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ToggleGuiné-Bissau: Balanço Do Ano De 2025
A Guiné-Bissau entrou em 2025 com expectativas altas e uma esperança quase urgente de reencontrar estabilidade. Depois de dois anos sem Assembleia Nacional Popular e de sucessivos adiamentos eleitorais, cresceu entre os cidadãos a convicção de que o país estava prestes a recuperar uma normalidade que há muito lhe fugia.
O anúncio das eleições gerais de 23 de Novembro foi recebido com agrado e, para muitos guineenses, marcou o início de um novo capítulo político. A sociedade civil mobilizou-se, observadores internacionais prepararam-se para acompanhar o processo e multiplicaram-se apelos à serenidade durante o voto, num clima que misturava expectativa, prudência e um desejo profundo de renovação democrática.
Contudo, a esperança rapidamente deu lugar à incerteza. Os acontecimentos que se seguiram às eleições abriram um capítulo inesperado e ainda mais complexo na história contemporânea da Guiné-Bissau. Três dias após o escrutínio, num ambiente já carregado de rumores e contestação política, o Alto Comando Militar assumiu o controlo do país.
O Presidente Umaro Sissoco Embaló, foi deposto, suspenderam a Constituição e interrompeu-se o processo eleitoral antes da divulgação oficial dos resultados. Não houve confrontos armados nem vítimas, mas houve silêncio, perplexidade e um sentimento generalizado de que algo grave acabara de acontecer.
As versões multiplicaram-se, as explicações foram contraditórias e o país mergulhou, de súbito, numa névoa de incerteza institucional que ainda hoje condiciona a leitura dos acontecimentos.
O Golpe Sem Nome
A natureza do golpe ocorrido a 26 de Novembro tornou-se o centro do debate nacional e internacional. A investigadora alemã Sophia Birchinger, especialista em temas africanos, descreveu-o como “um golpe sem nome”, expressão que fez sentido para muitos, por capturar a ambiguidade deste momento político.
Segundo Birchinger, quatro narrativas distintas emergiram após a queda do Presidente Embaló, reflectindo a profunda divisão que atravessa a Guiné-Bissau. A primeira narrativa, apresentada pelos próprios militares, justificou a tomada do poder alegando a descoberta de um plano envolvendo políticos influentes e barões da droga, cuja intenção seria manipular os resultados eleitorais e desestabilizar o país.
Nessa perspectiva, a intervenção militar teria sido uma medida preventiva destinada a proteger a ordem constitucional e evitar um conflito interno. A segunda narrativa, defendida pela oposição e por diversas organizações da sociedade civil, descreveu os acontecimentos como um “falso golpe”.
Nestes sectores, a convicção é de que o Presidente cessante terá orquestrado uma manobra para impedir a divulgação dos resultados oficiais — que seriam anunciados pela Comissão Nacional de Eleições a 27 de Novembro — e assim evitar uma eventual derrota. Segundo estas acusações, o objectivo teria sido manter o poder a todo o custo, mesmo à custa da ruptura institucional.
A terceira narrativa surgiu dos defensores de Embaló. Para estes, o que ocorreu foi uma verdadeira deposição militar, ilegítima, abrupta e contrária à ordem constitucional. Esta leitura retracta o Presidente como vítima de uma insubordinação que aproveitou a fragilidade institucional para derrubar o chefe de Estado.
A quarta narrativa, mais silenciosa, mas profundamente reveladora, é a da resignação popular. Depois de décadas marcadas por golpes, dissoluções, disputas internas e ciclos de instabilidade, muitos cidadãos reagiram com uma indiferença quase fatalista. Para uma parte significativa da população, mais um colapso político não era surpresa; era continuidade.
O Colapso
A Guiné-Bissau já atravessava uma situação institucional fragilizada muito antes das eleições. Após a dissolução da Assembleia Nacional Popular, a oposição pressionava para que o país regressasse rapidamente à normalidade. O debate prolongado sobre o fim do mandato presidencial acentuou a tensão.
A oposição defendia que Embaló deveria ter deixado o cargo em Fevereiro, enquanto o Presidente insistia na data de Setembro, baseada numa decisão judicial anterior. A disputa agravou-se com a exclusão de algumas das figuras mais influentes da vida política do país. Domingos Simões Pereira, histórico líder e adversário de Embaló, foi impedido de concorrer.
O mesmo aconteceu à coligação PAI-Terra Ranka, associada ao PAIGC e à coligação API Cabas Grandi. Estas exclusões levantaram suspeitas sobre a imparcialidade e transparência do processo eleitoral. Assim, o duelo reduziu-se a dois nomes: Umaro Sissoco Embaló e Fernando Dias da Costa, candidato independente apoiado pelo PAIGC.
No dia seguinte ao acto eleitoral, Fernando Dias reclamou vitória à primeira volta, muito antes da divulgação dos resultados oficiais que deveriam ser anunciados a 27 de Novembro. Quando o golpe militar ocorreu, o país mergulhou numa nova espiral de dúvidas. As instituições não conseguiram resistir à pressão e a crise tornou-se inevitável.
Reacções Internas e Internacionais
Diversos analistas descreveram 2025 como “um ano negro” para a Guiné-Bissau. O jornalista Mamandin Indjai sublinhou que, nos últimos anos, houve alguns progressos infra-estruturais e ganhos diplomáticos.
No entanto, destacou o agravamento da fome, da precariedade dos serviços públicos, das violações de direitos humanos, dos raptos, das perseguições a jornalistas, advogados e activistas. Para Indjai, a Guiné-Bissau entrou num clima de medo que bloqueou a confiança colectiva.
O isolamento internacional do país agravou-se ainda mais após a expulsão da missão de mediação da CEDEAO, em Março de 2025 levando a que em conjunto com a União Africana ambas tenham condenado de imediato a tomada de poder e suspenderam a Guiné-Bissau das suas estruturas, sublinhando a necessidade urgente de publicar os resultados eleitorais e restabelecer a ordem constitucional.
Paralelamente, a CPLP deverá decidir na próxima cimeira se mantém a Guiné-Bissau na presidência rotativa da organização ou se escolhe um novo Estado membro para assumir o cargo. Tendo já Timor-Leste oferecido-se para ocupar essa posição.
Conclusão
A Guiné-Bissau encerra 2025 mergulhada num profundo vazio político. Sem presidente, parlamento activo, Constituição suspensa e resultados eleitorais divulgados, o país vive num limbo institucional que fragiliza todas as estruturas de governação.
A ambiguidade do golpe de Novembro e as versões contraditórias alimentam um clima de incerteza, afectando tanto a esfera política quanto a vida quotidiana. Décadas de instabilidade geraram um cansaço colectivo, manifestado na perda de confiança nas instituições e no receio de ciclos recorrentes de ruptura.
A suspensão pelas organizações regionais e o isolamento diplomático reforçam esta preocupação. A CEDEAO e a Nigéria demonstraram a sua recusa em permitir retrocessos democráticos, mas a consolidação da defesa democrática cabe à Guiné-Bissau internamente. O futuro imediato dependerá da gestão da justiça, da reconciliação e da preparação para as próximas eleições.
A lição é clara: a democracia guineense resistiu, mas permanece sob vigilância. 2025 marca um ponto de viragem incontornável e o futuro dirá se esta ruptura abrirá caminho para uma reconstrução democrática sólida ou se será mais um capítulo de instabilidade. O desejo de um país estável e previsível, capaz de responder às aspirações de liberdade e dignidade, permanece inalterado.
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Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos
