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Sexta-feira, Abril 19, 2024

Empoderamento feminino, uma questão de educação

No programa de Comportamento Seguro para Mulheres, desenvolvido no Sudão, chegou-se a treinar, na segunda vez, 2700 meninas, no todo.

Entrevista Exclusiva a Mais Afrika de Patrícia Maria Oliveira Lima, Embaixadora do Brasil nos Camarões e no Chade.

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Empoderamento feminino, uma questão de educação.

Nesta interessantíssima entrevista, realizada para o nosso canal do YouTube, +Áfrika, a actual embaixadora do Brasil nos Camarões e no Chade, Patrícia Maria Oliveira Lima, falou-nos da sua vida, dos seus desejos e do seu trabalho. Mas acima de tudo de algo que lhe é muito caro. O empoderamento feminino.

“A questão do empoderamento feminino, é uma questão de educação. E eu acho que é um processo. Não se consegue do dia para a noite, é um processo contínuo, de valorização de empoderamento”.

Ao longo de uma conversa amena, ficámos a conhecer uma Embaixadora, com quem se tem vontade de trabalhar. Uma embaixadora cujo trabalho tem sido reconhecido por onde tem passado, daí já ter recebido três condecorações. A Ordem de Rio Branco, Grau de Cavaleiro, do Brasil, a Medalha “Amigo da Marinha”, do Peru e a Ordem dos Dois Nilos, 1o grau, do Sudão.

Ficámos a conhecer um percurso de vida interessantíssimo, que se estende desde os direitos humanos ao combate ao crime, terrorismo e corrupção a uma presença política em três continentes. América do Sul, Ásia e África.

Ficámos a saber que, por trás da profissional, está a mulher, a mãe, a avó e um espírito de união com o continente africano que pautaram toda a sua carreira e objectivos de vida sem esquecer o sentimento de “pertença à terra” que defende que todos nós temos e que devíamos explorar melhor.

Nesta conversa, também ficámos a saber que, o Brasil é um investidor “tímido” e que prefere optar por uma abordagem no “agro” quando tem potencial para muito mais. O Brasil tem uma grande produção de calçado e de vestuário e não aproveita as “necessidades” de África, para exportar esses produtos, entre outros artigos que poderia também promover num intercambio bilateral benéfico para ambas as partes.

Mas mais importante de tudo, foi a conversa sobre o empoderamento feminino e sobre tudo o que esta Embaixadora de excepção fez em relação a isso. Desde aulas de defesa pessoal a, dentro dos parâmetros culturais de cada povo, promover a educação das mulheres e meninas, sobre a sua consciência como mulheres e do seu importante papel na vida e na sociedade.

Resumindo. Foi uma conversa muito interessante, por isso, aconselho que vejam o vídeo com toda a entrevista ou, em alternativa, leiam aqui, a transcrição integral da conversa amena que tivemos no programa “Grandes Entrevistas” do nosso canal do YouTube, +Áfrika.

 

A entrevista

Mais Afrika (MA): Olá, boa tarde, é um prazer estar aqui consigo. Para começar e para quem nos vai ouvir e para que a fique a conhecer um pouco melhor, pode dizer-nos quem é e contar-nos um pouco do seu percurso até aos dias de hoje?

Patrícia Lima (PL): Boa tarde. É um prazer também, uma satisfação enorme, estar aqui. Meu nome é Patrícia, eu sou brasileira, nascida em primeiro de Março de 1964 na cidade do Rio de Janeiro. Tenho 2 filhas e uma neta. Vivi grande parte da minha vida em Brasília e como quase todos os que vivem em Brasília, quase todos da minha geração, entramos no serviço Público.

Eu por uma questão muito prática. O meu sonho era fazer arquitetura, mas a arquitetura na Universidade de Brasília, era considerada da área de exatas, então necessitava matemática, então eu tive que rapidamente esquecer a arquitetura e buscar algo que não tivesse matemática.

