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ToggleUA Quer Um Novo Mapa Que Mostre A Verdade
A vice-presidente da Comissão da União Africana (UA), Selma Malika, defende que o mapa actual, geralmente utilizado para representar o mundo, não reflecte a verdade geográfica e omite a grandeza do continente africano, pedindo por isso que seja criada uma nova representação de África que mostre a verdade.
“O mapa [de Mercator] dá a falsa ideia de que África é marginal”.
Disse Malika quando apresentou o seu apoio a uma iniciativa que defende uma representação mais fidedigna da realidade do continente africano. Com esse objectivo em mente, a UA defenderá uma adopção mais ampla do novo mapa e discutirá acções colectivas com os Estados-membros, com vista à sua implementação.
O apoio da UA à iniciativa visa recuperar o lugar que África merece no panorama mundial, num momento em que aumentam os apelos para que os impactos persistentes do colonialismo e da escravatura sejam reconhecidos e, quando possível, reparados.
A Distorção Histórica

Desde o século XVI que o mundo é ensinado a ver África de forma reduzida, marginal e menor. O famoso mapa de Mercator, concebido em 1569 pelo cartógrafo Gerardus Mercator, para auxiliar os navegadores europeus, tornou-se a referência cartográfica internacional até aos dias de hoje.
Contudo, ao privilegiar as áreas próximas dos pólos, ampliando a Europa, a América do Norte e a Gronelândia, este mapa sacrificou a verdade e perpetuou desigualdades na percepção mundial. Hoje, quando se fala de economia, política, identidade ou educação, a forma como o continente é visto continua a ser influenciada por esta distorção.
É neste contexto que a UA, através da sua vice-presidente Selma Malika Haddadi, anuncia o seu apoio à campanha “Correct the Map”, liderada por organizações activistas africanas. O objectivo é claro: abolir o mapa de Mercator e promover o uso da projecção Equal Earth, mais fiel às dimensões reais.
O mapa de Mercator nasceu com um propósito técnico: facilitar a navegação marítima em plena era das descobertas. Para os navegadores europeus, traçar rotas rectilíneas no oceano era vital. Contudo, esta projecção alongou artificialmente as terras próximas dos pólos e encolheu as regiões do equador.
Assim, África, sendo o segundo maior continente do mundo, com 55 Estados, mais de mil milhões de habitantes e uma economia de biliões de euros, aparece reduzida a uma escala inferior à da Gronelândia, ilha com uma população inferior a 60 mil pessoas. Mais do que uma curiosidade matemática, esta distorção moldou mentalidades.
Gerações inteiras cresceram com a imagem de uma África diminuída, mais pequena do que a realidade, o que afectou políticas internacionais, currículos escolares e até a auto-percepção dos próprios africanos.
O Peso Simbólico
Selma Malika Haddadi, a vice-presidente da UA disse no seu apoio à proposta que o mapa actual, pode parecer apenas um mapa, mas na realidade não é. As suas palavras sublinham que a batalha é, antes de tudo, simbólica. Representar África na sua verdadeira escala significa corrigir uma injustiça visual que sustenta estereótipos de marginalidade.
O mapa de Mercator reforçou durante séculos uma narrativa de dominação: a Europa aparecia engrandecida, enquanto África surgia como periferia. Corrigir este erro é um passo na luta contra os legados coloniais que ainda hoje afectam a forma como o continente é tratado no sistema mundial.
Correct the Map
A campanha “Correct the Map” ganhou força através das organizações Africa No Filter e Speak Up Africa que pedem a adopção do modelo Equal Earth, lançado em 2018. Esta projecção apresenta proporções mais equilibradas e reflecte a realidade da superfície terrestre.
Moky Makura, directora executiva da Africa No Filter, foi contundente:
“O tamanho actual do mapa de África está errado”.
“É a mais longa campanha de desinformação do mundo e tem de acabar imediatamente”.
Fara Ndiaye, co-fundadora da Speak Up Africa, destacou a dimensão psicológica:
“O mapa de Mercator afectou a identidade e o orgulho dos africanos, sobretudo das crianças que o vêem pela primeira vez na escola”.
Segundo Ndiaye, já decorrem esforços para que os sistemas de ensino africanos passem a adoptar a projecção Equal Earth como padrão oficial nas salas de aula.
Apoio da União Africana
A UA não ficou indiferente. Ao endossar a campanha, compromete-se a defender junto dos seus Estados-membros e de organizações internacionais a substituição do mapa de Mercator. Para a UA, a questão não é meramente académica: trata-se de reclamar o lugar de direito de África no panorama mundial.
A decisão vem no seguimento das crescentes exigências de reparação pelos danos do colonialismo e da escravatura. Neste contexto, a correcção do mapa é vista como parte de um esforço maior de reposicionamento histórico e político.
Repercussões Internacionais

O debate não se limita ao continente africano. Instituições como o Banco Mundial já começaram a abandonar o mapa de Mercator, preferindo projecções como a Winkel Tripel e a Equal Earth. A ONU, através do seu órgão geoespacial, também recebeu uma proposta para avaliar a adopção da Equal Earth.
Até mesmo regiões fora de África, como o Caribe, apoiam o movimento. Dorbrene O’Marde, vice-presidente da Comissão de Reparações da Caricom, afirmou que a Equal Earth representa um acto de rejeição à “ideologia de poder e dominação” perpetuada pelo mapa de Mercator.
A batalha pelo mapa é, no fundo, uma batalha pela identidade. Quando uma criança africana olha para um mapa escolar e vê o seu continente reduzido, o impacto vai além da geografia: afecta a auto-estima e a forma como encara o mundo.
Corrigir o mapa significa restituir a dignidade, reforçar orgulho e afirmar, de maneira concreta que África não é marginal, mas sim central na história humana e nas dinâmicas contemporâneas.
“A projecção de Mercator exagera artificialmente o tamanho da Europa e da América do Norte, enquanto reduz o tamanho de África, reforçando uma narrativa de marginalidade”.
Afirmaram os analistas da Oxford Economics lembrando também que as próprias fronteiras africanas foram traçadas arbitrariamente durante a ‘Partilha de África‘, na Conferência de Berlim de 1884, momento em que as potências europeias dividiram o continente sem consultarem os povos locais, lançando as bases para a actual economia política de África.
Nesse sentido, reformular o mapa-múndi é mais do que uma questão técnica: é um acto deliberado de correcção histórica, um símbolo de resistência contra séculos de distorção e de exploração.
Conclusão
A luta pela alteração do mapa actual não é apenas sobre cartografia, é sobre representação, identidade, memória e poder. O mundo habituou-se a ver África como um espaço reduzido, mas os números falam por si: um continente vasto, rico em recursos, culturas e histórias.
A UA, ao encabeçar a campanha “Correct the Map”, envia ao mundo uma mensagem clara: chegou a hora de reconhecer a verdadeira dimensão de África — não apenas nos mapas, mas também nas narrativas mundiais.
Corrigir o mapa não mudará, de imediato, a realidade política ou económica. Mas mudará a percepção e a percepção é o primeiro passo para transformar mentalidades.
Porque África sempre foi grande. Apenas o mapa é que nunca o mostrou.
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Imagem: © União Africana