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ToggleFrancisco o Pastor do Mundo Partiu Hoje em Paz
O Papa Francisco faleceu hoje, dia 21 de Dezembro de 2025, ás 7:35h, no Vaticano, aos 88 anos. Nascido Jorge Mario Bergoglio em Buenos Aires (1936), foi o primeiro pontífice jesuíta e das Américas. Reformou finanças vaticanas, defendeu migrantes e condenou o “capitalismo selvagem”. O mundo católico e além choram o “Papa dos gestos que falaram mais que as palavras”.
A morte de Francisco encerra um dos papados mais transformadores da história recente. Eleito em 2013 após a renúncia de Bento XVI, Bergoglio escolheu o nome do santo de Assis e, como bandeira, “uma Igreja pobre para os pobres”. Desde o início, desafiou protocolos, recusou apartamentos luxuosos, lavou os pés dos presos e visitou os bairros-de-lata.
A sua encíclica Laudato Si’ (2015) redefiniu o ambientalismo como imperativo moral. Já Fratelli Tutti (2020) condenou os nacionalismos e defendeu a fraternidade universal. Crítico ferrenho da “globalização da indiferença”, chamou os migrantes de “emblemas dos excluídos que Cristo abraçaria primeiro”.
A saúde frágil – consequência de uma pneumectomia na juventude – limitou suas viagens recentes. Mesmo assim, em 2023, visitou o Sudão do Sul com o arcebispo de Canterbury, num gesto ecuménico histórico.
“Prefiro uma Igreja acidentada a uma doente e fechada”, disse o Papa Francisco.
O Anúncio do Camerlengo
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O anúncio da morte do Papa Francisco, foi dado, com pesar, na Capela da Casa Santa Marta, no Vaticano, pelo Camerlengo, Sua Eminência, o cardeal Farrell, com as seguintes palavras:
“Queridos irmãos e irmãs, com profunda tristeza, devo anunciar a morte de nosso Santo Padre Francisco”.
“Às 7h35 desta manhã, o Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai”.
“Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da Sua Igreja”.
Ele ensinou-nos a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa gratidão pelo seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso de Deus.
Segundo informado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, após a comunicação do falecimento do Papa Francisco, conforme previsto no Ordo Exsequiarum Romani Pontificis (nn. 21-40), nesta noite, segunda-feira, 21 de Abril, às 20h, o cardeal presidirá o rito de constatação da morte e o depósito do corpo no caixão.
Participarão do rito o decano do Colégio Cardinalício, os familiares do Pontífice, o director e o vice-director da Direcção de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano.
A trasladação do corpo do Santo Padre para a Basílica Vaticana, para a homenagem de todos os fiéis, poderá ocorrer na manhã de quarta-feira, 23 de Abril de 2025, segundo as modalidades que serão definidas e comunicadas amanhã, após a primeira Congregação dos Cardeais.
Este domingo, assistiu à missa na Basílica de São Pedro, onde deu a bênção urbi et orbi. Após a sua morte, a Igreja encontra-se em sede vacante, o que significa que estão a começar os preparativos para eleger o novo Papa em conclave. Antes disso, terá lugar o seu funeral que pela primeira vez desde1903, não será realizado na Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, como os antecessores.
Em linha com a sua humildade, deixou clara a intenção de ser sepultado na basílica romana de Santa Maria Maggiore, onde era visto frequentemente. Uma vez sepultado, vão ser celebradas missas durante nove dias consecutivos, durante os quais os cardeais vão fixar uma data para o início do conclave para escolher o sucessor do Papa Francisco.
Revolução na Igreja
Francisco enfrentou resistências ao implementar reformas. Permitiu que os padres absolvessem os pecados do aborto (2016) e autorizou os divorciados a comungar (2020). Criou comissões para investigar os abusos sexuais na igreja e quando vozes críticas o acusaram lentidão respondeu:
“As vítimas merecem a verdade, não desculpas”, respondeu.
Na Cúria Romana, nomeou mulheres para cargos estratégicos. A irmã Nathalie Becquart tornou-se a primeira subsecretária do Sínodo dos Bispos (2021). Porém, os conservadores atacaram a abertura ao diálogo com a comunidade LGBTQ+, simbolizada na frase “Quem sou eu para julgar?” (2013).