Então, fui estudar uma das minhas paixões, História, na Universidade de Brasília, passei em direito também no Centro CEUB hoje, UniCEUB, já é uma Universidade, há época era uma faculdade. E porque o meu pai queria que eu fosse advogada, então eu satisfiz a ele, mas me tornei muito mais feliz, estudando História.

Fiz bacharelado, licenciatura e fiz mestrado e depois eu estava no mestrado, daí a especialização, em política externa brasileira, eu fui aprovada no concurso do Rio Branco. Então eu apenas cursei os créditos, não consegui defender a minha tese.

E cá estou eu, comecei na área de imigração, trabalhei também em setor político, trabalhei na área de elícitos internacionais que é uma área fascinantes e, parei no Departamento da África, onde resgatei, o que eu considero a minha vocação que é estar no continente africano, a minha grande paixão.

Então, cá estou eu no meu segundo posto africano, muito feliz, muito contente, tentando contribuiu um pouco para que as relações entre o Brasil e o continente sejam adensadas.

 

(MA): Sra. Embaixadora, ao longo da sua carreira diplomática, a Sra. Já exerceu funções em embaixadas de vários países da América Latina e agora também em África. Tirando as obvias diferenças culturais que diferenças e quais as similaridades é que a Sra. encontra entre a América do Sul e a África?

(PL): Eu acho que há mais semelhanças do que diferenças. Eu acho que um dos aspetos assim que mais me chama a atenção, é o amor à Terra. Eu pude ver isso no Peru quando eu servi no Peru, o sentimento de pertencer aquela Terra. Eu vejo isso, de forma muito flagrante aqui no Cameroun e vi no Sudão.

Eu senti o “você” pertencer a uma tribo, a um grupo, à Terra, não é? Eu acho isso o fator que talvez seja mais interessante para a gente poder trabalhar em termos culturais.

A área cultural, eu trabalhei muito pouco, mas eu acho que certamente será, juntamente aí, com todas as manifestações culturais, em artesanato, música, literatura, até futebol, se a gente pode considerar também a área do esporte, como uma boa área de cooperação aqui, sobretudo.

Então eu acho que essas esse amor à Comunidade, digamos assim, ela é o factor que perpassa tanto a América Latina, América do Sul, mais especificamente, e a África e é o que eu sinto assim de mais forte, tanto, aqui no Sudão e de alguma maneira no Brasil, a gente pouco, comenta sobre isso, mas a gente tem muito amor ao Brasil.

A gente é muito patriótica, eu acho. Em 7 de Setembro é que a gente vê isso assim de forma muito marcada. Então eu diria isso.

 

(MA): Sra. embaixadora já aqui, referiu o seu percurso académico, disse que se formou em história e que se especializou-se em história de relações Exteriores do Brasil. Eu fiquei curioso. Ao fazer esse percurso, já tinha em mente, ou melhor, já pensava seguir uma carreira diplomática ou a carreira diplomática, surgiu depois por acaso na sua vida?

(PL): Surgiu um pouco como consequência da minha aversão às matemáticas, mas de alguma maneira, eu sou filha única, então minha mãe de alguma maneira, me conduziu, minha mãe, meu pai, me conduziram, eu devo isso a eles.

Acho que me prepararam, ainda que sutilmente, para uma carreira diplomática, porque desde cedo eu estudei inglês, eu estudei francês, então acho que eles foram preparando um bom caminho, para que eu tomasse uma boa decisão.

Mas eu acho que no fundo, eles tinham essa paixão pela diplomacia que acabaram, me transmitindo e eu gosto muito do que faço, sou apaixonada pelo que faço, ainda que tenha muito, assim um desejo pela arquitetura, acho a arquitetura fascinante, mas aprendi a amar, verdadeiramente a minha profissão.

 

(MA): Sra. Embaixadora, falando um pouco de percurso, a Sra. passou por várias conferências e reuniões sobre Corrupção, Terrorismo, Justiça e Prevenção do Crime.

