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ToggleBrasil dá Formação aos PALOP na Agricultura
O Brasil iniciou um programa de formação técnica para jovens dos PALOP nas cadeias produtivas de caju e cacau. A iniciativa, coordenada pelo Instituto Brasil-África, envolve 50 angolanos e 50 guineenses em treinos intensivos. As acções decorrem em Abril e Maio nos estados brasileiros da Bahia e do Ceará. O projecto visa fortalecer a economia agrícola africana através de conhecimento especializado.
Angola e Guiné-Bissau são os primeiros países africanos a beneficiar do Youth Technical Training Program (YTTP), uma cooperação triangular entre Brasil, PALOP e Emirados Árabes Unidos. Os jovens angolanos focam-se no cacau, com formação em Ilhéus e Itabuna (Bahia), de 07 a 18 de Abril. Já os guineenses aprendem técnicas modernas de processamento de caju no Ceará, entre 05 e 16 de Maio.
João Bosco Monte, presidente do Instituto Brasil-África, destacou a importância estratégica dos sectores escolhidos. Para Angola, o cacau surge como alternativa à dependência do petróleo, enquanto a Guiné-Bissau procura agregar valor ao caju, responsável por 90% das suas exportações.
Ambos os países enfrentam estes desafios com métodos tradicionais e baixa mecanização, factores que limitam a competitividade mundisl.
O programa alia-se às políticas governamentais angolanas de diversificação económica, promovendo a agricultura sustentável. Na Guiné-Bissau, a meta é modernizar a cadeia produtiva, reduzindo a exportação de matéria-prima bruta. Até 2026, o instituto planeia treinar 1.000 jovens africanos, com Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe na lista de futuros participantes.
Cacau: Raízes e Futuro
A história do cacau em Angola remonta ao período colonial, quando o país era um dos maiores exportadores de café do mundo. Hoje, porém, Angola importa 80% do chocolate que consome, um paradoxo para um território com clima tropical ideal para o cultivo. O projecto da Mota-Engil em Cabinda, iniciado em 2022, tenta reverter esta realidade com a plantação de 6.000 hectares de cacau até 2030.
A empresa utiliza clones melhorados geneticamente, desenvolvidos em parceria com especialistas brasileiros e são-tomenses. No Centro de Desenvolvimento Clonal de Chiela, em Cabinda, as mudas são enxertadas com material genético de alta produtividade.
“Cada pé pode dar três colheitas anuais, contra uma única no sistema tradicional”, explicou Ricardo Souza, director técnico do projecto.
A meta é produzir 15.000 toneladas anuais, destinadas a mercados premium na Europa e Ásia. Os desafios, porém, são enormes: apenas 2% das terras angolanas usam mecanização, segundo dados do ex-ministro da Agricultura Marcos Nhunga. Os 50 jovens angolanos em formação no Brasil aprendem técnicas inovadoras, como o uso de drones para controlarem as pragas e sistemas de irrigação por gota a gota.
Um módulo especial foca-se na certificação internacional, crucial para exportar cacau orgânico a preços até 30% superiores.
“Queremos que Angola domine toda a cadeia, desde o cultivo até à venda de chocolate embalado”, afirmou João Bosco Monte.
A falta de infraestruturas, porém, ameaça o sucesso do projecto. Em 2019, um fundo suíço injectou 300 milhões de dólares no sector, mas a ausência de armazéns climatizados levou a perdas de 30% na colheita de 2023. A Mamaland, subsidiária da Mota-Engil, está a construir unidades de armazenamento com apoio dos Emirados Árabes, mas o progresso é lento devido a entraves burocráticos.
As Parcerias
Várias parcerias estratégicas tentam suprir essas lacunas. A Trooper Group, da África do Sul, fornecerá maquinaria agrícola em troca de contractos de exportação. Já a Agri All Africa, plataforma que reúne 3.500 agricultores, oferece canais de distribuição para o cacau angolano. O objectivo é claro: transformar Cabinda num hub regional, competindo com a Costa do Marfim e o Gana.
O impacto social é igualmente relevante. O projecto da Mota-Engil prevê a criação de 1.200 empregos directos até 2026, muitos destinados a jovens formados no YTTP.
“Estamos a ensinar técnicas de gestão de cooperativas para garantir que o lucro chegue às comunidades”
Explicou João Magalhães, responsável pela Mamaland confirmando também que, a longo prazo, a meta é reduzir as importações de chocolate que custam ao país 12 milhões de dólares anuais.
Caju: Da Lavoura ao Mercado
Na Guiné-Bissau, o caju é mais do que uma cultura: é a espinha dorsal da economia, sustentando 250 mil famílias. O país exporta 90% da sua produção em estado bruto, principalmente para a Índia que reprocessa as castanhas e as vende a preços dez vezes superiores.
O programa YTTP quer mudar esta equação. Os 50 jovens guineenses em formação no Ceará vão aprender a dominar todas as etapas da cadeia. Nas aulas práticas, torram castanhas em fornos solares, descascam-nas com equipamentos manuais e embalam-nas a vácuo.
“A chave é processar localmente para reter o valor agregado”, explicou João Bosco Monte.
As tecnologias adaptadas, como seladoras que funcionam sem electricidade, serão replicadas nas zonas rurais da Guiné-Bissau. A energia, por outro lado, é um obstáculo crítico. Apenas 8% das áreas rurais têm acesso estável à electricidade, segundo o Banco Mundial. Como solução, os formadores brasileiros ensinam o uso de biomassa da casca do caju para alimentar fornos.
“Cada tonelada de casca gera energia equivalente a 200 litros de diesel”, calculou André Botha, da Agri All Africa.
Os investimentos externos também tentam acelerar a mudança. O Grupo Trooper, da África do Sul, comprometeu-se a injectar 525 milhões de dólares em cadeias de frio e armazéns até 2025. Já a FAO apoia programas de reflorestamento pós-colheita, combatendo a desertificação causada pelo cultivo intensivo.
Os resultados começam a surgir. Em 2023, uma cooperativa em Bissau processou 10 toneladas de caju torrado, vendidas a 15 dólares/kg para a Europa. O lucro por família aumentou de 200 para 500 dólares/ano.
A meta é processar 50% da produção até 2027, reduzindo a dependência de intermediários estrangeiros. A formação inclui até lições de marketing digital. Os participantes aprendem a usar plataformas como NutsAfrica para vender directamente a compradores de todo o mundo.
Conclusão
O YTTP representa uma viragem na cooperação internacional, dando prioridade a formação sobre assistencialismo. Angola e a Guiné-Bissau já testam um modelo que alia know-how brasileiro, financiamento árabe e recursos africanos.
Os desafios persistem: estradas esburacadas em Cabinda e falta de energia na Guiné-Bissau mostram que a formação técnica só floresce com infraestruturas sólidas. O Brasil faz a sua parte, mas o sucesso final depende de reformas locais.
A próxima fase inclui Moçambique e Cabo Verde, onde o foco será o café e o coco. O sonho é claro: transformar os PALOP em potências agrícolas, não apenas fornecedores de matéria-prima.
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Imagem: © 2016 Bishnu Sarangi / Pixabay