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ToggleEleições Guiné-Bissau: Entre as Urnas e a Rua
A Guiné-Bissau vive um dos momentos mais tensos e decisivos da sua história política recente. As eleições gerais de 23 de Novembro mergulharam o país numa atmosfera de suspense colectivo, onde a expectativa se mistura com receios profundos sobre a integridade do acto eleitoral.
Embora a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tenha garantido a divulgação dos resultados provisórios até quinta-feira, persistem dúvidas, rumores e acusações cruzadas, alimentando uma mobilização popular de intensidade invulgar.
Em diversas localidades — de Mansoa a Bubaque — jovens e adultos passaram horas, alguns toda a noite, diante das sedes das Comissões Regionais de Eleições (CRE), temendo adulterações na contagem electrónica.
A disputa presidencial centra-se entre Fernando Dias, candidato apoiado pelo PAIGC e pelo PRS que se declarou vencedor à primeira volta e o Presidente cessante, Umaro Sissoco Embaló que aconselhou prudência, mas não descartou o fim imediato da corrida eleitoral.
Vários analistas sugerem que ambas as candidaturas já conhecem internamente os resultados, mas a declaração oficial da CNE será o factor determinante para a estabilidade das próximas semanas.
O país carrega a memória recente de crises institucionais: eleições parciais anuladas, dissoluções parlamentares contestadas, e um clima político marcado por uma desconfiança estrutural. Neste contexto, a vigilância popular assume uma dimensão simbólica e prática: é a tentativa de evitar que a história se repita.
A Voz das Ruas

A apreensão acumulada ao longo de anos de processos conturbados constitui a génese da crise pós-eleitoral na Guiné-Bissau. Em regiões como Mansoa, Catió e Bubaque, a população permaneceu diante das CRE num gesto de vigilância que reflecte a fragilidade das instituições e a maturidade cívica dos eleitores.
Os jovens organizaram-se espontaneamente para observar as entradas e saídas, convencidos de que a introdução dos votos nos computadores poderia ser manipulada. Em Catió, relatos indicam que a polícia recorreu à força para dispersar grupos que se recusavam a abandonar o local, resultando em feridos e protestos das organizações da sociedade civil.
Estas entidades, reunidas no Espaço de Concertação, condenaram o uso excessivo da força e apelaram ao respeito pela integridade física dos cidadãos. Em declarações prestadas à comunicação social estrangeira, o jornalista Sabino Santos explicou que a suspeita não surgiu no vazio:
“Há facções da população que acreditam que o regime quer roubar as eleições”.
O ambiente de polarização intensifica-se à medida que ambas as campanhas presidenciais assumiram posições firmes. A incerteza estende-se às eleições legislativas, marcadas por abstenção elevada e votos nulos expressivos, resultado da orientação dada por sectores da oposição que consideram este escrutínio “sem validade” devido à dissolução parlamentar de 2023.
Esta memória institucional fragilizada alimenta o receio de que as decisões políticas possam prevalecer sobre a vontade popular.
Apesar disso, a CNE reitera que o processo decorre “com transparência e rigor” e que as equipas de contagem actuam segundo critérios legais. Até ao anúncio oficial do resultado, a tensão aumenta e cada boato amplifica-se num país habituado a crises que muitas vezes começam nas urnas.
O Crivo Internacional

A presença de missões internacionais de observação trouxe algum equilíbrio narrativo ao ambiente carregado que domina o período pós-eleitoral. A CEDEAO, a União Africana, a CPLP e a ROJAE-CPLP divulgaram notas preliminares onde classificam o processo como “organizado, pontual, ordeiro e transparente”.
Os observadores referem que, nas mesas visitadas, existiam materiais completos, presença dos mandatários dos partidos e um ambiente pacífico. Contudo, esta avaliação contrasta com os receios populares expressos nas ruas.
Para muitos guineenses, as opiniões das missões externas não eliminam o trauma de eleições anteriores, marcadas por contestações, interrupções do processo político e dissoluções parlamentares inesperadas.
A reacção popular demonstra que, para uma parte significativa da sociedade, a garantia de transparência não se mede apenas pela presença de observadores, mas sim pelo comportamento das instituições nacionais.
Este desfasamento entre a confiança externa e a apreensão interna cria um ambiente híbrido: o país é elogiado pela comunidade internacional, mas permanece inquieto dentro das suas fronteiras. Sabino Santos reforça que ambas as candidaturas estão “seguras da sua posição”, o que acentua a convicção de que qualquer resultado divergente será visto como manipulação.
A situação é agravada pelas informações paralelas que circulam nas redes sociais, onde supostos números antecipados alimentam suspeitas e reacções espontâneas. A CNE apelou repetidamente à calma e insistiu para que a população aguarde apenas dados oficiais, mas a narrativa da desconfiança encontra terreno fértil num país marcado por décadas de volatilidade política.
O que está em jogo, portanto, não é apenas quem venceu as eleições, mas sim a confiança colectiva num sistema que ainda procura provar a sua solidez democrática.
O Jogo Político