Esses temas que, de certa forma estão interligados, são uma página virada da sua vida, ou ainda é algo que a apaixona ou com que a Sra. se preocupa, especialmente vendo o que a gente está vivendo hoje neste mundo?

(PL): Ah, esses temas me apaixonam, ainda me apaixono e eu canalizei tudo de alguma maneira para uma paixão por estratégia. Então acho que, esses temas perpassam uma agenda de inserção estratégica em cada país.

Eu vejo aqui, por exemplo, com os militares, com o comandante às vezes comentando, sobre como você visualiza a cooperação, se você não tiver em conta, tanto os aspectos legais de uma cooperação, digamos os aspectos jurídicos ou contenção, de respeito à observância, às convenções, aos acordos, os memorandos de entendimentos, são todos instrumentos jurídicos.

Agora os temas, o temário que nos une, infelizmente hoje é uma agenda de alguma maneira negativa, porque a securitização do mundo e aí o combate a todos os ilícitos, nos leva a uma inegável discussão e à aproximação para o combate desses temas.

Então eu vejo que aqui também uma área enorme de cooperação, nessas áreas de ilícios que são fascinantes. O crime, de alguma maneira, sempre atrai, não é, não sei porquê, mas é. Basta a gente ver o número de publicações, de Teses que são feitas anualmente que são escritas anualmente sobre esses temas.

Então é um tema na pauta internacional, bastante importante, pode ser um tema, também muito interessante em termos estratégicos, para uma cooperação bastante eficaz.

 

(MA): Sra. Embaixadora, neste momento, está à frente de 2 embaixadas africanas, a embaixada dos Camarões e, por extensão, a embaixada do Chade. Já em 2019, tinha assumido a liderança da embaixada de Sudão. O que quer dizer que estes últimos anos trabalhou, sempre ligada a África.

No entanto, eu estive a ler o seu currículo e verifiquei que não é de agora que está ligada a África, porque entre 2011 e 2014, foi assessora técnica do Departamento de África do Itamaraty, ou para quem não sabe o que é o Itamaraty, é o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Quer isto dizer que a sua paixão por África é algo que já vem de trás ou aprendeu a gostar de África devido ao seu actual trabalho?

(PL): A minha paixão pela África vem de muito antes, vem de quando eu era criança, porque minha mãe teve uma complicação de saúde e, eu devia ter uns 4 ou 5 anos, ela foi salva por um médico, no hospital militar, por um médico angolano.

Então ela sempre falou com muito carinho desse médico e de alguma… enfim, pelo que ele fez por ela que detetou o problema e ele tratou a minha mãe e a curou. Então eu sempre ouvi desde criança, o quanto esse médico angolano havia transformado a vida da minha mãe e dado a ela uma segunda oportunidade de vida numa situação tão difícil.

Então eu fiquei com esse carinho dentro de mim e enfim, você vai desenrolando, eu fui da primeira turma, coincidentemente, quando eu fiz história e, do Curso de História até à cadeira de História da África, com o Professor Flávio Sombra Saraiva que é um dos maiores africanistas que hoje tem no Brasil, um dos pesquisadores mais de ponta.

Então, de alguma maneira, o meu destino também foi se associando mais e mais a África. Já estive em outros postos, já estive na África do Sul, em algumas reuniões, já estive em Lusaka, já estive em Guiné-Conakry, depois fui ao Sudão, então o meu conhecimento com Sudão, são 11 anos.

Eu fui a primeira vez para acompanhar a Independência do Sudão do Sul, depois voltei como segunda do posto, depois como chefe do posto. Enfim, é um privilégio estar aqui no Cameroun, é um país que a gente conhece e admira, sobretudo pelo futebol. Há essa ligação positiva, então a minha paixão pela África, a minha atração, digamos, uma atração mútua, já vem de bom tempo.

