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Terça-feira, Abril 8, 2025

O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola

África continua a ser um continente desconhecido onde o silêncio esconde segredos ancestrais e os sonhos se tornam em aventuras. É um continente enigmático que convida à imaginação, desafiando a lógica com cada suspiro do vento. Mergulha agora neste universo, onde o passado e o presente se entrelaçam num enigma sem fim e fica a conhecer uma estória improvável onde Gustave Eiffel se cruzou com Angola.

O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola


Uma Estória Possível


Imagem © DR (20250407) O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola
Gustave Eiffel

Decorre o ano de 1889, o dia era 31 de Março. Gustave Eiffel acaba de inaugurar a sua torre que irá servir como porta de entrada para a Grande Exposição Universal. Esgotado de tanta labuta, afasta-se da multidão e vai para casa.

No dia 1 de Abril, Eiffel levanta-se com um pensamento na cabeça: “estou farto de tudo, preciso de descansar”. Com este pensamento a fervilhar por entre os seus neurónios, enceta uma viagem secreta com o objectivo de descansar em paz e sossego, afastado de toda a civilização moderna. O seu destino, Madagáscar.

Alguns anos antes, em completo segredo e sem nenhum registo que o pudesse comprovar, Eiffel preparou a sua reforma sub-repticiamente e, após ter desenhado e planificado vários pavilhões para a Exposição Universal, escolheu para si um pavilhão de dois andares, em ferro forjado, e fez-lhe algumas alterações para o transformar numa soberba vila, onde contava passar os seus últimos dias.

Obviamente como o projecto era secreto, não poderia construir esse pavilhão em França, pelo que enviou os planos do seu “pequeno palácio” pré-fabricado, para um amigo dono de uma siderurgia em Glasgow, na Escócia.

Ainda há dias, tinha chegado uma carta desse seu amigo a informá-lo de que o seu projecto estava pronto e embalado, preparado para ser montado onde ele quisesse. Por isso, Eiffel não hesitou, rumou secretamente a Glasgow para encetar a sua viagem em direção à reforma.

Chegado ao seu destino, foi imediatamente ter com o seu amigo, para confabular o projecto final, a sua viagem até à distante Madagáscar, um reino africano que tinha entrado recentemente para o Império Colonial Francês1Em 1890, o Reino Unido reconheceu o protectorado francês de Madagáscar efectivando o domínio colonial em 1895, ano em que a França teve sucesso na derrota do exército que defendia o reino de Merina.

Após a Segunda Guerra Mundial, a ilha de Madagáscar foi elevada à categoria de território ultramarino de França. Adquiriu a autonomia dentro da Comunidade Francesa em 1958 e dois anos depois, a 26 de Junho de 1960, declarou a independência sob o nome de República Malgaxe.
. Aí, na pequena ilha de Nosy Komba, adquiriu um terreno onde tinha pela frente o oceano, por trás a floresta e a volta, ninguém para o incomodar.

Já decorria o ano de 1890, quando finalmente Eiffel e a sua vila, embalada em pré-fabricado, partiram a bordo de um cargueiro com direcção a Madagáscar. Eiffel sentou-se calmamente numa espreguiçadeira e contemplou o mar e as gaivotas, enquanto sonhava com os belos momentos que iria passar no seu terreno, onde planeava montar o seu pequeno palácio.

Mas o destino, tinha outros planos para ele. Ao chegarem à costa africana, depararam-se com ventos intensos e correntes fortíssimas, estavam a ser recebidos pelo temporal africano conhecido por Ninõ de Benguela, um fenómeno atmosférico que ocorre apenas uma vez por década nessa região2O Niño de Benguela, surge quando uma corrente de água quente entra na parte norte do sistema da corrente fria de Benguela, na região da costa da Namíbia, ocorrendo uma vez por década. Durante o fenômeno atmosférico, a corrente fria de Benguela move-se para Sul, causando chuvas intensas que se aproximam em magnitude ao temporal do El Niño do Pacifico..

