Índice
ToggleSahel: Senegal e Chade indignados com Mácron
As palavras do Presidente francês, Emanuel Mácron, proferidas durante uma reunião com diplomatas do seu país, intensificaram as tensões entre a França e a África. A insinuação de que os líderes africanos seriam ingratos pelas operações militares francesas no Sahel, iniciadas em 2013, para combater o terrorismo, foi interpretada como um gesto de desdém e falta de consideração pelos países da região.
Tanto no Chade quanto no Senegal, os líderes responderam prontamente. O ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade, Abderaman Koulamallah, descreveu as declarações como demonstrativas de uma “atitude de desprezo perante África e os africanos” e o primeiro-ministro senegalês, Ousmane Sonko, rejeitou as palavras de Macron, destacando que o Senegal é um país livre e soberano.
A indignação gerada por estas declarações não se limitou ao continente africano. Além de reacender feridas históricas, este incidente trouxe novamente para a ribalta um debate crítico: até que ponto a presença militar de uma antiga potência colonial pode ser vista como um apoio genuíno e não como uma perpetuação de interesses hegemónicos?
Mesmo dentro de França, políticos e analistas consideraram os comentários “irresponsáveis” e “desrespeitosos”, levantando dúvidas sobre o futuro da influência francesa em África e o impacto das suas políticas externas, frequentemente acusadas de neocolonialismo.
As Declarações de Mácron
Na reunião anual com os embaixadores em França, realizada esta segunda-feira, 6 de Janeiro de 2025, o Presidente francês Emmanuel Mácron afirmou que a França “teve razões” para intervir militarmente contra o terrorismo em África e lamentou que “os líderes africanos se tenham esquecido de dizer obrigado”.
Mácron justificou a sua posição afirmando “fizemos a coisa certa”, disse sobre a mobilização militar, acrescentando que “nenhum” dos estados da região do Sahel seria hoje “soberano” sem essa intervenção.
“Saímos porque houve golpes de estado, porque estávamos lá a pedido de estados soberanos que pediram para a França ir”.
“França não tinha razão para continuar lá porque não somos assistentes de golpistas”, acrescentou Mácron.
A França interveio no Mali em 2013 para repelir uma ofensiva de rebeldes jihadistas, acabando por colocar tropas em vários outros países do Sahel, mantendo a sua presença até ter sido expulsa do Mali, Burkina Fasso e do Níger, pelas juntas militares reinantes, após golpes de estado nos respectivos países.
Esta acção, fez com que outros países, como Senegal, o Chade e a Costa do Marfim também pedissem à França que deixasse as bases militares nos seus territórios e que retirassem a totalidade das sus tropas da região. A França ainda tem actualmente 600 tropas na Costa do Marfim, 350 no Senegal e 350 no Gabão, assim como cerca de 1.500 no Djibouti.
As Reacções internas
Na França, o partido de extrema-esquerda France Unbowed (LFI) declarou em comunicado que os comentários do presidente “são politicamente inconsistentes e diplomaticamente, totalmente irresponsáveis” e que podem, potencialmente, “enfraquecer ainda mais as relações de França com as nações da África Ocidental”.
O líder da LFI, Jean-Luc Mélenchon, acrescentou:
“Mais uma vez, a casualidade e o discurso descontrolado estão a piorar as relações internacionais do nosso país”.
Uma fonte diplomática francesa, que pediu para não ser identificada, disse que a citação de Mácron foi tirada “fora do contexto” e tinha como alvo os países onde os golpes ocorreram, especialmente o Mali, em vez do Chade ou do Senegal.
O Ministério da Defesa da França esclareceu que o papel das tropas francesas em África é a de treinar soldados locais e reforçar as suas capacidades de combater o extremismo, principalmente na manutenção da paz, inteligência e logística. Mas os críticos dizem que “manter botas no chão” também permitiu que Paris mantivesse a sua influência política e protegesse regimes favoráveis à França.
As Reacções do Senegal e do Chade
No Chade, a resposta às declarações de Mácron foi imediata e contundente. O presidente do País, Mahamat Idriss Deby Itno, acusou Macron de estar “na era errada“, e expressou a sua indignação ao comentário.