Nenhum Papa visitou tantas periferias existenciais: prisões iraquianas, campos de refugiados gregos, ruas de Manila. Em 2014, no Centro Astalli (Roma), lavou pés de muçulmanos e hindus.
“A Igreja não é uma alfândega, mas sim a casa paterna”, insistiu.
Condenou a “ditadura do dinheiro” em discursos incendiários: “Este sistema económico mata” (2015). Apoiou taxação de grandes fortunas e rendimento básico universal. Na Amazónia, defendeu os indígenas contra contra as empresas mineiras: “A terra não é uma mercadoria” (2019).
O pontificado não foi isento de polémicas. O caso McCarrick (o cardeal acusado de abusos) manchou a sua gestão. Os seus críticos apontaram ambiguidade na remoção de bispos corruptos. Escândalos como o do Instituto Dignitatis Humanae (fundos desviados) abalaram a credibilidade reformista.
Na China, o acordo de 2018 para nomear bispos gerou divisões. Cardeais como Joseph Zen acusaram-no de ceder ao Partido Comunista. Francisco defendeu-se:
“É melhor o diálogo do que um martírio inútil”.
Doze Anos de Pontificado

O pontificado de Jorge Mario Bergoglio no trono de Pedro, foi realizado entre viagens, reformas, documentos, reestruturações eclesiais, compromissos pela paz, pelos pobres e migrantes e no horizonte da inovação e da fraternidade
O Papa Francisco foi o primeiro em muitas coisas. Primeiro Papa jesuíta, primeiro Papa originário da América Latina, primeiro a escolher o nome Francisco sem um numeral, primeiro a ser eleito com seu o antecessor ainda vivo, primeiro a residir fora do Palácio Apostólico.
Foi o primeiro a visitar terras nunca antes tocadas por um pontífice – do Iraque à Córsega – o primeiro a assinar uma Declaração de Fraternidade com uma das autoridades islâmicas mais importantes.
Também foi o primeiro Papa a equipar-se com um Conselho de Cardeais para governar a Igreja, a atribuir funções de responsabilidade a mulheres e leigos na Cúria, a lançar um Sínodo que envolvia directamente o povo de Deus, a abolir o segredo pontifício para os casos de abuso sexual e a remover a pena de morte do Catecismo.
Também foi o primeiro, a liderar a Igreja enquanto no mundo não há à guerra, mas muitas guerras, pequenas e grandes, travadas “em pedaços” nos diferentes continentes. Uma guerra que “é sempre uma derrota”, como repetiu nos mais de 300 apelos, mesmo quando a sua voz falhava e que ocuparam todos os últimos pronunciamentos públicos desde o início da violência na Ucrânia e no Oriente Médio.
Processos
Mas Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, provavelmente não gostaria que o conceito de “primeiro” fosse associado ao seu pontificado, projectado nesses 12 anos não para atingir metas ou conquistar primados, mas para iniciar “processos”.
Processos em andamento, processos concluídos ou distantes, processos que provavelmente são irreversíveis até mesmo para quem o sucederá no trono de Pedro. Ações que geram “novos dinamismos” na sociedade e na Igreja – como está escrito na road map do pontificado, a Evangelii Gaudium – sempre no horizonte do encontro, da troca, da colegialidade.
Do Fim do Mundo
“E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo”, foram as primeiras palavras pronunciadas da Sacada Central da Basílica de São Pedro, no final da noite de 13 de Março de 2013, para uma multidão que lotava a Praça São Pedro há um mês, sob os reflectores após a renúncia de Bento XVI.
Para aquela multidão, o recém-eleito Papa de 76 anos, escolhido pelos seus irmãos cardeais, originário “do fim do mundo”, pediu uma bênção. Com o povo, quis recitar uma Ave Maria, tropeçando em um italiano que até então não havia praticado assiduamente, dadas as raras visitas do pastor de Buenos Aires a Roma, pronto para fazer as malas imediatamente após o Conclave.
E ao povo, no dia seguinte, ele quis prestar a sua homenagem íntima, dirigindo-se à paróquia de Santa Ana no Vaticano e depois à Basílica de Santa Maria Maior, agradecendo à Salus Populi Romani, protectora do seu pontificado, a quem ele continuou a prestar homenagem em todos os momentos mais fortes. E exactamente nessa Basílica, Francisco expressou o seu desejo de ser enterrado.
