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ToggleAmnistia Internacional: Israel Comete Genocídio
A Amnistia Internacional concluiu que Israel está a cometer genocídio contra os palestinianos na Faixa de Gaza. Esta denúncia baseia-se num estudo intensivo que incluiu entrevistas e análise de provas, sobre assassinatos em massa, destruição de infraestruturas e imposição de condições de vida desumanas que apontam para uma intenção sistemática de destruir a população palestiniana.
A organização apresentou as suas conclusões, num relatório, publicado esta quinta-feira, intitulado “Sente-se como se fosse sub-humano”: O genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza, onde documenta como, Israel desencadeou o inferno e a destruição contra os palestinianos em Gaza, de forma descarada e com total impunidade, durante a sua ofensiva militar, lançada na sequência dos ataques efectuados pelo Hamas.
O Relatório Da Amnistia Internacional
O relatório da Amnistia Internacional documenta que Israel realizou actos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio, com a intenção de destruir os palestinianos em Gaza. Estes actos incluem assassinatos, lesões corporais e mentais graves, e condições de vida calculadas para provocar destruição física. O tratamento contínuo dos palestinianos como um grupo sub-humano reflete esta intenção genocida.
“As nossas conclusões condenatórias devem servir de alerta para a comunidade internacional: isto é genocídio”.
“Tem de acabar já” – Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional.
O relatório também denuncia que os Estados que continuam a transferir armas para Israel estão a violar as suas obrigações legais de prevenir genocídios, tornando-se cúmplices. Apela-se a países como os Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e outros membros da União Europeia para agirem de forma imediata.
Nos últimos dois meses, a situação na província de Gaza Norte tornou-se ainda mais crítica. A população sitiada enfrenta fome, deslocação forçada e destruição, com bombardeamentos constantes e severas restrições à ajuda humanitária.
A investigação da Amnistia concluiu que Israel persistiu em cometer actos genocidas, plenamente consciente dos danos irreparáveis causados. Apesar de ordens juridicamente vinculativas do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) para permitir assistência humanitária, Israel ignorou estas determinações.
“Israel tem argumentado repetidamente que as suas acções em Gaza são legais e podem ser justificadas pelo seu objectivo militar de erradicar o Hamas”.
“Mas a intenção genocida pode coexistir com objectivos militares e não tem de ser a única intenção de Israel” – Agnès Callamard.
Análise Abrangente dos Actos e Impactos
A Amnistia Internacional analisou os actos de Israel considerando frequência, simultaneidade, impacto imediato e consequências cumulativas. Incluiu também declarações públicas de altos funcionários, que muitas vezes anunciaram ou solicitaram estes actos proibidos.
O contexto em que estas acções ocorreram – desapropriação, apartheid e ocupação militar ilegal – levou à conclusão de que a intenção de Israel era a destruição física dos palestinianos em Gaza. Isto foi apresentado como um objectivo paralelo e, por vezes, um meio de atingir a eliminação do Hamas.
“Os crimes de atrocidade cometidos em 7 de Outubro de 2023 pelo Hamas e outros grupos armados contra israelitas e vítimas de outras nacionalidades, incluindo assassinatos em massa deliberados e tomada de reféns, nunca podem justificar o genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza” – Agnès Callamard.
De acordo com a jurisprudência internacional, não é necessário que o genocídio seja bem-sucedido para ser considerado como tal. Basta a prática de actos proibidos com intenção de destruir o grupo protegido.
O relatório baseia-se em evidências recolhidas entre Outubro de 2023 e Julho de 2024. Foram realizadas entrevistas com 212 pessoas, incluindo vítimas palestinianas, testemunhas, autoridades locais e profissionais de saúde. Além disso, foram analisadas provas digitais, imagens de satélite e declarações de altos funcionários israelitas.
Apesar de ter partilhado as conclusões preliminares com as autoridades israelitas, não houve resposta concreta até à data da publicação do relatório.
Escala e magnitude sem precedentes
As acções de Israel na sequência dos ataques mortais do Hamas em 7 de Outubro de 2023 colocaram a população de Gaza à beira do colapso.
A sua brutal ofensiva militar matou mais de 42.000 palestinianos, incluindo mais de 13.300 crianças e feriu mais de 97.000, até 7 de Outubro de 2024, muitos dos quais em ataques directos ou deliberadamente indiscriminados, muitas vezes eliminando famílias inteiras com várias gerações.
Causou uma destruição sem precedentes que, segundo os especialistas, ocorreu a um nível e a uma velocidade nunca vistos em qualquer outro conflito no século XX ou XXI, arrasando cidades inteiras e destruindo infraestruturas críticas, terras agrícolas e locais culturais e religiosos. Deste modo, tornou inabitáveis grandes extensões da Faixa de Gaza.
Mohammed que fugiu com a sua família da cidade de Gaza para Rafah em Março de 2024 e foi novamente deslocado em Maio de 2024, descreveu a sua luta pela sobrevivência em condições horríveis:
“Aqui em Deir al-Balah, é como um apocalipse…”
“Temos de proteger os nossos filhos dos insectos, do calor e não há água potável, nem casas de banho enquanto os bombardeamentos não param”.