 

(MA): Sra. Embaixadora, durante o tempo em que foi Embaixadora no Sudão, a Sra. Lutou apaixonadamente pelo país e por um maior envolvimento do Brasil e dos empresários brasileiros, defendendo que havia muitos nichos de oportunidade que não estavam a ser aproveitados, inclusive no turismo.

Agora, como embaixadora dos Camarões e do Chade, a Sra. vai procurar trazer também essa paixão e apostar num maior envolvimento do Brasil, nestes dois países africanos? Ou em outras palavras, o que a Sra. acha que o Brasil tem para oferecer tanto aos Camarões quanto ao Chade e que benefícios poderão tirar estes 2 países e o Brasil desse intercambio?

(PL): A nossa presença no Sudão ainda é muito tímida, tanto porque eu acho que o empresário brasileiro não descobriu o Sudão, quanto por várias situações que criaram dificuldades.

O primeiro ano de 2019, foi um ano de 2 missões empresariais lá, a presença da treinadora com comportamento seguro, a treinadora de Krav Maga, é um programa voltado para Mulheres, então foi um primeiro ano, bastante bom. Até a AfroChamber esteve visitando.

Depois veio a pandemia. Então se fechou tudo, depois questões políticas impediram que que se retomassem as iniciativas para aproximar os 2 países.

Eu vejo o Cameroun, com possibilidades bastante grandes. Mas eu não sou do comércio exterior, apesar de adorar comércio exterior, mas eu vejo assim, quer dizer, se eu fosse uma empresaria brasileira hoje, se eu pudesse vender o produto Cameroun, ao empresário brasileiro… até fiz, os deveres de casa, tenho aqui um textosinho interessante, umas cifras.

Só para citar, por exemplo, o Cameroun é um país jovem, só para você ter uma ideia, de Zero a 4 anos, ou seja, crianças são 15% da população, de 5 a 12 anos, 21,5%, de 12 a 24, 10,1% e de 25 a 34 são 15%, então se você somar são 51.6% é metade, mais de metade da população.

O que é que a gente está fazendo para esses sectores? Quer dizer, a gente traz calçado? Em que setores a gente ataca? Calçado para criança, roupa para criança, material escolar, mochila, tudo que a gente produz, meia, enfim, quais são os produtos que a gente oferece para esses Bêbês, digamos, crianças e pré-adolescentes? Nada.

De 25 a 34 anos, é um Público extremamente consumidor e eu estou falando, em linhas gerais, um público que a gente não conta, mas que tem. A taxa de alfabetização do Cameroun é de quase 78%, é um nível altíssimo, ou seja, as pessoas estão entendendo, elas sabem o que querem.

Elas entendem o que se passa no mundo, elas têm acesso à informação, porque elas sabem ler, sabem, escrever, elas sabem se informar. Tem uma população feminina de 51%, pessoas vaidosas, mulheres, super vaidosas, muito elegantes, coloridas, belíssimas…

A gente vende produtos de beleza? Não. A gente vende vestuário? Não. E vestuário eu estou falando tudo, inclusive lingerie e tudo mais. Não. Vendemos calçados? Não.

A China consegue vender esses calçados horrorosos que eles produzem, em todos os países, a gente não consegue, mesmo com a fama que a gente tem, de grandes produtores. Eu não sei de onde é que a gente tem essa fama? Para consumir? Consumo interno? Não sei.

Daqui a pouco a gente vai estar também absorvendo esses calçados chineses, porque eu já vi que tem chinela comercializada. Então quer dizer, qual é o foco que a gente quer dar ao nosso comércio com o Cameroun? A gente quer fazer frente à França, União Europeia como um todo… Não vai conseguir.

Não tem como você fazer frente aos produtos chineses, a não ser que você trabalhe a educação das pessoas que elas vão, elas vão entender obviamente, o que é um produto bom e o que é um produto de quinta categoria.

Será que a gente não consegue trabalhar as nossas potencialidades? No sentido de fazer valer a qualidade dos nossos produtos, sobretudo focadas nesses nichos de oportunidade? Eu acho que talvez fosse o caso de a gente repensar qual é a nossa pauta, o que é que a gente quer e deixar também um pouco de subestimar… há não. É só produto agrícola. Porquê? Porquê só agrícola?

Aqui você tem uma população, você tem lojas de roupas e sapatos franceses, autênticos, ou seja, aqui se entende muito bem o que é bom e o que não é bom, o que eu quero e o que eu não quero, o que eu vou consumir e o que é que não vou consumir. Acho que é uma questão de escolha nossa, não é? O que vender, não é?

Enfim, falei muito, me estendi, mas eu acho que é mais ou menos isso que eu entendo como é que a gente pode dar um salto de qualidade no intercambio.

 

(MA): Puxando um pouco aquilo que falou atrás sobre o Sudão e sobre as mulheres e sobre o Krav Maga, eu sei que promoveu um treino em comportamento seguro e defesa pessoal para mulheres e meninas, no Sudão, promovendo o empoderamento feminino.

Eu pessoalmente, sou também treinador e praticante de Krav Maga, portanto, mais do que a maioria, percebo a necessidade de todos nós e em particular as mulheres, de terem noções básicas de defesa pessoal, é extremamente importante e isso passa um pouco à parte, as pessoas não se dão conta disso.

Mas, no entanto, estamos a falar de África, onde, infelizmente, a mulher continua a ser completamente desvalorizada. Acha que é possível transmitir estes conhecimentos às mulheres africanas, dar-lhes uma noção de que elas são mais do que aquilo que querem que elas sejam, criando, talvez, algum tipo de programa para a sua valorização?

(PL): Eu acho que sim. A questão do empoderamento feminino, é uma questão de educação. E eu acho que é um processo. Não se consegue do dia para a noite, é um processo contínuo, de valorização de empoderamento.

Eu vejo, por exemplo, pelo curto, foram 2 vezes em que a Vanessa que é a Presidente da Federação Sul Americana de Krav Maga e era minha treinadora, no Sudão ela treinou a primeira vez, todo mundo ficou assombrado e a gente não podia falar de Krav Maga, porque tem origem israelense e o país é muçulmano.

Então adoptamos a nomenclatura e o programa que a Vanessa desenvolveu, de Comportamento Seguro para Mulheres. Então ela chegou a treinar na segunda vez, 2700 meninas, no todo.

É um número expressivo e eu quero trazer Vanessa para cá, porque as oportunidades são as do dia a dia. A vantagem do Krav Maga, não é que você precisa de uma arma para se defender, você precisa do seu joelho, do seu pé, da sua mão.

Então é algo plenamente factível e é algo que já diferencia o seu comportamento, você se sente naturalmente empoderada, dona do seu corpo, então passível de se, digamos, se ofendida ou se submetida a algum tipo de piropo no meio da rua, mas você consegue se defender e consegue até decidir, não se defender.

É uma decisão que o comportamento seguro te dá, você se sentirá empoderada. E eu acho que sim, todas essas ações, conseguem, pouco a pouco, transformar a vida de várias meninas e jovens e mulheres até de mais idade.

Por exemplo, na Nigéria, está sendo desenvolvido atualmente, um programa, não do Krav Maga, mas defesa pessoal, em Mulheres do campo, são aquelas que normalmente estão mais vulneráveis, porque elas vão catar lenha, vão buscar água e aí o acosso se dá de uma maneira… até os finalmente não é.

O estupro é em regra o que acontece em zonas mais remotas, fora das cidades, e essas mulheres, estão-se conseguindo defender e a tomar consciência do papel delas, se valorizarem, então eu acho que é tudo um processo e acho que o processo não parte claramente, parte de educação.

Agora, de repente, programas e iniciativas como a de comportamento seguro e defesa pessoal, podem contribuir, para que esse empoderamento, alcance outros níveis e outros patamares.

