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Quarta-feira, Abril 30, 2025

Portugal e os PALOP, Uma Ajuda ‘Interessada’

África continua a ser um continente desconhecido onde o silêncio esconde segredos ancestrais e os sonhos se tornam em aventuras. É um continente enigmático que convida à imaginação, desafiando a lógica com cada suspiro do vento. Mergulha agora neste universo, onde o passado e o presente se entrelaçam num enigma sem fim e fica a conhecer o relacionamento único que existe entre Portugal e os PALOP.

Portugal e os PALOP, Uma Ajuda ‘Interessada’


Quando, no final de 2017, o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento me revelou, em entrevista, que o banco ia começar a olhar para os países lusófonos como um bloco, confesso que não percebi bem o que ele quis dizer.

Foi preciso esperar algum tempo até perceber como o Compacto Lusófono, um instrumento inovador de financiamento para os países que falam português em África, mostra a importância de Portugal não apenas enquanto parceiro comercial, mas sim como verdadeiro mentor e advogado dos países lusófonos nos principais fóruns mundiais.

Usemos o exemplo do Compacto, que acompanhei desde a criação, em Lisboa, no final de 2017: em novembro desse ano, Akinwumi Adesina explica em entrevista que vai começar a olhar para os países lusófonos como um bloco, o que permite tirar risco do investimento e dar escala aos projetos em cada um dos países, dos mais pequenos aos de maior dimensão.

Antes desta entrevista, concedida já ao final da tarde no Ministério dos Negócios Estrangeiros, Adesina tinha passado a tarde toda, fechado no Ministério das Finanças, em Lisboa, a ouvir as queixas, recomendações e sugestões dos principais grupos empresariais portugueses que investem em África.

Ficou muito bem impressionado com o grau de conhecimento da realidade africana por parte dos empresários portugueses, disse-me, e esse era, afinal, o objetivo do Governo português: mostrar ao presidente do BAD, a entidade financeira mais musculada e com maior alcance em África, que as empresas portuguesas conhecem o mercado africano, estão lá para ficar e não para fazer lucro rápido e sair, e que, para além de terem qualidade internacionalmente reconhecida, são bem acolhidos nesses países, ganhando uma vantagem comparativa face a outras geografias.

Desde então, Adesina foi pela primeira vez a uma reunião da CPLP, em Cabo Verde, quando o arquipélago assumiu a presidência da Comunidade, criou o Fórum de Investimento em África, no qual dedicou uma sessão inteira aos países lusófonos, passou uma manhã em Busan, na Coreia do Sul, durante os Encontros Anuais, a apresentar o projeto aos próprios países africanos lusófonos e apresentou esta iniciativa várias vezes como um exemplo da integração regional, apesar da descontinuidade territorial dos PALOP.

Seis anos depois, com uma conturbada reeleição e uma devastadora pandemia pelo meio, o ‘namoro’ começa a dar frutos, com a implementação de 70 milhões de dólares em linhas de crédito em Angola e Moçambique e um veículo especial de financiamento para Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, algo que dificilmente aconteceria fora do âmbito do Compacto.

Onde entra então Portugal? Entra nos bastidores, como normalmente acontece quando se trata de defender os ‘países irmãos’ africanos. A política externa portuguesa é assumidamente tripartida entre as comunidades espalhadas pelo mundo, os países africanos de língua oficial portuguesa e, claro, o bloco regional onde Portugal está, a União Europeia.

Mas há um ‘carinho’ especial, ou pelo menos uma atenção redobrada quando se trata de defender os interesses dos lusófonos nos fóruns internacionais.

Assisti a isso em Washington quando participei nos Encontros Anuais do FMI em 2018, em pleno escândalo das dívidas ocultas de Moçambique, e vi como a delegação portuguesa tentava, de alguma forma, ‘desculpar’ o sucedido e convencer a então diretora, Christine Lagarde, que os responsáveis pelos empréstimos ilegais já estavam fora do Governo, e que o país merecia a confiança do Fundo.

Em causa estava a própria relação do FMI com Moçambique, um país pobre que antes de receber fortunas do gás precisava, e ainda precisa, de financiamento internacional, que foi cortado na sequência da divulgação dos empréstimos ocultos.

No Banco Mundial, então, esta atenção a África é particularmente notória, já que boa parte do trabalho dos responsáveis portugueses é influenciarem a distribuição das verbas e agirem como advogado de defesa dos PALOP.

Vi também, em Abidjan, na reunião extraordinária de acionistas, em 2019, como Portugal pressionou a promessa de canalização de parte das verbas do aumento de capital do Banco Africano de Desenvolvimento para a aposta nos países mais pobres e mais pequenos, forçando a direção do banco a assumir que seriam os mais pobres a beneficiar de mais ajuda. Entre eles estão, claro, quase todos os PALOP.

A relação de amizade que persiste entre o antigo colono e os países colonizados é uma bênção que nem sempre é valorizada.

Em Abuja, um taxista nigeriano ficou perplexo quando lhe contei que as vitórias e derrotas dos clubes portugueses de futebol são motivo de conversa nos cafés à segunda-feira de manhã em Cabo Verde, Angola ou Moçambique, e que muitos africanos ainda vibram com os golos de Ronaldo na seleção portuguesa nos campeonatos da Europa ou do Mundo, quase como se fosse o seu próprio país.

A amizade, no entanto, não anula os interesses de Portugal. Não há apenas altruísmo nem generosidade, há também um interesse próprio vincado e assumido. Se a China assume, alto e bom som, que a relação com África tem de ser win-win, Portugal também procura vantagens.

A ajuda nos fóruns internacionais não é, por isso, uma oferta desinteressada. Portugal beneficia também, e muito, do crescimento económico dos países africanos que partilham a língua de Camões, não só pela expansão internacional das empresas portuguesas, essencial durante a crise financeira que o país atravessou no seguimento da crise da dívida, no princípio da última década, mas também pelo apoio que recebe.

Que o digam António Guterres, o secretário-geral das Nações Unidas, ou António Vitorino, na Organização Internacional das Migrações, que beneficiaram dos votos e da influência regional dos países lusófonos africanos para chegar a estes altos cargos internacionais.


Conhecias este relacionamento único entre Portugal e os PALOP? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2021 Francisco Lopes-Santos 
Mário Baptista

Jornalista da Agência Lusa

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Mário Baptista
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