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África, continente onde o mito e a realidade se entrelaçam nas sombras das florestas e nas profundezas dos rios, esconde criaturas que desafiam a ciência. Enquanto noutros continentes os “animais fantásticos” são explorados como atracção, aqui eles permanecem segredos guardados a sete chaves pelas comunidades locais.
Esta série, em 4 partes, sobre os Animais Fantásticos de África, mergulha nos criptídeos (1) africanos – seres cuja existência é testemunhada, mas até agora não comprovada pela ciência tradicional.
Da bacia do Congo às savanas do Quénia, vamos desvendar lendas ancestrais e investigações modernas que questionam os limites do conhecido. Nesta última parte a Parte IV, vamos celebrar os casos em que os mitos e a lenda se tornaram realidade e viraram ciência.
Prepara-te para uma viagem pela surpresa e pelo inexplicável que só poderia acontecer nesta “Africa Desconhecida”.
Parte 4: Quando a Lenda Vira Ciência

O Marsupilami é um animal fantástico que, supostamente, existe na América do Sul e em África.
Quem é fan de Banda Desenhada, deve neste momento estar surpreso e a pensar que o famoso Marsupilami, criado por André Franquin, afinal é um animal baseado num Criptídeo que já existia e que ele apenas teria adaptado esse Criptídeo há Banda Desenhada.
Na realidade, não. A história é muito mais bizarra e só mostra ao ponto que, a vontade do ser humano, em acreditar em algo, consegue suplantar todas as realidades.
André Franquin, inventou/criou o Marsupilami em 1952 e lançou-o nesse mesmo ano no álbum de banda desenhada “Spirou e os Herdeiros”, dando-lhe o nome científico de Marsupilamus fantasii (2). A sua versão africana o Marsupilamus africanus, aparece pela primeira vez em 1956, no álbum “Blondin e Cirage e os discos voadores”, desenhado por Jijé (3).
Ao longo dos anos, vão aparecendo outras espécies de Marsupilamis, nos vários álbuns de Spirou. Por isso, em 1985, Franquin tentou saber como poderia dar um nome científico oficial ao Marsupilami, já que este existia como Marsupilamus fantasii desde 1952.
No entanto, ele não tinha levado em conta o artigo nº13 do código internacional de nomenclatura zoológica que diz que o nome dado a uma espécie nova só é válido quando houver uma publicação da descrição científica dessa espécie.
Franquim resolve então contactar o chefe do departamento de educação e da natureza do Institut Royal des Sciences Naturelles de Belgique (Instituto Real das Ciências Naturais da Bélgica), Alan Quintart e desafia-o a escrever um artigo sobre o Marsupilami de forma que este parecesse um animal verdadeiro e a publicá-la.
Quintart, aceitou o desafio e, em 1989, escreveu toda a morfologia do Marsupilami, classificando-o como um mamífero da ordem “Monotremata” (monotrématos), já que ele põe ovos, explicando inclusive que originalmente teria sido mal classificado na infraclasse “Marsupialia” (marsupiais), daí o seu nome Marsupilami.
Continuando a descrição, a partir desse ponto, explicou a sua origem, a sua cor e variantes, peso, altura, hábitos alimentares, etc. Terminada a descrição atribui-lhe o nome científico de “Marsupilami franquini”, já que as espécies novas têm por norma no seu nome científico o nome de quem a descobriu, neste caso o de André Franquin (4).
Depois de apresentar a Franquin o artigo, decidiram publicá-lo na revista belga “Les Naturalistes Belges”, com o nome, “Le Marsupilami, une espèce nouvelle pour la Science”. Para surpresa deles, ninguém se apercebeu que o artigo se tratava de uma brincadeira e não de um verdadeiro artigo científico.
Inclusive, surgiram uma série de outras publicações e vários outros artigos sobre o tema, tendo mesmo a reputada revista britânica Zoological Record, considerada a bíblia da zoologia que cobre as descobertas científicas do ano, publicado em 1989, na edição 89-90 a história do Marsupilami, atribuindo-lhe o número 6093, para uma nova espécie (5).
É claro que a brincadeira não podia ter durado para sempre, mas apesar de o logro ter sido desfeito, o Muséum des sciences naturelles de Belgique (Museu das Ciências Naturais da Bélgica) manteve durante anos uma exposição permanente sobre o Marsupilami, o que levou a que ainda hoje, existam pessoas que pensam que o Marsupilami, é de facto, um animal verdadeiro (6).