“Aqui sentimo-nos, como se fôssemos sub-humanos”.
Israel impôs condições de vida em Gaza que criaram uma mistura mortal de subnutrição, fome e doenças e expôs os palestinianos a uma morte lenta e calculada. Israel também submeteu centenas de palestinianos de Gaza a detenção em regime de incomunicabilidade, tortura e outros maus-tratos.
Vistos isoladamente, alguns dos atos investigados pela Amnistia Internacional constituem violações graves do direito internacional humanitário ou do direito internacional dos direitos humanos. Mas se olharmos para o quadro mais amplo da campanha militar de Israel e para o impacto cumulativo das suas políticas e atos, a intenção genocida é a única conclusão razoável.
Intenção de destruição
Para estabelecer a intenção específica de Israel de destruir fisicamente os palestinianos em Gaza, a Amnistia Internacional analisou o padrão geral da conduta de Israel em Gaza.
Passou em revista as declarações desumanas e genocidas de funcionários governamentais e militares israelitas, especialmente de alto nível e considerou o contexto do sistema de apartheid de Israel, o seu bloqueio desumano de Gaza e a ocupação militar ilegal do território palestiniano que já dura há 57 anos.
Também examinaram as alegações de Israel de que as suas forças armadas visavam legalmente o Hamas e outros grupos armados. Israel justificou que a destruição sem precedentes e a recusa de ajuda humanitária eram resultado de acções ilegais do Hamas, como a presença de combatentes em zonas civis.
Contudo, foi concluído que estas justificações não são credíveis. A presença de combatentes do Hamas em áreas densamente povoadas não isenta Israel das suas obrigações de proteger civis e evitar ataques indiscriminados.
A investigação demonstrou que Israel, repetidamente, não cumpriu estas obrigações, cometendo múltiplos crimes sob o direito internacional. Não foram encontradas provas de que o desvio da ajuda humanitária, justificasse as severas restrições impostas por Israel à entrada de assistência humanitária essencial.
A organização também analisou argumentos como o de que Israel queria destruir o Hamas e considerava a destruição de palestinianos um subproduto aceitável. Este desrespeito pela vida palestiniana é, por si só, uma prova de intenção genocida.
Foram ainda analisadas 102 declarações emitidas entre 7 de Outubro de 2023 e 30 de Junho de 2024, muitas das quais desumanizando os palestinianos ou apelando a actos genocidas.
Destas, 22 justificavam actos genocidas, fornecendo provas explícitas da intenção genocida. Esta retórica foi reproduzida por soldados no terreno, como mostram conteúdos audiovisuais analisados, em que celebravam a destruição de infraestruturas apelando ao “apagamento” de Gaza.
Assassinato e Submissão
A Amnistia Internacional documentou os actos genocidas de matar e causar lesões corporais e mentais graves aos palestinianos em Gaza, analisando os resultados das investigações que realizou sobre 15 ataques aéreos entre 7 de Outubro de 2023 e 20 de Abril de 2024 que mataram pelo menos 334 civis, incluindo 141 crianças e feriram centenas de outros.
Não foram encontradas provas de que qualquer um destes ataques tenha sido dirigido a um objectivo militar. Num caso ilustrativo em 20 de Abril de 2024, um ataque aéreo israelita destruiu a casa da família Abdelal no bairro de Al-Jneinah, no leste de Rafah, matando três gerações de palestinianos, incluindo 16 crianças enquanto dormiam.
Embora estes ataques representem apenas uma fracção dos ataques aéreos de Israel, são indicativos de um padrão mais amplo de repetidos ataques directos contra civis e objectos civis ou de ataques deliberadamente indiscriminados. Os ataques foram também conduzidos de forma a causar um número muito elevado de mortos e feridos entre a população civil.
Provocar A Destruição Física
O relatório da Amnistia Internacional, documenta a forma como Israel infligiu deliberadamente condições de vida aos palestinianos em Gaza destinadas a conduzir, a prazo, à sua destruição.
Estas condições foram impostas através de três padrões simultâneos que repetidamente agravaram os impactos devastadores uns dos outros: danos e destruição de infraestruturas de suporte de vida e outros objectos indispensáveis à sobrevivência da população civil.
O uso repetido de ordens de “evacuação” em massa, arbitrárias e confusas, para deslocar à força quase toda a população de Gaza; a negação da prestação de serviços essenciais, assistência humanitária e outros suprimentos que salvam vidas em Gaza e dentro dela.
Após 7 de Outubro de 2023, Israel impôs um cerco total a Gaza, cortando a electricidade, a água e o combustível.
Durante os nove meses analisados no relatório, Israel manteve um bloqueio sufocante e ilegal, controlou rigorosamente o acesso às fontes de energia, não facilitou um acesso humanitário significativo ao interior de Gaza e obstruiu a entrega de bens essenciais e ajuda humanitária.
Deste modo exacerbaram uma crise humanitária já existente. Esta situação, combinada com os danos causados às habitações, hospitais, instalações de abastecimento de água e saneamento e terrenos agrícolas de Gaza, bem como com as deslocações forçadas em massa, provocou níveis catastróficos de fome e levou à propagação de doenças a um ritmo alarmante.