Pastor no Meio do Povo
A proximidade com o povo, um legado do ministério argentino, foi manifestada pelo Papa em todos os anos seguintes de várias maneiras:
com visitas aos funcionários do Vaticano nos seus escritórios, com as Sextas-feiras da Misericórdia no Jubileu de 2016 em locais de marginalização e exclusão, com as celebrações da Quinta-feira Santa em prisões, asilos e centros de acolhimento, com o longo percurso em paróquias nos subúrbios romanos, com visitas e telefonemas surpresa.
E manifestou essa proximidade em todas as viagens apostólicas, começando pela primeira ao Brasil em 2013, herdada de Bento XVI, da qual nos lembramos a imagem do papamóvel bloqueado no meio da multidão.
O Primeiro Papa no Iraque
O Pontífice argentino completou quarenta e sete peregrinações internacionais, feitas com base em eventos, convites de autoridades, missões a serem realizadas ou algum “movimento” interno, como ele mesmo revelou no voo de volta do Iraque.
Sim, exactamente o Iraque: três dias em Março de 2021 entre Bagdá, Ur, Erbil, Mosul e Qaraqosh, terras e vilarejos com cicatrizes ainda evidentes da matriz terrorista, com sangue nas paredes e tendas de pessoas deslocadas ao longo das estradas, em meio à pandemia da Covid e preocupações gerais com a segurança.
Uma viagem desaconselhada por muitos por causa da saúde e do risco de atentados; uma viagem desejada a todo custo. A “mais bela” viagem, como o próprio Francisco sempre confidenciou, o primeiro Papa a pisar na terra de Abraão, onde João Paulo II não conseguiu ir, e a conversar com o líder xiita Al-Sistani.
De Bangui à Oceânia
Uma boa obstinação o levou ao Iraque, a mesma que em 2015 o levou a Bangui, a capital da República Centro-Africana ferida por uma guerra civil que, nos mesmos dias da visita, deixou mortos pelas ruas.
No país africano, onde disse que queria ir mesmo ao custo de saltar “de paraquedas”, Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia em uma cerimónia comovente que também marca o recorde de um Ano Santo aberto não em Roma, mas em uma das regiões mais pobres do mundo.
Também pode ser descrito como uma boa obstinação a que animou sua decisão de empreender a viagem mais longa do pontificado em Setembro de 2024, aos 87 anos: Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste, Singapura.
Quinze dias, dois continentes, quatro fusos horários, 32.814 km percorridos de avião. Quatro universos diferentes, cada um representando os principais temas do Magistério: fraternidade e diálogo inter-religioso, periferias e emergência climática, reconciliação e fé, riqueza e desenvolvimento a serviço da pobreza.
De Lampedusa a Juba
Não se pode esquecer, repercorrendo as viagens apostólicas e as visitas pastorais, a primeira viagem fora de Roma, à pequena ilha de Lampedusa, cenário de grandes tragédias migratórias, com a coroa de flores lançada no “cemitério a céu aberto” do Mediterrâneo. A denúncia também se repetiu na dupla viagem a Lesbos (2016 e 2021) nos contêineres e tendas de refugiados e pessoas deslocadas.
Na história do pontificado, ficaram marcadas também a viagem à Terra Santa (2014); à Suécia, em Lund (2016) para as celebrações do 500º aniversário da Reforma Luterana; ao Canadá (2022) com o pedido de perdão às populações indígenas pelos abusos sofridos por representantes da Igreja Católica.
E, em seguida, na República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, em Juba (2023), esta última etapa compartilhada com o Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, e o Moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia, Ian Greenshields, para sublinhar a vontade ecuménica de curar as feridas de um povo.
As mesmas que ele implorou que fossem curadas aos líderes sul-sudaneses, reunidos em 2019 para dois dias de retiro na Casa Santa Marta, concluídos com o gesto perturbador de beijar seus pés.
Também, Cuba e Estados Unidos (2015), uma viagem para selar o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Um evento histórico para o qual Francisco passou meses, enviando cartas a Barack Obama e Raúl Castro, instando-os a “iniciar uma nova fase”.
Foi o próprio Obama quem agradeceu publicamente ao Pontífice. Em Havana, houve também o encontro com o Patriarca Kirill e a assinatura de uma declaração conjunta para colocar em prática o “ecumenismo da caridade”, o compromisso dos cristãos para uma humanidade mais fraterna.
Um compromisso que se tornou, anos depois, tragicamente atual e um tanto desconsiderado com a eclosão da guerra no coração da Europa.
O Documento Sobre a Fraternidade Humana
Por último, mas não menos importante, entre as viagens, temos Abu Dhabi (2019) e o Documento sobre a Fraternidade Humana.
O documento foi assinado em conjunto com o Grão Imame al-Tayeb, coroando o degelo com a universidade sunita de Al-Azhar que começou com um abraço na Casa Santa Marta e terminou com a assinatura de um texto que imediatamente se tornou a pedra angular do diálogo islâmico-cristão, também transposto para várias Constituições.
As Encíclicas
As experiências, os diálogos e os gestos vividos nessas viagens fluíram para os documentos do pontificado.
Quatro encíclicas: a primeira, Lumen Fidei, sobre o tema da fé, a quatro mãos com Bento XVI; depois, Laudato si’, um grito para invocar uma “mudança de rumo” para a “casa comum”, em crise pelas mudanças climáticas e pela exploração excessiva, e para estimular acções para erradicar a miséria e para o acesso equitativo aos recursos do planeta.
A terceira encíclica, a Fratelli Tutti, o eixo fundamental do Magistério, fruto do Documento de Abu Dhabi, profecia – antes da deflagração de novas guerras – da fraternidade como o único caminho para o futuro da humanidade.
Por fim, a Dilexit Nos para repercorrer a tradição e a actualidade do pensamento “sobre o amor humano e divino do coração de Jesus” e lançar uma mensagem a um mundo que parece ter perdido seu coração.
Exortações Apostólicas
São sete as exortações apostólicas: Desde a já mencionada Evangelii Gaudium até C’est la confiance, para o 150º aniversário do nascimento de Teresa do Menino Jesus.
Entre elas, as exortações pós-sinodais – Amoris Laetitia (Sínodo sobre a família), Christus Vivit (Sínodo sobre os jovens), Querida Amazonia (Sínodo para a Região Pan-Amazônica) – Gaudete et Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo contemporâneo, Laudate Deum, uma sequência ideal da Laudato si’ para completar seu apelo para reagir pela Mãe Terra antes de um “ponto de ruptura”.
Foram emitidos cerca de 60 Motu Próprio para reconfigurar as estruturas da Cúria Romana e do território da Diocese de Roma, para alterar o Direito Canônico e o sistema judiciário do Vaticano, para emitir regras e procedimentos mais rigorosos na luta contra os abusos.
Esse é o caso do Vos estis lux mundi, um documento que incorporou resultados, indicações e recomendações do Summit sobre a Protecção dos Menores, realizado no Vaticano, em Fevereiro de 2019.
Uma cúpula que representou o auge do trabalho para combater a pedofilia do clero e os abusos não só sexuais; uma expressão da disposição da Igreja de agir com verdade e transparência em uma atitude penitencial.
Com o Vos estis lux mundi, Francisco estabeleceu novos procedimentos para a denúncia de assédios e violências e introduziu o conceito de accountability, ou seja, garantir que bispos e superiores religiosos prestem conta de suas ações.
Reforma da Cúria
Portanto, processos. Os processos de reformas foram uma constante no papado de Francisco, que não quis ignorar as recomendações dos cardeais nas congregações pré-conclave que pediam ao futuro novo Papa que reestruturasse a Cúria Romana e, em particular, as finanças do Vaticano, que durante anos estiveram no centro de escândalos.
Logo após sua eleição, o Papa criou um Conselho de Cardeais, o C9 (que se tornou C6 e C8 ao longo dos anos, conforme os vários membros foram mudando), um pequeno “senado” para ajudá-lo a governar a Igreja universal e trabalhar na reforma da Cúria.
Fusões de Dicastérios e outras mudanças de títulos e organogramas foram os sinais do work in progress; o passo final foi a Constituição Apostólica Praedicate evangelium: aguardada por anos, promulgada em 2022, sem aviso prévio ou preâmbulo, introduzindo novidades significativas.
Entre elas, a instituição do novo Dicastério para a Evangelização, presidido directamente pelo Pontífice, e o envolvimento dos leigos “em funções de governo e responsabilidade”.
Nessa onda de mudanças, devem ser vistas as nomeações do primeiro prefeito leigo, Paolo Ruffini, para o Dicastério para a Comunicação, da primeira “prefeito” para o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada, Irmã Simona Brambilla, e da primeira governadora da Cidade do Vaticano, Irmã Raffaella Petrini.