Não resistindo às chuvas fortes e intensas e incapaz de resistir às fortes correntes, o cargueiro é lançado fortemente contra a Costa dos Esqueletos onde acaba por encalhar. No meio do denso nevoeiro, Eiffel olha em volta e vê uma paisagem fantasmagórica constituída por uma grande quantidade de ossos de baleias e de focas dispersos pela praia, contrastando com os destroços de várias embarcações aí naufragadas. À sua volta, a perder de vista, a aridez imensa do deserto do Namibe.

Entristecido Eiffel lamenta a sua sorte e pensa que o seu destino será o de perecer nessa praia distante de tudo e de todos… mas, do meio da bruma, ouve-se uma corneta estridente vinda de uma embarcação com bandeira portuguesa.

Era um barco de salvados que, por acaso se encontrava na zona a perscrutar os destroços a tentar encontrar algo que lhes rendesse algum dinheiro. Resgatados pela embarcação, os tripulantes do cargueiro e o seu passageiro, são levados para Luanda para aí poderem seguir destino.

Depois de alguns dias de repouso na capital angolana, Eiffel, dirige-se à capitania do porto, com o intuito de resgatar a sua vila pré-fabricada, mas, para sua surpresa, recebe a informação que o cargueiro e todo o seu conteúdo tinha sido reivindicado pelo governo colonial português, representado pelo barco de salvados que o tinha resgatado e, todo o seu conteúdo, estava nesse preciso momento a ser leiloado em hasta publica.

Eiffel, pediu as indicações do local e como se a juventude tivesse regressado às suas pernas, correu como um louco até ao local do leilão, apenas para constatar horrorizado que a sua vila tinha acabado de ser comprada pela Companhia Comercial de Angola, a maior e mais poderosa empresa de África.

Impotente perante o sucedido e claramente convencido que nada poderia fazer, face ao poderio de tão imponente empresa, Eiffel não vê outra solução senão fazer aquilo que nunca tinha feito até aquele momento. Desistir.

Deprimido e sem vontade de voltar a lutar, regressa a França, tão anonimamente como de lá tinha saído, pondo fim assim à sua odisséia africana e a uma breve visita à cidade de Luanda.


O Palácio de Ferro


Imagem © 2019 Francisco Lopes-Santos (20250407) O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola
Palácio de Ferro em Luanda

Após a Companhia Comercial de Angola ter adquirido o Palácio de Ferro em hasta pública, optaram por o deixar em Luanda, terminando a sua montagem em 1896.

A Companhia Comercial de Angola (CCA) era a maior empresa comercial de África em finais do século XIX e princípios do século XX, sendo propriedade de três grandes capitalistas da época: Bensaude, António de Sousa Lara e João Ferreira Gonçalves (Ferreira Marques & Fonseca). Como não poderia deixar de ser, estes empresários, tinham previsto um grande futuro para o Palácio de Ferro.

O edifício de dois andares, possuiu uma decoração bastante original em filigrana metálica e tem um soberbo avarandado envolvente, sendo contemporânea da Torre Eiffel e do Palácio de Cristal no Porto, é único e sem sombra de dúvida, o melhor exemplar da arquitectura do ferro em Angola, pelo que se tornou facilmente em uma referência urbana da cidade de Luanda.

Durante o período colonial, chegou mesmo a granjear grande prestígio e foi utilizado ao longo dos anos para várias funções, tendo-se destacado como centro de arte3Aida Freudenthal, José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro. Angola no século XIX: Cidades, Territórios e Arquitecturas (ilustrada com postais da colecção de João Loureiro). [ed.] Edição de Autor. Casais de Mem Martins : Printer Portuguesa, 2006..

Com o passar dos anos a sua origem caiu no esquecimento, mas após a independência de Angola, em 1975, foi classificado como património cultural4Silva, Neusa. Os mistérios do Palácio de Ferro de Luanda. euronews. [Online] 15 de Dezembro de 2020. [Citação: 30 de Janeiro de 2021.] https://pt.euronews.com/2020/12/15/os-misterios-do-palacio-de-ferro-de-luanda. o que não impediu que o belíssimo edifício, localizado na antiga Rua Direita de Luanda, como infelizmente a maioria dos edifícios durante esse período, tivesse sido abandonado e entrado em degradação devido a 27 anos de uma guerra civil constante que não perdoou nada nem ninguém.

