Pela primeira vez na sua história, Cabo Verde recebe um dos mais prestigiados encontros da música portuguesa – o Festival Internacional de Fado. Entre os dias 11 e 13 de Setembro de 2025, a cidade da Praia será palco de concertos, cinema e conferências que homenageiam a herança cultural do fado e celebram o centenário de Carlos Paredes, mestre incontornável da guitarra portuguesa.
O Festival Internacional de Fado chega à sua 15ª edição e, desta vez, vai-se realizar na Praia, a capital cabo-verdiana, de 11 a 13 de Setembro de 2025, reforçando o diálogo entre a música portuguesa e as sonoridades africanas.
De Madrid, onde nasceu em 2011, a cidades como Buenos Aires, Bogotá, Paris, Luanda ou Tóquio, o festival tornou-se numa montra mundial do fado, contribuindo para a sua difusão como Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Em Cabo Verde, o evento assume um carácter ainda mais simbólico, ao unir duas culturas irmãs, ligadas pela língua, pela história e pela expressão artística. Durante três dias, o Auditório Nacional Jorge Barbosa, o Centro Cultural Português da Praia e a Embaixada de Portugal em Cabo Verde vão acolher concertos, sessões de cinema e conferências, numa programação que combina tradição e modernidade.
O destaque maior vai para a fadista Teresinha Landeiro que apresenta o seu mais recente álbum “Para Dançar e Para Chorar”, numa fusão entre o fado clássico e influências do pop e do folclore, sem nunca trair a essência original do género.
Além de Teresinha Landeiro, o festival conta ainda com a exibição do documentário “Movimentos Perpétuos”, do realizador Edgar Pêra, uma obra que homenageia a vida e o virtuosismo de Carlos Paredes e com uma conferência/concerto dirigida pelo guitarrista Bernardo Couto, um dos mais respeitados nomes da nova geração da guitarra portuguesa.
A edição cabo-verdiana do Festival Internacional de Fado está intimamente ligada às comemorações do centenário de Carlos Paredes (1925-2004). Reconhecido como um dos músicos mais importantes do século XX, Paredes não foi apenas um simples guitarrista de Fado, foi um compositor e um intérprete excepcional que deu à guitarra portuguesa uma dimensão universal.
Conhecido como “O Homem da Guitarra”, a sua obra marcou gerações e abriu caminho para a valorização de um instrumento que, até então, estava frequentemente associado apenas ao acompanhamento do fado, mas que nas suas mãos ganhou estatuto de protagonista absoluto.
“Carlos Paredes dá-nos a ouvir um mundo sob a condição da eternidade” – Eduardo Prado Coelho
A sua música, marcada pela simplicidade melódica e pelo virtuosismo técnico, continua a emocionar sucessivas gerações, dentro e fora de Portugal. Composições como “Guitarra Portuguesa” e “Canção Verdes Anos”, são hoje ícones intemporais, símbolos da resistência cultural nos tempos da censura e da ditadura e hoje, afirmações da identidade lusófona.
O Legado
O legado de Carlos Paredes ultrapassa os limites da música: ele representou igualmente uma forma de dignificar a cultura nacional e de projectar a sensibilidade portuguesa no plano internacional. Trabalhou como arquivista no Hospital de Santa Marta em Lisboa, uma profissão discreta que contrastava com o génio musical que o acompanhava.
Foi também perseguido politicamente durante o Estado Novo, chegando a ser preso pela PIDE, o que reforçou a ligação entre a sua música e a ideia de liberdade e resistência.
“A música de Carlos Paredes não existe”.
“Existe um homem semeado no chão do seu país”.
“E dele nasceu. E nele ficou plantado” – Octávio Fonseca
Ao celebrar Carlos Paredes em Cabo Verde, o festival presta mais do que um tributo a um artista singular. Evoca também os laços profundos que unem Portugal e o arquipélago, territórios onde a música sempre funcionou como uma ponte entre povos e culturas.
A sua obra, tal como a morna cabo-verdiana, carrega uma melancolia universal que toca a todos os que experimentaram o exílio, a saudade ou a procura de identidade. Desta forma, Cabo Verde torna-se um palco privilegiado para reviver e revalorizar a herança de Carlos Paredes, perpetuando uma tradição que pertence tanto à memória portuguesa como ao património cultural comum da lusofonia.