As Mulheres
As mulheres, outra vertente destes anos de Bergoglio no trono de Pedro, o Papa que, mais do que outros, confiou a figuras femininas papéis de responsabilidade, que criou duas comissões para o estudo das diaconisas, que nunca deixou de recordar o “Génio” feminino e a dimensão materna da Igreja (que “é mulher” porque “é a Igreja, não o Igreja”).
Além disso, colocou as mulheres lado a lado com cardeais e bispos nas mesas do último Sínodo sobre a Sinodalidade, irmãs, missionárias, professoras, especialistas, teólogas, às quais deu, pela primeira vez, o direito de voto.
“Todos, Todos, Todos”
Uma abertura, como tantas outras feitas por Francisco. Aberturas e não extirpações, nem saltos; para alguns muito rápidos, para outros cautelosos demais. De fato, também esses, processos.
Como a concessão dos sacramentos aos divorciados recasados, na perspectiva da Eucaristia como “remédio” para os pecadores e não como “alimento para os perfeitos”.
o acolhimento às pessoas LGBTQ+ com o convite à proximidade pastoral, porque dentro da Igreja há espaço para “todos, todos, todos”; a obstinação em dialogar com representantes de outras denominações e religiões cristãs, após séculos de preconceitos e suspeitas, também em virtude do “ecumenismo do sangue”.
Também, o olhar à China, com o Acordo Provisório para a Nomeação de Bispos, assinado em 2019 e renovado três vezes. Um sinal de diálogo, entre tropeços e retomadas, com um “povo nobre” que ele desejou visitar por todos esses anos. Um desejo que remonta às aspirações missionárias da juventude.
Missionariedade e Sinodalidade
Missão, este também é um tema central. De facto, a “missionariedade”, é um convite recorrente em textos e homilias, assim como a “sinodalidade”, outro termo que ressoou tantas vezes nesses doze anos.
O Papa dedicou nada menos que duas sessões do Sínodo (2023 e 2024) à “sinodalidade”, renovando a estrutura e o funcionamento da assembleia, percebendo a necessidade de começar o caminho sinodal “de baixo” e instituindo também dez grupos de estudo para aprofundar temas doutrinários, teológicos e pastorais após os trabalhos.
Pobres e Migrantes
Neste pontificado serão lembrados também os axiomas que encapsularam inteiras realidades eclesiais, políticas e sociais: “Cultura do descarte”, “globalização da indiferença”, “Igreja pobre para os pobres”, “Igreja em saída”, “pastores com cheiro de ovelhas”, “ética global da solidariedade”.
Permanecerá a atenção aos pobres com a instituição, em 2017, de um Dia dedicado a eles, sempre caracterizado pelo almoço do Papa na Sala Paulo VI, lado a lado com pessoas em situação de rua e sem-tecto.
Permanecerá o ensinamento sobre os migrantes, declinado nos quatro verbos “acolher, proteger, promover e integrar”, como indicações programáticas para enfrentar “uma das maiores tragédias deste século”. Assim como permanecerá o convite para elaborar “compromissos honrosos” como soluções para os conflitos que estão dilacerando a Europa, o Oriente Médio e a África.
Compromisso em Prol da Paz
Conflitos, angústia dos últimos anos, denunciados em apelos ressonantes e cartas a núncios e povos vítimas de violências, aliviados por meio de videochamadas – sobretudo a diária para a paróquia de Gaza – ou missões de cardeais e o envio de produtos de primeira necessidade.
“Não pensei que seria um Papa em tempo de guerra”.
Confidenciou no primeiro e único podcast com a media do Vaticano no décimo aniversário de sua eleição. A paz foi o objectivo constante. Pela paz, o Papa Francisco pediu continuamente orações, convocando Dias de jejum e oração – pela Síria, Líbano, Afeganistão, Terra Santa – envolvendo os fiéis de todas as latitudes.
Consagrou a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria em 2022; organizou momentos históricos, como o plantio de uma oliveira nos Jardins do Vaticano em 8 de Junho de 2014 com os presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Palestina, Mahmoud Abbas.
Em prol da paz, o Papa fez gestos inusitados, como entrar em seu carro e ir, no dia seguinte ao lançamento da primeira bomba em Kiev, ao escritório do embaixador russo na Santa Sé, Alexander Avdeev, tentando iniciar contactos com o presidente Putin e assegurando-lhe sua disposição de mediar.
