para a importância da protecção destes magníficos animais.
Na nossa série sobre festas de África, exploramos hoje um festival que desafia a noção de que progresso e tradição são incompatíveis. O Kwita Izina mantém viva a cerimónia ancestral rwandesa de nomear crianças — adaptando-a aos gorilas —provando que a cultura pode ser uma ferramenta poderosa para proteger a biodiversidade.
Iniciado em 2005, a cerimónia anual, transformou-se num símbolo mundial de como a tradição e a conservação podem coexistir, criando um modelo que já está a ser copiado em outros países. Lê o artigo e prepare-te para descobrir como é que um ritual de atribuição de nomes se tornou a espinha dorsal da sobrevivência dos maiores primatas do planeta.
A Importância dos Gorilas-das-Montanhas

O Ruanda alberga cerca de um terço dos gorilas-das-montanhas que ainda restam no mundo, o que torna o país um destino essencial para amantes da vida selvagem e especialistas em conservação. Estes gigantes pacíficos, encontrados no Parque Nacional dos Vulcões, enfrentam sérios riscos de sobrevivência, com apenas algumas centenas de indivíduos ainda existentes no seu habitat natural.
Graças aos esforços de organizações como o Rwanda Development Board (RDB) e de dedicados conservacionistas, a população de gorilas tem vindo a crescer, tornando-se um exemplo de sucesso na conservação da vida selvagem. O Kwita Izina desempenha um papel crucial ao destacar estes avanços e ao sensibilizar o mundo para a necessidade de proteger estas criaturas extraordinárias.
Da Tradição Humana à Conservação
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O Kwita Izina nasceu de um costume milenar do Rwanda: o Kwita Izina (literalmente “dar um nome”), cerimónia realizada oito dias após o nascimento de uma criança. Familiares e amigos reuniam-se para escolher um nome que reflectisse aspirações, características físicas ou eventos marcantes.
As crianças recebiam enxadas (amasuka y’abana) e sementes, simbolizando o seu futuro como cultivadores, enquanto os pais honravam linhagens através de nomes ancestrais. Em 2005, o RDB, sob o alto patrocínio do governo do país, reinventou este ritual, aplicando-o aos gorilas das montanhas.
A ideia era simples: se os nomes humanos carregam significado, por que não usar a mesma lógica para criar laços emocionais com os primatas? Como explicou Belise Kariza, directora de turismo do RDB:
“Um nome projecta as aspirações que temos”.
“Ao dar nome aos gorilas, definimos um destino comum entre humanos e natureza”.
A escolha não foi aleatória. Os gorilas-das-montanhas partilham 98,3% do ADN humano e, nos anos 90, estavam à beira da extinção, com menos de 300 indivíduos. O Kwita Izina surgiu como parte de um esforço nacional para salvar a espécie, envolvendo comunidades locais e transformando a caça furtiva em protecção activa.
Desde então, o festival evoluiu para uma grande celebração do compromisso do Rwanda com a preservação da biodiversidade, tendo já atraído a atenção e o apoio de muitas instituições internacionais.
Uma Semana de Cor e Consciência
O festival dura uma semana, normalmente em Setembro, e combina festividades culturais com acções práticas de conservação. O evento principal ocorre no Parque Nacional dos Vulcões, parte da Reserva da Biosfera dos Vulcões, reconhecida pela UNESCO. O objectivo é destacar os esforços de preservação da vida selvagem no Rwanda e recolher fundos para iniciativas de conservação.
Os mais importantes eventos da semana são:
- Caminhadas Ecológicas e Workshops: Antes de se dar nome aos gorilas, voluntários e visitantes participam em caminhadas para reflorestar áreas degradadas, enquanto especialistas ministram workshops sobre turismo sustentável. Em 2022, por exemplo, foram plantadas 60.000 árvores nativas.
- Espectáculos Tradicionais: Grupos locais como Ingeli e Irambere, apresentam danças Intore, onde bailarinos com trajes de folhas e tambores contam histórias de coexistência entre humanos e gorilas.
- Feira de Conservação: Artesãos exibem produtos feitos com materiais sustentáveis, desde cestos de vime até esculturas de madeira reciclada, com lucros revertidos para fundos anti-caça.
O clímax é a cerimónia da nomeação. Líderes comunitários, conservacionistas e figuras internacionais (como o actor Forest Whitaker em 2018) anunciam os nomes dos gorilas perante milhares de espectadores. Cada nome reflecte características únicas: Ubufatanye (“Cooperação”), baptizado em 2017, nasceu num grupo que sobreviveu a ataques de caçadores graças à colaboração entre guardas-florestais.
Os gorilas recém-nascidos recebem nomes cuidadosamente escolhidos durante o Kwita Izina. Esses nomes reflectem características individuais, comportamentos ou significados culturais, estabelecendo uma ligação especial entre quem dá os nomes e os gorilas. Este processo reforça o elo entre os seres humanos e estes animais notáveis, incentivando um sentido de responsabilidade pela sua protecção.
