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ToggleAcordos De Bicesse: Trinta E Três Anos Depois
Hoje, comemoram-se 33 anos desde a assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse, um marco importante para a história de Angola. Estes acordos representaram a primeira tentativa formal de estabelecer um cessar-fogo, promover a reconciliação nacional e iniciar a transição para a democracia em Angola, apenas dezasseis anos após a Independência Nacional.
A assinatura destes acordos, simbolizaram um compromisso entre as partes em conflito e marcaram o início de uma nova era de esperança para um país devastado por anos de guerra civil. Ao olharmos para trás, necessitamos de compreender o contexto histórico e as dinâmicas que levaram à sua realização, e devemos refletir sobre o seu legado e a trajetória política e social de Angola.
Os Acordos de Bicesse
Os Acordos de Bicesse, foram uma negociação sobre o cessar-fogo, a reconciliação nacional e a transição para a democracia multipartidária, celebrado entre o governo de Angola e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
Os acordos estabeleciam uma transição para a democracia multipartidária em Angola sob a supervisão da Segunda Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola (UNAVEM II).
Foram promovidos por Durão Barroso enquanto Secretário de Estado dos Assuntos Externos e Cooperação de Portugal em 1990. Contou com a mediação também dos Estados Unidos e da União Soviética para sua assinatura.
Os acordos foram assinados na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, em Bicesse, Portugal, por José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi a 1 de Maio de 1991. Estipularam que seriam realizadas as primeiras eleições livres e democráticas em Angola, supervisionadas pelas Nações Unidas.
Os acordos também definiram que as estruturas militares beligerantes da Guerra Civil, as Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), da UNITA e as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), as forças militares do Estado angolano, seriam integradas nas novas Forças Armadas Angolanas.
Contexto Histórico
O mundo testemunhou o momento em que o Presidente angolano à altura, José Eduardo dos Santos e o líder rebelde Jonas Malheiro Savimbi, ambos já falecidos, apertaram as mãos, simbolizando um compromisso de paz.
Estes acordos surgiram num contexto influenciado por vários factores no final dos anos 80, incluindo o desfecho da guerra em Angola entre os exércitos da África do Sul e de Angola, com a intervenção de vários actores externos. A queda do Muro de Berlim e os ventos de democratização que sopravam globalmente também desempenharam um papel crucial no evento.
As iniciativas do ex-Presidente Mobutu do então Zaire (hoje República Democrática do Congo) contribuíram para encorajar as partes em conflito a procurar uma solução pacífica. Além desses factores internacionais, o cansaço da população angolana com a guerra e a destruição causada por anos de conflito também foram determinantes.
As partes em guerra perceberam que a continuidade dos combates apenas agravaria o sofrimento do povo e inviabilizaria o desenvolvimento do país. A pressão internacional para encontrar uma solução pacífica foi um factor adicional que não podia ser ignorado.
Apesar dos esforços internacionais, da assinatura destes acordos e do Protocolo de Lusaca, a UNITA acabou por quebrar os acordos unilateralmente ao rejeitar os resultados oficiais das eleições presidenciais de 1992 e partir para a fase seguinte da Guerra Civil Angolana, conflito que durou até 2002.
Somente com a morte de Jonas Savimbi e do vice-presidente da UNITA António Sebastião Dembo é que os Acordos de Bicesse puderam ser resgatados. Paulo Lukamba Gato, general das FALA e presidente interino da UNITA, conduziu a organização a assinar o Memorando de Entendimento do Luena, complemento aos acordos de paz de Bicesse e Lusaca, para pôr fim à guerra.
As Lições de Bicesse
Trinta e três anos depois, é fundamental reflectir sobre as lições aprendidas com os Acordos de Bicesse. Apesar das falhas na implementação do cessar-fogo, na reconciliação nacional e na transição para a democracia, os acordos marcaram uma etapa importante no caminho para a paz em Angola.
A experiência adquirida com Bicesse foi valiosa e serviu de base para futuras negociações, como o Memorando de Luena, assinado em 2002, que pôs fim a uma década de conflito (1992-2002) e trouxe uma paz duradoura, inteiramente negociada pelos próprios angolanos.
Este memorando foi a prova de que, apesar das adversidades, os angolanos têm a capacidade de resolver os seus problemas internos sem a necessidade de mediação estrangeira.
Os Acordos de Bicesse mostraram que, embora o caminho para a paz seja árduo e repleto de obstáculos, é possível alcançar uma solução pacífica através do diálogo e da negociação.
A importância do envolvimento de líderes locais e da sociedade civil no processo de paz não pode ser subestimada. A participação activa de todos os sectores da sociedade é essencial para garantir que os acordos de paz sejam duradouros e efectivos.
O Legado de Bicesse
O legado dos Acordos de Bicesse é complexo, mas essencial para entender o percurso de Angola rumo à paz e à democracia. Embora a paz não tenha sido alcançada imediatamente, Bicesse abriu caminho para o diálogo e a negociação, mostrando que a resolução dos conflitos era possível.
Hoje, Angola vive uma era de relativa paz e estabilidade, com mais de dois terços desse período vividos em paz. A caminhada, apesar dos desafios, tem valido a pena. O processo de reconciliação nacional e transição democrática continua, e o país tem demonstrado capacidade de determinação ao construir um futuro melhor para todos os seus cidadãos.
Reflexões sobre a Paz
Os Acordos de Bicesse também nos lembram da importância da paciência e da persistência no processo de paz. A construção da paz não é um evento único, mas sim um processo contínuo que requer o compromisso constante de todas as partes envolvidas.
É essencial que a comunidade internacional continue a apoiar Angola nos seus esforços para manter a paz e promover o desenvolvimento sustentável. Os Acordos de Bicesse servem como uma memória de que a paz não pode ser imposta de fora; deve ser construída de dentro, com o envolvimento activo de todas as partes interessadas.
A confiança mútua, o respeito pelos direitos humanos e a promoção da justiça social são pilares fundamentais para a construção de uma paz duradoura.
Desafios e Perspectivas
Trinta e três anos após os Acordos de Bicesse, Angola ainda enfrenta desafios significativos. A pobreza, o desemprego e a desigualdade social continuam a ser problemas graves que precisam ser abordados. A reconciliação nacional, embora tenha avançado, ainda requer esforços contínuos para superar as divisões do passado.
No entanto, há razões para optimismo. Angola tem recursos naturais abundantes e um povo resistente que tem demonstrado uma capacidade notável de superar as adversidades. O governo angolano tem implementado reformas económicas e políticas que visam promover a transparência, a responsabilidade e o crescimento sustentável.
A comunidade internacional também tem um papel importante a desempenhar no apoio ao desenvolvimento de Angola. A cooperação internacional, o investimento estrangeiro e a assistência técnica podem ajudar a fortalecer as instituições angolanas e promover o desenvolvimento económico e social.
Conclusão
Os Acordos de Bicesse foram um marco importante na história de Angola, simbolizando a primeira tentativa séria de alcançar a paz e a reconciliação nacional. Trinta e três anos depois, o país pode olhar para trás e reconhecer as lições aprendidas e os progressos feitos.
A experiência de Bicesse e o subsequente Memorando de Luena mostram que os angolanos possuem a capacidade e a vontade de resolver os seus problemas internamente, sem a necessidade de intervenção estrangeira.
Angola tem demonstrado que é possível construir um futuro de paz e prosperidade, apesar dos desafios. O percurso para a paz é contínuo e é essencial que todos os angolanos permaneçam comprometidos com os valores do diálogo, justiça e reconciliação.
Imagem: © DR