O impacto foi especialmente severo nas crianças pequenas e nas mulheres grávidas ou a amamentar, com consequências previstas a longo prazo para a sua saúde.
Israel teve repetidamente a oportunidade de melhorar a situação humanitária em Gaza, mas, durante mais de um ano, recusou-se a tomar medidas que estavam ao seu alcance, como a abertura de pontos de acesso suficientes ou o levantamento de restrições rigorosas à entrada na Faixa de Gaza, enquanto a situação se agravava progressivamente.
Deslocações Forçadas
Através das suas repetidas ordens de “evacuação”, Israel deslocou cerca de 1,9 milhões de palestinianos – 90% da população de Gaza – para bolsas de terra cada vez mais reduzidas e inseguras em condições desumanas, algumas das quais até 10 vezes.
Estas múltiplas vagas de deslocações forçadas deixaram muitos sem emprego e profundamente traumatizados especialmente porque cerca de 70% dos residentes de Gaza são refugiados ou descendentes de refugiados cujas cidades e aldeias foram etnicamente limpas por Israel durante a Nakba de 1948.
Apesar de as condições se terem tornado rapidamente impróprias para a vida humana, as autoridades israelitas recusaram-se a considerar medidas que teriam protegido os civis deslocados e assegurado a satisfação das suas necessidades básicas, o que demonstra que as suas acções foram deliberadas.
Recusaram-se a permitir que os deslocados regressassem às suas casas no norte de Gaza ou se deslocassem temporariamente para outras partes do Território Palestiniano Ocupado ou de Israel, continuando a negar a muitos palestinianos o direito de regressar, ao abrigo do direito internacional, às zonas de onde foram deslocados em 1948.
Fizeram-no sabendo que não havia nenhum lugar seguro para onde os palestinianos de Gaza pudessem fugir.
Responsabilização pelo genocídio
O fracasso sísmico e vergonhoso da comunidade internacional, durante mais de um ano em pressionar Israel a pôr fim às suas atrocidades em Gaza, atrasando os apelos a um cessar-fogo e prosseguindo as transferências de armas, é e continuará a ser uma mancha na nossa consciência colectiva.
Os governos têm de deixar de fingir que são impotentes para pôr fim a este genocídio possibilitado por décadas de impunidade das violações do direito internacional por parte de Israel.
Os Estados precisam de ir além das meras expressões de pesar e tomar medidas internacionais fortes e sustentadas, por mais desconfortável que uma conclusão de genocídio possa ser para aliados de Israel.
Os mandados de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o antigo ministro da Defesa Yoav Gallant por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, emitidos no mês passado, oferecem uma esperança real de justiça há muito esperada para as vítimas.
Os Estados devem demonstrar respeito pela decisão do tribunal e pelos princípios universais do direito internacional, prendendo e entregando os procurados pelo TPI.
O Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional deve considere a possibilidade de acrescentar genocídio à lista de crimes que está a investigar para que todos os Estados utilizem vias legais para levar os autores à justiça.
“Não se deve permitir que ninguém cometa genocídio e permaneça impune” – Agnès Callamard.
A Amnistia Internacional apela também à libertação incondicional de todos os reféns civis e à responsabilização do Hamas e de outros grupos armados palestinianos pelos crimes cometidos a 7 de Outubro.
A organização apela ainda ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que imponha sanções específicas contra os responsáveis israelitas e do Hamas mais implicados em crimes à luz do direito internacional.
Contexto
No dia 7 de Outubro de 2023, em um ataque efectuado pelo Hamas e outros grupos armados, foram disparados indiscriminadamente foguetes contra o sul de Israel e levaram a cabo deliberados assassínios em massa e captura de reféns, matando 1.200 pessoas, incluindo mais de 800 civis e raptando 223 civis e capturando 27 soldados.
Os crimes perpetrados pelo Hamas e por outros grupos armados durante este ataque serão objecto de um próximo relatório da Amnistia Internacional.
Desde Outubro de 2023, a Amnistia Internacional tem conduzido investigações aprofundadas sobre as múltiplas violações e crimes ao abrigo do direito internacional cometidos pelas forças israelitas, incluindo ataques directos a civis e objectos civis e ataques deliberadamente indiscriminados que mataram centenas de civis, bem como outros ataques ilegais e punição colectiva da população civil.
A organização apelou ao Gabinete do Procurador do TPI para que acelere a sua investigação sobre a situação no Estado da Palestina e está a fazer campanha para um cessar-fogo imediato.
Conclusão
A Amnistia Internacional, fornece uma análise abrangente e documentada das atrocidades cometidas por Israel em Gaza, no seu relatório, demonstrando claramente que Israel tem actuado com intenção genocida.
Este apelo à justiça e responsabilização é urgente para garantir que tais crimes não continuem impunes. A comunidade internacional, especialmente os Estados que apoiam Israel, têm a responsabilidade de intervir e garantir que os direitos humanos sejam protegidos.
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Imagem: © 2023 Mustafa Hassona / Anadolu via Getty Images