“As declarações de Mácron reflectem uma atitude que beira o desprezo perante África e os africanos”.
O seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Abderaman Koulamallah, também lamentou profundamente o tom do Presidente francês.
“O Chade não tem nenhum problema com a França, mas os seus líderes precisam aprender a respeitar os africanos”.
“África e o Chade, tiveram um papel determinante na libertação da França, durante as duas guerras mundiais e isso nunca foi verdadeiramente reconhecido”.
Afirmou Koulamallah num comunicado transmitido na televisão estatal. Para o ministro, as contribuições da França no Chade ao longo de 60 anos foram, na sua maioria, limitadas a interesses estratégicos próprios, sem impacto significativo no desenvolvimento do povo do país.
No Senegal, o primeiro-ministro Ousmane Sonko também não se poupou a críticas a Macron. Num tom incisivo, Sonko descreveu as declarações como “totalmente erradas” e rejeitou qualquer sugestão de que o governo senegalês teria negociado a saída das tropas francesas.
“A decisão de reorganizar a presença militar no Senegal é da inteira responsabilidade do Senegal, enquanto país soberano”, afirmou.
Sonko também recordou o papel histórico dos soldados africanos na Segunda Guerra Mundial.
“Se os soldados africanos, frequentemente mobilizados à força, maltratados e traídos, não tivessem sido mobilizados para defender a França, talvez esta ainda hoje fosse alemã”, frisou.
Para o primeiro-ministro, as declarações de Macron ignoram a soberania africana e perpetuam uma visão ultrapassada das relações internacionais.
A Perda da Influência Francesa em África
As declarações de Macron ocorrem num momento de mudança significativa no panorama político do Sahel. Nos últimos anos, a influência de França em África tem vindo a diminuir consideravelmente.
Várias antigas colónias francesas, incluindo o Mali, o Níger, o Burkina Fasso, a República Centro-Africana o Chade e o Senegal, têm exigido a retirada das tropas francesas dos seus territórios. Estes movimentos reflectem uma crescente rejeição da influência francesa, considerada por muitos como um resquício do colonialismo.
No caso do Chade, a relação com França começou a deteriorar-se no final de 2023, quando o país decidiu pôr fim a um acordo de defesa que estava em vigor há mais de 60 anos.
“Chegou o momento de o Chade afirmar a sua plena soberania e redefinir as suas parcerias estratégicas com base nas suas prioridades nacionais”.
Afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abderaman Koulamallah do Chade.
Da mesma forma, o Senegal, um dos aliados históricos de França em África, anunciou que até 2025 não permitirá mais a presença de forças militares estrangeiras no seu território. A decisão, tomada sem negociações com Paris, é vista como parte de uma agenda política que procura diversificar as parcerias internacionais e romper com a dependência histórica da antiga potência colonial.
“A França não tem capacidade nem legitimidade para garantir a segurança ou a soberania da África”.
Afirmou o primeiro-ministro do Senegal, Ousmane Sonko.
O declínio da influência francesa na região é ainda mais evidente quando se considera a aproximação de alguns países africanos à Rússia, procurando reforçar os laços com Moscovo após a saída das tropas francesas. Para muitos analistas, estas mudanças indicam uma transformação profunda no relacionamento entre África e o Ocidente.
Conclusão
As declarações de Emmanuel Mácron e as reacções do Senegal e do Chade expõem as tensões latentes nas relações entre a França e os seus antigos territórios coloniais. Para muitos africanos, as palavras do Presidente francês são uma demonstração de desrespeito pela soberania e pelo papel histórico desempenhado pelos povos africanos.
Este episódio também destaca uma mudança mais ampla em África, onde cada vez mais países, estão a reafirmar a sua independência e a rejeitar políticas que consideram neocolonialistas. Para França, o desafio agora é reconstruir estas relações de uma forma que respeite a soberania africana e promova uma cooperação verdadeiramente equilibrada, se isso ainda for possível.
O que achas deste discurso bizarro de Emmanuel Mácron? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos