A Mozal, a segunda maior fundição de alumínio em África, a funcionar nos arredores de Maputo, anunciou a 14 de Agosto de 2024 que passaria a cortar investimentos e a dispensar empreiteiros, mantendo apenas a produção até Março de 2026, quando expira o actual contracto de fornecimento de energia.
A empresa alegou não ter garantias de continuidade e responsabilizou o Governo pela falta de clareza nas negociações. A reacção de Daniel Chapo foi imediata, o Chefe de Estado rejeitou categoricamente as ameaças.
“Temos uma responsabilidade acrescida como Governo, não podemos aceitar tarifas que vão levar a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) a subsidiar a Mozal e colapsarmos a HCB, que é a nossa galinha de ovos do ouro”, afirmou.
Esta posição não só expôs a rigidez do Executivo, mas também levantou questões sobre até que ponto Moçambique pode arriscar a saída de uma empresa responsável por 3% do Produto Interno Bruto (PIB) e que emprega directamente cerca de 5 mil trabalhadores, além de sustentar outros 27 mil empregos indirectos.
A HCB não é apenas uma empresa estatal: é um dos pilares da economia nacional e da integração energética regional. Desde 1979, fornece grande parte da sua produção à África do Sul, através da Eskom, numa ligação contratual que tem garantido receitas, mas que, ao mesmo tempo, reduziu a disponibilidade de energia para consumo interno.
Com a Estratégia de Transição Energética até 2050, o Governo traçou como prioridade repatriar, até 2030, a electricidade exportada para a África do Sul. O objectivo é reforçar o consumo interno, alargar o acesso das populações e garantir energia a indústrias nacionais.
Neste contexto, a pressão da Mozal para tarifas mais baixas é vista como um retrocesso, uma tentativa de manter privilégios que já não se coadunam com as necessidades actuais do país.
Um dos pontos mais controversos é a estrutura contratual existente. Daniel Chapo sublinhou que a HCB não tem contracto directo com a Mozal, mas sim com a Eskom. Ou seja, a energia chega à fundição através da intermediação sul-africana.
“A ser debatido este assunto, em princípio, devia ser com a Eskom, ao nível da África do Sul”.
Explicou Daniel Chapo. Ainda assim, o Governo quer alterar este modelo: a Electricidade de Moçambique (EDM) deve passar a ser o braço comercial, assumindo o fornecimento directo à Mozal e reforçando o controlo interno sobre a energia produzida.
O porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa, já tinha confirmado esta intenção.
“Hoje a contratação é feita de forma directa e o que se pretende é introduzir o player, que é a EDM que é a entidade responsável pela comercialização da energia produzida pela nossa hidroeléctrica”, explicou.
A Mozal insiste que não tem garantias de electricidade suficiente e acessível após 2026, daí a sua posição de limitar investimentos e preparar uma eventual suspensão da actividade. Para alguns analistas, esta postura configura uma chantagem.
Fátima Mimbire, activista da sociedade civil, foi clara, a Mozal tem de parar de chantagear o povo moçambicano. Não pode achar que, 25 anos depois, as condições continuam as mesmas. Já naquela altura havia críticas porque a energia era praticamente gratuita.
Segundo Mimbire, se a empresa decidir abandonar o país, haverá consequências jurídicas, pois existe um acordo de 50 anos que não prevê tarifas artificialmente baixas como condição de operação.
O economista Rui Mate, do Centro de Integridade Pública (CIP), considera essencial avaliar até que ponto a energia pesa nos custos operacionais da Mozal.
“Precisamos de saber qual é o nível de facturamento e a margem real para perceber se faz sentido esta exigência da Mozal”.
Contudo, Mate alerta para os riscos de uma decisão precipitada, já que se está a falar de 5 mil empregos directos e 27 mil indirectos. A pressão é grande, o que força Daniel Chapo e o Governo a terem de fazer uma análise custo-benefício.
Esta análise é ainda mais urgente quando se recorda que a Mozal beneficia de isenções fiscais desde 1996. O Decreto 45/97 concedeu-lhe isenções de contribuição industrial, imposto complementar, IRPS para trabalhadores e até isenção de direitos de exportação.
Apesar disso, nos últimos anos, a contribuição em dividendos para o Estado tem sido mínima, com pagamentos decrescentes de 839 milhões de meticais em 2022 para apenas 274 milhões em 2023. Em 2024, não houve qualquer pagamento registado.
O economista Rui Mate, do Centro de Integridade Pública (CIP), considera essencial avaliar até que ponto a energia pesa nos custos operacionais da Mozal.
“Precisamos de saber qual é o nível de facturamento e a margem real para perceber se faz sentido esta exigência da Mozal”.
Contudo, Mate alerta para os riscos de uma decisão precipitada, já que se está a falar de 5 mil empregos directos e 27 mil indirectos. A pressão é grande, o que força Daniel Chapo e o Governo a terem de fazer uma análise custo-benefício.
Esta análise é ainda mais urgente quando se recorda que a Mozal beneficia de isenções fiscais desde 1996. O Decreto 45/97 concedeu-lhe isenções de contribuição industrial, imposto complementar, IRPS para trabalhadores e até isenção de direitos de exportação.
Apesar disso, nos últimos anos, a contribuição em dividendos para o Estado tem sido mínima, com pagamentos decrescentes de 839 milhões de meticais em 2022 para apenas 274 milhões em 2023. Em 2024, não houve qualquer pagamento registado.
A instalação da Mozal foi celebrada como um marco de modernização e industrialização em Moçambique. No entanto, mais de duas décadas depois, muitos questionam se os benefícios justificaram os custos.
A empresa recebeu incentivos extraordinários e beneficiou de tarifas de energia muito baixas durante anos, enquanto o país enfrentava défices no fornecimento doméstico. Hoje, o Governo considera que chegou o momento de reequilibrar as contas, exigir maior contribuição fiscal e assegurar que a principal hidroeléctrica do país não seja sacrificada para sustentar lucros privados.
Apesar da firmeza de Daniel Chapo, as negociações continuam. O Executivo afirma querer encontrar tarifas “justas”, mas não aceita comprometer a sobrevivência da HCB. Do lado da Mozal, a estratégia é manter a pressão, anunciando cortes e projectando cenários de despedimentos massivos. Resta saber até onde cada parte estará disposta a ir.
O desfecho terá impacto profundo: ou a Mozal aceita as novas condições e mantém a sua presença como um dos maiores empregadores e exportadores do país, ou encerra as operações, criando um vazio económico difícil de preencher a curto prazo.
O braço-de-ferro entre o Governo de Moçambique, representado pelo seu Presidente, Daniel Chapo e a Mozal, é mais do que uma disputa contratual: é um teste à soberania económica e à capacidade do Estado Moçambicano de gerir recursos estratégicos em benefício da maioria.
A Hidroeléctrica de Cahora-Bassa é vista como símbolo de independência energética e de desenvolvimento nacional. Ceder às pressões da Mozal poderia significar comprometer esse património. Por outro lado, a saída da empresa traria custos sociais e económicos elevados.
Entre a chantagem de uma multinacional e a defesa do interesse público, o futuro energético de Moçambique joga-se agora numa mesa de negociações, onde cada decisão terá repercussões para as próximas décadas.