Francisco repreendeu várias vezes os chefes de Estado e de governo, advertiu os senhores da guerra de que eles prestarão contas diante de Deus pelas lágrimas derramadas entre os povos, estigmatizou o florescente mercado de armas lançando uma proposta para usar os gastos com armas para criar um Fundo Mundial para erradicar a fome.
Pediu a construção de pontes e não a construção de muros, e insistiu em colocar o bem comum acima das estratégias militares, sendo às vezes mal interpretado e criticado.
Inovações
Em todos esses anos não faltaram críticas contra o Papa argentino que comentou escaladas e os ventos contrários com aquele humor que é o que “mais se aproxima da graça de Deus”.
Francisco questionou e surpreendeu, talvez tenha feito alguém torcer o nariz pela quebra de tabus e a ruptura de protocolos e velhos costumes, ou pela remodelação do próprio papado com roupas diferentes, uma residência diferente, uma inusual gestualidade, um estilo pastoral original.
Ou aparecendo em transmissões ao vivo pela Internet e em programas de TV, usando a conta X @Pontifex, em 9 idiomas, ou como um canal para transmitir mensagens de divulgação e imediatismo necessários.
Os Problemas de Saúde
Nesses anos sempre densos, com raríssimos momentos de descanso (e o cancelamento das tradicionais férias papais em Castel Gandolfo), não faltaram momentos difíceis, em meio a processos judiciais – liderados pelo longo e complexo processo pela gestão dos fundos da Santa Sé – o caso Vatileaks 2, escândalos de abusos e corrupção e a publicação de livros sem “nobreza e humanidade”.
Também não faltaram problemas de saúde entre as operações no Hospital Gemelli em 2021 e 2023, a internação no mesmo hospital, novamente em 2023, as complicações respiratórias, e depois os resfriados, as gripes e as dores no joelho que o forçaram a usar a cadeira de rodas nos últimos três anos.
Dados Estatísticos
Tantas dificuldades que nunca impediram uma intensa actividade ou sua presença em eventos. Várias estatísticas testemunham isso: mais de 500 audiências gerais, dez Consistórios para a criação de 163 novos cardeais que restituíram carácter de universalidade ao rosto da Igreja.
mais de 900 canonizações (incluindo três predecessores: João XXIII, João Paulo II, Paulo VI); os “Anos Especiais”, entre os quais os da Vida Consagrada (2015-2016), São José (2020-2021) e a Família (2021-2022).
Quatro Jornadas Mundiais da Juventude: Rio de Janeiro, Cracóvia, Panamá, Lisboa. Dois Jubileus: o extraordinário sobre a Misericórdia em 2016 e o ordinário em 2025, actualmente em andamento, com o tema “Peregrinos da Esperança”.
A Statio Orbis
Jorge Mario Bergoglio foi um Papa que procurou a proximidade com o grande público também por meio de entrevistas, livros, prefácios, autobiografias.
Um Papa do qual, talvez, mais do que as muitas palavras e escritos, será recordado com uma imagem: ele, sozinho, mancando, na chuva, no silêncio geral do lockdown e com o único som de fundo de uma ambulância, enquanto atravessa a Praça São Pedro no tempo suspenso da pandemia.
Era a Statio Orbis de 27 de Março de 2020, com o mundo fechado dentro de casa vendo em streaming um homem idoso que parecia carregar sobre os ombros todo o peso de uma tragédia que revirou quotidianidade e hábitos.
A humanidade estava aflita, mas o Papa falou de esperança. E de fraternidade: “Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo todos chamados a remar juntos”.
A Despedida de África

Chefes de Estado e de Governo africanos lamentaram hoje a morte do Papa Francisco, a quem reconheceram o seu compromisso para com os mais vulneráveis, a sua luta pela inclusão, justiça e promoção da paz:
Samia Suluhu (Presidente da Tanzânia): Descreveu o Papa Francisco como um “professor e líder” que “ensinou e inspirou o bem-estar e o desenvolvimento das pessoas”. Suluhu destacou os esforços do pontífice na promoção da paz e transmitiu as suas condolências aos fiéis católicos na Tanzânia e em todo o mundo.