Felizmente para a sua história e glória, a partir de 2009, iniciou-se o projecto para a sua recuperação, levada a cabo pela empresa brasileira Odebrecht e com o financiamento da empresa angolana Endiama, trazendo a lume a beleza do Palácio que, presentemente, exibe com orgulho os seus muros amarelos e as balaustradas de aço, como um símbolo do renascimento da cidade de Luanda.

Imagem © 2019 Francisco Lopes-Santos (20250407) O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola
Placa oferecida pelo Governo Francês a Certificar que o Palácio de Ferro é do Universo Estético de Gustave Eiffel

Finalmente em 2017, chegou o seu corolário, quando o embaixador francês, Sr. Sylvain Itté, certificou, em nome do seu governo que o Palácio de Ferro fazia parte do património angolano e que pertencia ao universo estético de Gustave Eiffel, tendo sido construído no âmbito da Exposição Universal de Paris em 1889.

Entre o Mistério, o Mito e a Realidade


Se alguma coisa real se sabe sobre o Palácio de Ferro, é que este existe de facto, quanto ao resto, perde-se nas brumas dos tempos.

A primeira parte desta estória e, para que não fiquem dúvidas, foi totalmente criada por mim, utilizando os dados conhecidos ou supostamente conhecidos, sobre a sua origem e com os dados novos que “vieram a lume” durante a sua restauração. É uma história que é tão verdadeira como todas as outras sobre a sua origem já que a mesma se encontra envolvida em mistério.

Na segunda parte, conto a “versão oficial” da sua origem, bem como o desenvolvimento subsequente que levou a que o Palácio de Ferro se tornasse hoje o marco histórico que é, associado e confirmado pelo governo francês como um edifício ou desenhado por Gustave Eiffel ou por alguém da sua escola.

Mas na realidade, toda a história que se conta sobre o Palácio de Ferro, pode muito bem ser uma invenção tão grande como a história que eu escrevi, é que tudo aquilo que se sabe sobre ele, tem como origem um único livro de Edição do Autor que, ironicamente, não cita as suas fontes e cujo ISBN5O ISBN é uma forma de identificação numérica de um livro segundo o seu título, autor, país, código de idioma e da editora, individualizando inclusive edições diferentes. Uma vez fixada a identificação, só se aplica a essa obra e edição e nunca é repetido em outro livro ou edição. surge em 3 versões diferentes, sendo claramente as 2 primeiras (2006 – 2007) o mesmo livro em duas edições e a terceira, uma extensão do mesmo:

  1. Angola no século XIX: Cidades, Territórios e Arquitecturas / Aida Freudenthal, José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro; ilustrada com postais da colecção de João Loureiro. – [S.L.: s.n.], D.L. 2006 ([Casais de Mem Martins]: Printer Portuguesa. – 199, [1] p.: il.; 27×27 cm (Edição Paga Pelo Autor): ISBN: 9789899701311
  2. Angola no século XIX: Cidades, Territórios e Arquitecturas / Aida Freudenthal, José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro. – [Lisboa]: Edição do Autor, [2007]. – 199 p; 27 cm. – Contém: bibliografia, mapas, ilustrações (postais da colecção de João Loureiro): ISBN: 9789899701311
  3. Angola no Século XX – Cidades, Territórios e Arquitecturas 1925 – 1975 / José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro, Maria Manuela Fonte: Edição de Autor [2010]: ISBN: 9789899701311

Tudo isto causa à partida imensas dúvidas sobre a veracidade dos dados aí incluídos, especialmente porque se interrogarmos (como eu fiz) residentes da cidade de Luanda, anteriores a 1975, ninguém se lembra de nenhum edifício, localizado na antiga Rua Direita de Luanda, que tenha “granjeado grande prestígio”.

Surgem ainda mais dúvidas se levarmos em consideração que não existem registos pictóricos do palácio, durante os seus supostos “tempos áureos” e para adensar mais o mistério em torno do mesmo, não há nem livros nem registos sobre o Palácio de Ferro em lado algum.