 

(MA): Sra. Embaixadora, para finalizarmos esta parte da entrevista, gostaria de lhe fazer uma última pergunta. Claramente a Sra. é uma pessoa bastante preocupada com a falta de voz feminina no mundo e eu imagino que como mulher a Sra. terá tido algumas dificuldades com os seus colegas homens e, até para chegar onde a Sra. chegou.

Infelizmente, esse problema não é só brasileiro nem africano é do mundo inteiro, mas a África, está muito atrasada nessa necessidade da libertação feminina. Com base na sua experiência e com o que aprendeu nos países por onde a Sra. Passou, o que acha que pode ou deve ser feito, para alterar esse paradigma.

(PL): Eu acho que tem tudo de ser feito com muito cuidado, porque é uma questão cultural também. Quer dizer, o que eu vejo, por exemplo e comentei às vezes com algumas pessoas que diziam; pobres mulheres muçulmanas com aquele véu.

Pobres porquê? Elas se sentem bem assim. São nossos olhos que acham que elas são muito infelizes, mas de repente não. Algumas estarão infelizes com ou sem véu. Enfim, é algo que elas viram a mãe, a avó, com o véu, é algo natural, faz parte.

E a gente fala também da África, mas por exemplo, eu servi em um consulado na América do Sul, em que a gente atendia mulheres brasileiras, casadas com locais que eram diariamente submetidas a surras. E o local culturalmente não era negativo, mas era assim mesmo, o homem tem esse direito.

É como em outros países, em que você acha que o irmão tem o direito de bater na irmã, então, é uma aproximação, talvez a gente, tenha que ter muito cuidado com relação ao que a gente vê e como a gente sente e interpreta. Às vezes as pessoas estão muito bem. Às vezes não.

É aí que você pode ajudar, aos que não se sentem bem, não é aos que estão bem, os que conviveram com essa realidade para sempre. Como uma mulher que diz, não eu preciso depender do meu marido, mesmo que eu não vou ter que sair, procurar emprego, não vou ter que ir andar de ónibus. Enfim, é uma escolha.

Ela pode se felicitar com essa escolha? Pode, de repente, ela está muito contente, fazendo lá a comida dela, chegando em casa, o marido, com os filhos… cada um traço o seu rumo.

Acho que de uma maneira geral, o que a gente tem que combater, são as desigualdades, são os tratamentos desumanos, são os tratamentos abusivos. Então é tratar o lado psicológico dessas mulheres.

Agora, o que é o aspecto cultural, tem que ter muito cuidado, eu acho, não invadir o que é culturalmente aceite, porque senão é uma ingerência que pode causar mais problema do que você tentar ajudar essas mulheres.

Então é e com muito tato e eu acho que é a educação, como eu já falei antes, é que abre esses caminhos, na medida em que você tem níveis de educação maiores, maiores serão as oportunidades para as mulheres irem mais longe.

(MA): Sim, o respeito à a cultura é extremamente importante, não é?

(PL): Acho que sim, acho que sim.

 

(MA): Sra. Embaixadora, muito obrigado por nos ter concedido esta entrevista, mas antes de nos despedirmos, não se esqueça do nosso desafio. Pedimos que escolhesse, no nosso site Mais Afrika, uma notícia publicada recentemente e que a comentasse.

A notícia que a Sra. Embaixadora Patrícia Lima escolheu, foi publicada no dia 31 de Julho de 2022. É um pouco óbvio, qual é que foi a notícia escolhida, pois este dia é o Dia da Mulher Africana.

Sra. Embaixadora. Pode então, primeiro explicar-nos, se é que ainda restam dúvidas, porque é que escolheu esta notícia e, depois tal como desafiado, comentá-la?

(PL): Identificação, como você disse, natural, com o tema de género e… eu acho que esses dias são importantes e servem para ser comemorados, relembrados e, nesses dias, a gente deve comemorar as conquistas e o que falta.