Faure Gnassingbé (Presidente do Togo): Elogiou o pontífice como um “incansável artesão da paz, da justiça e da fraternidade”, afirmando que deixa uma “marca profunda” na humanidade. “O seu compromisso com os mais vulneráveis e o seu apelo constante à dignidade humana ficarão gravados na nossa memória”, disse Gnassingbé na rede social X.
Évariste Ndayishimiye (Presidente do Burundi): Expressou as suas condolências à Igreja Católica e recordou a mensagem de fé e humanidade que o Papa transmitiu durante a sua visita ao Vaticano em março de 2022.
Hakainde Hichilema (Presidente da Zâmbia): Recordou o Papa como um homem de “grande humildade e compaixão”, que conduziu a Igreja Católica “pelo seu exemplo”.
William Ruto (Presidente do Quénia): Destacou a liderança do pontífice na Igreja Católica, bem como a sua humildade, o seu “empenho inabalável” na inclusão e na justiça e a sua “profunda compaixão” pelos mais vulneráveis. “As suas fortes convicções éticas e morais inspiraram milhões de pessoas em todo o mundo, independentemente da sua fé ou origem”, afirmou Ruto nas redes sociais.
Brice Clotaire Oligui Nguema (Presidente do Gabão): Enviou as suas “sinceras condolências a toda a comunidade católica do Gabão e de outros países” e declarou nas redes sociais que a mensagem do Papa de fé, paz e humildade “continuará a ser uma fonte de inspiração”.
Abiy Ahmed (primeiro-ministro da Etiópia): Manifestou a esperança de que o legado de “compaixão, humildade e serviço à humanidade” do Papa continue a inspirar as gerações futuras.
Félix Tshisekedi (Presidente da República Democrática do Congo): Saudou o “compromisso inabalável” para com a paz do Papa Francisco e prestou uma “homenagem solene à memória deste grande servo de Deus, cuja vida foi um testemunho vibrante de fé, humildade e compromisso inabalável com a paz, a justiça e a dignidade humana”.
Bassirou Diomaye Faye (Presidente do Senegal): Declarou que o “mundo perdeu uma grande figura espiritual”. “Através do seu compromisso com os mais vulneráveis e do seu constante apelo ao diálogo entre os povos e as religiões, ele encarnou uma esperança viva para milhões de crentes e pessoas de boa vontade”, referiu o chefe de Estado na rede social X.
Ahmed Bola Tinubu (Presidente da Nigéria): Relembrou a “voz poderosa” do Papa na sua acção contra as alterações climáticas. “Hoje, com o coração pesado, associo-me aos fiéis católicos e aos cristãos de todo o mundo no luto pela perda do Papa Francisco”, afirmou o chefe de Estado desta nação com 100 milhões de fiéis católicos.
Alassane Ouattara (Presidente da Costa do Marfim): Referiu, através das redes sociais, o compromisso do Papa “para com os mais vulneráveis e o seu desejo de construir um mundo em paz, mais equitativo e respeitador do ambiente”.
John Dramani Mahama (Presidente do Gana): Recordou o “legado de compaixão, humildade e empenho na justiça social” do Papa, que, segundo Mahama, “continuará a inspirar gerações”.
Lazarus Chakwera (Presidente do Malaui): Referiu estar profundamente triste com o falecimento “do Papa Francisco, o 266.º Pontífice”, que teve “a honra de conhecer no Vaticano há nove meses”. O Presidente desta nação vizinha de Moçambique disse ainda que o falecimento do Santo Padre deixa um “legado de fé, compaixão, amor e serviço, promovendo a paz, a justiça e a unidade”.
Julius Maada Bio (Presidente da Serra Leoa): Desejou que a alma do Santo Padre “encontre a paz eterna” e desejou as sinceras condolências a toda a comunidade católica, por este “momento difícil”.
África representa 20% dos 1,4 mil milhões de católicos do mundo, segundo os dados do gabinete de estatística do Vaticano.
Conclusão
O Papa Francisco deixa uma Igreja mais plural, mas polarizada. O seu legado fará eco nas periferias: bairros-de-lata que ganharam bispos, mulheres com voz em sínodos, jovens inspirados pelo Sínodo de 2023.
O conclave que elegerá o seu sucessor enfrentará um dilema: continuar a revolução ou procurar um equilíbrio. Mantém-se, no entanto, uma certeza: nenhum Papa será tão citado nas ruas quanto o humilde Bergoglio que trocou mitras por sapatos gastos.
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Imagem: © Vatican Media