No terreno político, o desafio pós-eleitoral é ainda mais complexo. Fernando Dias, candidato apoiado pelo PAIGC e pela coligação PAI–Terra Ranka, promete restaurar o parlamento dissolvido em 2023 e reverter o que considera ter sido “um retrocesso institucional” imposto pelo Presidente Embaló.
A sua plataforma assenta na ideia de retorno à legalidade constitucional e na recuperação do mandato popular interrompido. Por outro lado, Embaló mantém uma postura defensiva, insistindo que não haverá segunda volta, mas sem declarar vitória. Esta ambiguidade estratégica alimenta especulações sobre o desfecho real da votação.
Para os analistas, é evidente que a aceitação dos resultados depende menos das matemáticas eleitorais e mais do comportamento das elites políticas nos dias seguintes ao anúncio da CNE. A possibilidade de protestos, contestação pública ou reacções violentas está directamente ligada à percepção de justiça do processo.
A nível administrativo, as CRE defendem que todos os procedimentos estão a ser cumpridos, reafirmando a ausência de motivos para suspeitas. Contudo, a actuação das forças da ordem em algumas regiões levanta preocupações adicionais, sobretudo entre organizações de direitos humanos.
A desconfiança instalada também tem raízes na elevada taxa de votos nulos e brancos nas legislativas, interpretada como protesto silencioso contra um processo visto como fracturado. A Guiné-Bissau encontra-se, portanto, num ponto crítico: a legitimidade futura do governo dependerá da capacidade de conquistar confiança, não apenas do cumprimento formal das etapas eleitorais.
A estabilidade política exige que tanto vencedores como vencidos aceitem o veredicto da CNE, mas essa aceitação só será possível se o anúncio for percebido como transparente e incontestável.
Uma Nação em Expectativa

Enquanto o país aguarda o anúncio oficial, a vida quotidiana parece estar em suspenso. Nos mercados e nos bairros, o foco é exclusivamente a eleição, com pouca discussão sobre economia ou política externa. Em Bissau, os comerciantes relatam uma redução no movimento, com muitas famílias receosas de deslocações longas devido à possibilidade de manifestações.
Organizações da sociedade civil insistem na necessidade de serenidade e apelam à contenção tanto das forças de segurança como dos cidadãos. A tensão social cresce porque muitos acreditam que esta eleição definirá o rumo institucional da próxima década.
O histórico de dissoluções parlamentares, confrontos políticos e turbulência governativa faz com que qualquer suspeita de adulteração do processo seja vista como uma ameaça directa à democracia.
A nível internacional, o interesse também é elevado: os parceiros regionais temem que um agravamento da situação afecte a estabilidade da África Ocidental, já pressionada por golpes militares, conflitos internos e disputas fronteiriças. A CEDEAO já reiterou que está preparada para apoiar a Guiné-Bissau caso surjam impasses graves.
Paralelamente, os observadores destacam que, apesar das suspeitas populares, a conduta das mesas de voto foi exemplar e que a participação, embora irregular, demonstra um interesse renovado dos cidadãos na escolha do futuro.
O país vive entre dois caminhos possíveis: um que reforça a normalidade constitucional e outro que aprofunda divisões e incertezas. Tudo dependerá da forma como os resultados forem apresentados e, sobretudo, de como forem recebidos pelos candidatos e pela população.
Conclusão
A Guiné-Bissau encontra-se, neste momento, perante um espelho político que reflecte tanto o seu passado tumultuoso como a esperança de um futuro mais estável e promissor.
As eleições de 23 de Novembro de 2025, para escolher o Presidente da República e os 102 deputados da Assembleia Nacional Popular, mostraram um país mobilizado, atento e disposto a defender o seu voto, mas também revelaram a fragilidade das instituições e o peso das suspeitas acumuladas ao longo dos anos.
O anúncio dos resultados pela CNE poderá ser um ponto de viragem: ou reafirma o compromisso democrático e gera confiança, ou reabre feridas que o país ainda não conseguiu sarar.
A estabilidade da Guiné-Bissau — e a sua credibilidade interna e externa — será definida não apenas pelo vencedor, mas pela forma como as lideranças políticas, as instituições e a sociedade civil responderão ao desfecho eleitoral, garantindo transparência e recusando a violência.
A vigilância popular observada nestas eleições é, em grande parte, uma resposta a um passado de golpes de estado e crises institucionais que fragilizaram o Estado de direito e alimentaram o cepticismo em relação aos resultados.
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Imagem: © 2025 Manuel de Almeida