A chegada do Festival Internacional de Fado a Cabo Verde representa mais do que uma simples programação artística. É um gesto simbólico de aproximação cultural que reforça a lusofonia como espaço de partilha e diálogo. O arquipélago, conhecido pelas suas mornas e coladeiras, encontra-se agora com o fado, género que também expressa sentimentos de saudade, amor e resistência.
Ambas as tradições musicais nasceram da dor e da esperança, da diáspora e da ligação ao mar. Neste encontro, o público cabo-verdiano não vai assistir apenas a concertos, vai viver um momento de reconhecimento mútuo, em que culturas irmãs se cruzam, se escutam e se valorizam.
Com apenas 28 anos, Teresinha Landeiro tornou-se num dos nomes mais promissores do fado contemporâneo. Com uma voz doce e firme, tem conquistado públicos em Portugal e além-fronteiras. O seu álbum “Para Dançar e Para Chorar” que chega agora à Praia, é um reflexo da sua capacidade de respeitar a tradição ao mesmo tempo que arrisca novas sonoridades.
No palco cabo-verdiano, Teresinha irá interpretar temas do novo disco que conta com colaborações de artistas como António Zambujo e o brasileiro Jota.pê. A fusão de estilos promete emocionar o público e consolidar a imagem da fadista como uma intérprete versátil, capaz de reinventar o género sem o descaracterizar.
A sua actuação no dia 11 de Setembro, no Auditório Nacional Jorge Barbosa, inaugura a programação e estabelece o tom do festival, colocando Cabo Verde na rota internacional do fado.
No dia 12 de Setembro, a programação desloca-se para o Centro Cultural Português da Praia, onde será exibido o documentário “Movimentos Perpétuos”, de Edgar Pêra. Dividido em 17 partes, o filme recorre a imagens de arquivo, testemunhos e gravações do próprio Carlos Paredes, para reconstruir o percurso de um dos maiores mestres da música portuguesa.
O documentário além de celebrar a genialidade do guitarrista também contextualiza a sua obra no panorama cultural e político português. É, ao mesmo tempo, uma viagem intimista e histórica que permite compreender por que razão Paredes permanece uma referência incontornável, tanto em Portugal como no mundo.
Distinguido em 2006 no Festival IndieLisboa com os prémios de Melhor Longa-Metragem, Melhor Fotografia e Prémio do Público, o filme é uma oportunidade rara para o público cabo-verdiano conhecer de perto o legado de um homem que fez da música um acto de liberdade.
A encerrar o festival, no dia 13 de Setembro, o guitarrista Bernardo Couto apresenta-se no Centro Cultural Português da Praia para um concerto/conferência. Discípulo de nomes como Carlos Gonçalves, Pedro Caldeira Cabral e Ricardo Rocha, Couto é hoje considerado um dos mais respeitados intérpretes da guitarra portuguesa.
Com apenas 13 anos começou a estudar o instrumento e, desde então, tem acompanhado artistas de renome como Raquel Tavares, Camané, Ana Moura, Cristina Branco, António Zambujo e Rão Kyao.
A sua presença em Cabo Verde simboliza a continuidade da tradição da guitarra, mas também a renovação do género através da transmissão de conhecimento às novas gerações. O concerto será uma homenagem explícita a Carlos Paredes, encerrando três dias de celebração cultural com uma nota de profundidade e virtuosismo.
Conclusão
O Festival Internacional de Fado em Cabo Verde não vai ser apenas um evento artístico, vai ser também uma celebração da memória, da língua e da cultura partilhada. Ao longo de três dias, o público terá a oportunidade de conhecer de perto o legado de Carlos Paredes, a frescura da voz de Teresinha Landeiro, a mestria de Bernardo Couto e a criatividade de Edgar Pêra.
Este encontro que insere Cabo Verde na rota internacional do Fado, reafirma a música como um património vivo e em constante diálogo com o mundo. Num tempo em que a cultura se revela como uma ponte entre os povos, o festival simboliza a continuidade de uma herança e a renovação de um género que, mesmo nascido em Lisboa, pertence hoje a toda a humanidade.
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Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.