Imagem © DR (20250407) O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola
Casa do “Cabo Submarino”, propriedade da West African Telegraph Company (Benguela) e Palácio de Ferro antes de ser reconstruido

Quanto a mim, sou franco, também não me lembro do Palácio de Ferro, como algum tipo de edifício ligado as artes ou que, de alguma forma, se destaca-se de outros similares, que existiam em Luanda, infelizmente já desaparecidos, ou como outros ainda “em pé” como o do Governo Provincial de Luanda cujas varandas são “incrivelmente” similares as do Palácio de Ferro ou ainda outros edifícios espalhados por Angola como o emblemático edifício da cidade de Benguela, feito para albergar o “Cabo Submarino”, propriedade da West African Telegraph Company , infelizmente destruído pelo fogo.

Por outras palavras, é mais provável que o Palácio de Ferro seja, tal como todos estes edifícios, de origem tradicional Inglesa, do que tenha sido ou desenhado por Gustave Eiffel ou por alguém da sua escola, como se supõe, especialmente porque durante o seu restauro, foi encontrada uma inscrição que remete a sua construção para a cidade de Glasgow na Escócia6Silva, Neusa. Os mistérios do Palácio de Ferro de Luanda. euronews. [Online] 15 de Dezembro de 2020. [Citação: 30 de Janeiro de 2021.] https://pt.euronews.com/2020/12/15/os-misterios-do-palacio-de-ferro-de-luanda., o que obviamente relança a dúvida sobre a sua origem e esperemos que os investigadores científicos e os historiados apurem a fundo a origem da infraestrutura que continua a ser um verdadeiro mistério.

Imagem © DR (20250407) O Dia Em Que Eiffel Visitou Angola CDa minha parte, a única memória que tenho do edifício, foi o de ele ter servido como parque de estacionamento, nos anos a seguir à Independência de Angola, local onde eu deixava a minha mota e onde comprava às quitandeiras que se sentavam no alpendre da “casa amarela”, 2 ou 3 cocos, quando ia ter com um amigo que morava lá ao lado, para seguirmos para a praia no seu “famoso” buggy.

Independentemente da sua origem, a realidade é que após a sua reconstrução, o Palácio de Ferro transcendeu-se e, desta vez, pode-se afirmar com prioridade, é um edifício ligado à cultura e, acima de tudo, de visita imprescindível para quem vai a Luanda.


Notas e Bibliografia


  1. Em 1890, o Reino Unido reconheceu o protectorado francês de Madagáscar efectivando o domínio colonial em 1895, ano em que a França teve sucesso na derrota do exército que defendia o reino de Merina. Após a Segunda Guerra Mundial, a ilha de Madagáscar foi elevada à categoria de território ultramarino de França. Adquiriu a autonomia dentro da Comunidade Francesa em 1958 e dois anos depois, a 26 de Junho de 1960, declarou a independência sob o nome de República Malgaxe.
  2. O Niño de Benguela, surge quando uma corrente de água quente entra na parte norte do sistema da corrente fria de Benguela, na região da costa da Namíbia, ocorrendo uma vez por década. Durante o fenômeno atmosférico, a corrente fria de Benguela move-se para Sul, causando chuvas intensas que se aproximam em magnitude ao temporal do El Niño do Pacifico.
  3. Aida Freudenthal, José Manuel Fernandes, Maria de Lurdes Janeiro. Angola no século XIX: Cidades, Territórios e Arquitecturas (ilustrada com postais da colecção de João Loureiro). [ed.] Edição de Autor. Casais de Mem Martins : Printer Portuguesa, 2006.
  4. Silva, Neusa. Os mistérios do Palácio de Ferro de Luanda. euronews. [Online] 15 de Dezembro de 2020. [Citação: 30 de Janeiro de 2021.] https://pt.euronews.com/2020/12/15/os-misterios-do-palacio-de-ferro-de-luanda.
  5. O ISBN é uma forma de identificação numérica de um livro segundo o seu título, autor, país, código de idioma e da editora, individualizando inclusive edições diferentes. Uma vez fixada a identificação, só se aplica a essa obra e edição e nunca é repetido em outro livro ou edição.
  6. Silva, Neusa. Os mistérios do Palácio de Ferro de Luanda. euronews. [Online] 15 de Dezembro de 2020. [Citação: 30 de Janeiro de 2021.] https://pt.euronews.com/2020/12/15/os-misterios-do-palacio-de-ferro-de-luanda.

 


O que achas desta estória sobre Eiffel e a origem do Palácio de Ferro? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2021 Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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