Sudão: Artistas Pintam A Dor Da Guerra.
O artista Galal Yousif, oriundo do Sudão, viu-se forçado a fugir do seu país quando a guerra eclodiu no início de 2023, levando consigo apenas alguns pertences dentro de uma pequena mochila, rumando em direcção ao Quénia onde obteve refúgio temporário.
A agitação, a mala, na qual ele enfiou o seu passaporte, duas calças jeans, cinco camisas e uma chave de carro, são retratadas na sua pintura “Homem com um Coração Pesado” que retrata as dores e perdas que assolaram o povo sudanês durante este período tumultuoso.
A Arte da Angústia
Inicialmente, a obra foi criada como um mural em Addis Ababa, a capital da Etiópia, onde ele chegou após um percurso angustiante em Junho de 2023. Agora, tendo encontrado refúgio temporário no Quénia, recriou-a em tela.
O quadro, retrata uma imagem impressionante de um homem com a mão sobre o coração, cercado por grandes pontos vermelhos circulares que se assemelham a ferimentos de balas. Uma lua brilha atrás da sua cabeça com uma mochila no chão, simbolizando tudo o que o povo sudanês perdeu nestes meses de conflito.
“Eu pinto a minha dor”.
Disse ele, na sua casa-estúdio na capital do Quénia, Nairobi. Como artista afirma que a sua missão é transformar a sua experiência pessoal numa narrativa visual coletiva, oferecendo uma visão poderosa dos “muitos perdidos” no Sudão e do pesado fardo de uma “guerra inútil“.
A Guerra no Sudão
A guerra começou a 15 de Abril de 2023, quando dois generais da junta do governo se desentenderam, opondo o exército e o formidável grupo paramilitar conhecido como Forças de Apoio Rápido (RSF). A luta desde então, forçou cerca de 7,1 milhões de pessoas a abandonarem as suas casas.
Yousif ouviu os primeiros sinais da guerra enquanto trabalhava até tarde no fim do Ramadão no seu estúdio, perto do palácio presidencial, na capital do Sudão.
Nas primeiras horas do dia 15 de Abril notou tropas a reunirem-se nas proximidades. Pressentindo que algo estava prestes a acontecer, decidiu ir para a casa da sua família no norte de Cartum, chegando lá pouco antes do amanhecer, quando começaram os confrontos.
Seguiram-se dias caóticos, disse ele, pois não havia água, eletricidade e restava pouca comida – ele teve dificuldade em cuidar da sua tia e tio idosos e de outros parentes. Todas as noites ouvia os sons de aviões e tiros e via grandes nuvens de fumo descendo sobre a cidade – o que o levou a decidir partir.
Ele esperava que fosse uma mudança temporária e conseguiu arranjar bilhetes de autocarro, para toda a família ir para a sua casa ancestral na cidade de Rufa’ah, a cerca de 150 km a sudeste de Cartum.
A Fuga para Nairobi
À medida que a situação piorava e com os seus parentes muito frágeis para viajar mais, Yousif percebeu que, como artista bem estabelecido, poderia fazer mais para apoiá-los se fosse para Nairobi. Então, partiu com a sua mochila em transporte público para Metemma, uma cidade na fronteira com a Etiópia, para onde estavam a ir milhares de pessoas.
Um mês depois, conseguiu um voo de Addis Ababa para Nairobi onde encontrou uma comunidade de outros artistas sudaneses que também haviam fugido do outrora próspero panorama artístico de Cartum.
Segundo Rahiem Shadad, curador de arte em Cartum, cerca de 35 destes artistas estão agora na capital queniana, incluindo outros nomes conhecidos como Bakri Moaz, Yasir Algari e Hani Khalil Jawdat. Outros estabeleceram-se no Cairo.
O Sr. Shadad que é dono da Downtown Gallery de Cartum, representando muitos artistas contemporâneos renomados, disse que agora, a sua galeria de arte está em ruínas. Uma grande quantidade de obras de arte, incluindo pelo menos 165 pinturas emolduradas e 300 outras peças pertencentes a 60 artistas, também foi perdida, diz ele.
Nos últimos meses, o curador, que também está em Nairobi, efectuou numerosas exposições de arte sudanesa na cidade. Recentemente, criou The Rest, um espaço para os artistas no exílio viverem e trabalharem, com o apoio do GoDown Arts Centre de Nairobi.
Apesar desta calorosa receção, pela comunidade artística do Quénia, a vida é difícil para os artistas sudaneses devido a questões relacionadas ao asilo, falta de documentos e a ausência de rendimentos substanciais.
“Alguns destes artistas vieram apenas com $100 [€90] nos bolsos”.
Explicou o Sr. Shadad, acrescentando que muitos deles também estão profundamente traumatizados pela experiência e pela perda de todo o seu catálogo.
Repensar o Sudão na Arte
“Emocional e espiritualmente, não estou bem”.
Confidenciou a artista Tibian Bahari sobre não poder voltar ao Sudão, onde o seu pai e irmã ainda vivem.
Ela tem como objetivo manter o Sudão vivo – uma “terra sagrada e mágica” – através do seu trabalho que actualmente se concentra em retratar a topografia do país. Essa determinação reflete-se nas roupas que veste.
“Eu visto sempre a minha jalabiya todas as manhãs”.
Disse ela, referindo-se à túnica folgada até o tornozelo, com mangas largas usada por homens e mulheres no Sudão. Ela sente uma profunda “responsabilidade” em partilhar “verdadeiramente” o seu percurso e mapear a arte do deslocamento e especialmente manter um espaço para as mulheres artistas do Sudão.
Muitos artistas fizeram parte do movimento de protesto civil que levou à queda do líder de longa data do Sudão, Omar al-Bashir em 2019. Depois, o exército inicialmente fez um acordo de partilha de poder com grupos civis, antes de tomar o poder e iniciar o declínio que levou à guerra.
Estes artistas sentem que os seus sonhos foram esmagados pelo conflito e que o mundo os esqueceu, por causa da guerra em Gaza. Nas últimas semanas, a luta intensificou-se. A família de Yousif foi atacada pelo RSF em Rufa’ah.
Antes que as linhas telefónicas fossem cortadas ele ouviu que a sua família, incluindo a sua tia, tio e alguns dos seus irmãos, foram expulsos de casa pelo RSF. Eles conseguiram encontrar abrigo na casa da sua avó no centro da cidade.
“Pela segunda vez, a minha família perdeu a nossa casa, primeiro em Cartum e agora em Rufa’ah”.
“Ninguém pode sair de cá”.
Disse ele, descrevendo uma cidade sitiada, acrescentando que estão virtualmente presos, incapazes de se movimentar ou fugir. Assim como a sua pintura, Yousif sente que o seu coração continua a sangrar.
Conclusão
O relato de Galal Yousif oferece uma perspectiva vívida sobre a tragédia da Guerra no Sudão, destacando não apenas as perdas materiais, mas também o impacto profundo na comunidade artística.
Estes artistas, procuram, através de sua arte, manter viva a história e a essência cultural da sua terra natal. A luta pela preservação da identidade sudanesa persiste entre desafios e incertezas, evidenciando a capacidade destes artistas no meio da adversidade.
E enquanto os olhos do mundo, se viram para a Guerra em Gaza, quase esquecendo a Guerra da Ucrânia, a situação crítica da Guerra no Sudão, com mais de 7 milhões de deslocados, continua a requerer atenção aos olhos do mundo, no entanto está votada ao esquecimento, como se a vida dos africanos não valesse nada em comparação com a dos ucranianos ou a dos palestinianos.
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Imagem: © 2019 Hussein Merghani