Esse ano, no Sudão, eu celebrei o Dia da África e acho que é sempre bom você lembrar esses dias, porque nós temos tanto de África, no sangue, nos costumes, na alimentação, então é bom a gente sempre relembrar de onde a gente veio, não é? E nós brasileiras, quer dizer, antes de sermos mulheres, somos filhas, somos mães, somos profissionais e a mulher africana também é tudo isso.

A gente não pode esquecer que não é só. Eu acho muito bonito, muito rectórico, quando no Brasil a gente ouve, eu acho tão lindo, a Mamã África… sim é lindo, mas o que você conhece da Mamã África?

Então, essas oportunidades são interessantes para a gente mostrar um pouco do que é a África no seu sentido positivo, no seu sentido mais bonito, mais belo e o que a gente carrega na gente, é o que tenta pelo menos, preservar na gente. É o pouco da África que nos é tão caro e que, nos faz, de repente, faz a todos nós nos sentirmos tão bem quando estamos no continente. Acho que é isso.

 

(MA): Já agora, como se costuma dizer, está com tempo de antena. Se a Sra. Embaixadora quiser falar de algum tema que ache pertinente e que não foi abordado na entrevista, pode aproveitar, tenho a certeza de que os nossos seguidores vão gostar de a ouvir.

(PL): Queria agradecer, a oportunidade de veicular, enfim, um pouco do que eu penso, não é? Na qualidade de aqui de chefe do posto, é muito pouco o que se pode fazer, no fundo, às vezes o trabalho, passa muito rápido. Eu vejo que os 3 anos e meio do Sudão passaram e eu me lembro de quando eu cheguei lá.

Já estou contando quase um mês que estou aqui, então, o tempo hoje passa muito rápido, então vamos tentar imprimir qualidade, ao trabalho. Não estou querendo dizer que não haja tido qualidade antes, é óbvio, os colegas que me antecederam, deixaram as suas marcas aqui, graças a Deus, sobretudo, criaram as condições para que eu pudesse chegar e ser muito bem recebida.

O que tenho sido. Sempre as pessoas falam com muito carinho e com muito entusiasmo do Brasil, certamente credito aos meus colegas que estiveram aqui antes de mim.

E o meu intuito é perseverar, nessa obra nesse bom trabalho que eles começaram, seguir adiante e, daqui a alguns dias, em função do tempo que passa voando, passar para o meu sucessor, um bom nome do Brasil, se Deus quiser um bom estado das nossas exportações, uma maior diversificação da nossa pauta de comércio bilateral.

Quem sabe, mais cursos de português, mais aulas de português, temos aqui uma professora fantástica, do Cameroun que viveu muitos anos no Brasil, é um privilégio tê-la aqui connosco. E quem sabe, mais futebol, mais bijuteria, mais produtos de maquilhagem, mais batom, mais sombra, mais roupa infantil, mais calçado infantil, aqui no Cameroun. Só me vai dar uma imensa satisfação.

Quando a gente vem no exterior e, sobretudo, aqui, eu me lembro que me emocionei muito ao ver um menino de rua, no Sudão e escrito atrás, Neimar.

Nem tenho grande simpatia pelo Neimar, mas eu achei tão bonito ver a camisa do futebol brasileiro, é um símbolo do Brasil e isso emociona. Então que a gente esteja mais presente no Cameroun, até porque eu acho que eles merecem que a gente abra uma via de mão dupla mais intensa, é isso.

 

(MA): Da minha parte, foi um prazer estar aqui consigo e acredito que quem vir/ler a entrevista também vai achar o mesmo. Por isso em nome de todos nós, portanto, Mais Afrika e dos nossos seguidores, agradeço a sua disponibilidade e… esperemos que possamos voltar a ter uma conversa no futuro. Até breve.

(PL): Estarei à disposição, um abraço a todos, até uma outra oportunidade.

 

(MA): Obrigada até breve.

 

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Imagem: © 2022 Francisco Lopes-Santos 
Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Ex-atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Ex-atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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