Envolvimento Comunitário
O Kwita Izina vai além da cerimónia da atribuição do nome, desempenha um papel fundamental na sensibilização das comunidades locais para a importância da conservação. O evento destaca os benefícios económicos e ecológicos da preservação dos gorilas, incentivando práticas sustentáveis e promovendo o turismo ecológico.
Através de mecanismos de redistribuição de receitas e de projectos de desenvolvimento comunitário, as populações locais são incentivadas a tornarem-se guardiãs do património natural do Rwanda, assumindo um papel activo na protecção da vida selvagem.
Turismo Sustentável
Os esforços do Rwanda para conservar os gorilas também abriram caminho para um modelo de turismo responsável, especialmente através des expedições de trekking com gorilas. Os visitantes têm a oportunidade única de partir numa jornada inesquecível pelas montanhas, acompanhados por guias experientes, para observar os gorilas no seu habitat natural.
As receitas geradas pelas licenças de trekking com gorilas são directamente canalizadas para medidas de conservação, como o combate à caça furtiva, restauro de habitats e apoio a projectos comunitários. O Kwita Izina é uma amostra poderosa de como o turismo sustentável é importante para garantir a protecção destes animais para as futuras gerações.
Histórias de Sucesso
Desde a criação do Kwita Izina, a população de gorilas no Rwanda tem registado um crescimento positivo, demonstrando o êxito dos esforços de conservação. A abordagem colaborativa entre o governo, as comunidades locais e as organizações de conservação tornou-se um modelo de referência mundial para a protecção da vida selvagem.
Histórias de gorilas específicos, como o famoso Titus, um impressionante gorila prateado que superou inúmeros desafios e inspirou investigadores e conservacionistas, demonstram o impacto do Kwita Izina e das iniciativas de preservação.
Economia Verde
O Kwita Izina revolucionou a economia do Rwanda. Entre 2005 e 2023, o número de gorilas-das-montanhas subiu para mais de 600 e o turismo gerou 214 milhões de dólares anuais.
- Partilha de Receitas: 10% das taxas de trekking (1.500 dólares por pessoa) são investidos em infraestruturas locais: escolas, postos de saúde e sistemas de água. Em Kinigi, vila próxima ao parque, isto permitiu reduzir a pobreza de 55% para 20% em uma década.
- Empregos Verdes: Mais de 5.000 rwandeses trabalham como guias, guardas ou artesãos ligados ao turismo de gorilas.
“Antes, caçávamos para viver. Agora, protegemos os gorilas e ganhamos três vezes mais”, afirmou Jean-Claude, ex-caçador, convertido em guarda-floresta.
O festival também posicionou o Rwanda como líder em conservação. Em 2019, o país proibiu sacos de plástico e declarou 30% do território como área protegida, medidas amplamente divulgadas durante o Kwita Izina.
Por Que é Especial?

- Diplomacia Ambiental: Em 2021, o Rwanda usou o festival para anunciar parcerias com a Uganda e a República Democrática do Congo, criando um corredor transnacional para gorilas.
- Inovação Tecnológica: Drones e câmaras térmicas, financiados pelo turismo, são agora usados para monitorizar grupos de primatas, substituindo métodos invasivos.
“O Kwita Izina ensinou-nos que conservação não é sobre guardar animais, mas sobre reconstruir relações”, explicou a pprimatóloga Gladys Kalema-Zikusoka
O Futuro do Kwita Izina
À medida que o Rwanda reforça o seu compromisso com a conservação dos gorilas, o Kwita Izina continua a evoluir, adaptando-se a novos desafios e oportunidades. O evento atrai cada vez mais atenção internacional, promovendo não apenas a protecção dos gorilas-das-montanhas, mas também a protecção de outras espécies em risco e dos seus habitats.
Mais do que uma simples cerimónia, o Kwita Izina tornou-se um símbolo do poder da conservação e uma inspiração para governos e indivíduos de todo o mundo. O festival mostra que, com esforço conjunto e compromisso, é possível proteger o nosso património natural e garantir a sobrevivência das espécies ameaçadas.
Conclusão
O Festival Kwita Izina é mais do que uma festa: é um pacto entre gerações, espécies e nações. Ao baptizar gorilas com nomes que carregam esperança, o Rwanda lembra ao mundo que a sobrevivência da vida selvagem depende da nossa capacidade de honrar tradições enquanto abraçamos a inovação.
Para quem visita, o evento oferece uma lição rara: cada nome dado a um gorila é um passo em direcção a um planeta onde humanos não são donos da natureza, mas sim os seus guardiões. Como diz o povo do Rwuanda:
“Iby’isi ni iby’abantu bose” — a Terra pertence a todos.
Kwita Izina é um nome invulgar, não achas? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2023 DR