Desta forma conclui-se que se a mente humana é capaz de transformar um animal inventado/criado para uma banda desenhada, em um animal verdadeiro, também é possível e exequível que a mente humana quando se depara com um fenómeno na natureza que não consegue compreender ou identificar, transforme esse fenómeno, neste caso, estes animais, em algo fantasioso e fantástico.
Uma coisa é certa, os nossos cérebros não podem aceitar que, algo aparentemente inverosímil e ilógico, possa de facto não ser verdadeiro, assumindo que na realidade esse objecto/animal, exista.
10 Críptidos Que Deixaram de o Ser
Aqui vai um pequeno exemplo que é capaz de surpreender muita gente e que, curiosamente ou não, tem 3 entradas africanas.
Esturjão do Atlântico (Acipenser oxyrinchus oxyrinchus)
Até um peixe esguio de 3 metros de comprimento ter sido filmado em uma praia do estado americano da Carolina do Sul, pensava-se que os temidos monstros marinhos não existiam.
No entanto, este monstro marinho, não é mais do que uma espécie de peixe muito antiga que pouca alteração sofreu nos últimos 10 mil anos, o que lhe confere uma aparência meio pré-histórica semelhante a um monstro.
Axolote (Ambystoma mexicanum)
![Imagem: © GNU / CC BY-SA 2.5-3.0-4.0 [Wikipédia] (20250603) Animais Fantásticos de África (Parte IV)](https://live.staticflickr.com/65535/54611555136_560b7ea726_b.jpg)
Os axolotes são uma espécie de anfíbio que conserva muitas características de sua fase de girino. As estranhas “antenas” tornam-no ainda mais estranho. Considerado um mito, descobriu-se que o “monstro” tem pouco mais de 25 cm.
A sua grande capacidade de regeneração, já levou a que a comunidade científica mapeasse o seu genoma, o maior identificado até agora, com 32 bilhões de pares de bases de DNA, dez vezes maior que o genoma humano, com apenas 3,2 bilhões de pares.
Lula-gigante (Architeuthis spp.)
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Depois de várias investigações, descobriram que as fêmeas podem alcançar os 13 metros de comprimento da cabeça até a ponta dos tentáculos.
Celacanto (Latimeria chalumnae)
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Existindo a 400 milhões de anos, cerca de 170 milhões de anos antes do surgimento dos dinossáurios, este peixe possui dois pares de nadadeiras dianteiras que funcionam como patas, permitindo-o andar fora de água.
Pensava-se que estivesse extinto e quando foi visto na região da África do Sul, ninguém acreditou que fosse verdade e pensaram tratar-se de uma brincadeira, no entanto, foi redescoberto em 1938, o que faz com que este peixe seja um verdadeiro fóssil vivo.
Macaco-narigudo (Nasalis larvatus tuizada)
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O seu nariz avantajado serve para atrair as fêmeas na hora do acasalamento. É considerado pelos nativos como um ser vindo de outro plano de existência e que terá descido à terra com a intenção de melhorar os seres humanos com exemplos de carácter e generosidade para transformar o mundo em um lugar melhor.
Ocapi (Okapia johnstoni)
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No entanto, a sua existência foi confirmada em 1901, ao ser descoberto na Républica do Congo sendo classificado como o parente mais próximo da girafa.
Ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus)
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Os próprios aborígenes australianos descreviam-no como um cruzamento entre um pato e um rato d’água e quando o primeiro exemplar foi empalhado, muitos cientistas acreditavam que era uma fraude, depois disso, ainda se levou mais de 2 anos, para se encontrarem provas fidedignas do ornitorrinco para este ser reconhecido como real.
Orictéropo (Orycteropus afer)
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É um mamífero africano que pode ser encontrado na África central e meridional, nas regiões de solos arenosos ou argilosos. Tem hábitos solitários e nocturnos: dorme durante o dia na sua toca e só sai à noite para procurar alimento. A sua dentição é tão peculiar e diferente de todos os outros animais que fez com que fosse classificado numa ordem especifica para ele a Tubulidentata.
Foram considerados durante anos como um mito, devido ao facto de serem tão solitários e ariscos (ao menor sinal de perigo, apoia-se na forte cauda e rapidamente cava um esconderijo) .
Tigre-da-Tasmânia (Thylacinus cynocephalus)
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Levou-se algum tempo a comprovar que existia e quando o descobriram, perceberam que o tigre-da-tasmânia tem pouco de tigre, apesar das listras assim o indicarem e de se parecer mais com um cruzamento estranho entre um cão e um felino.
Ao fim e ao cabo, é um marsupial, parente dos cangurus. O último exemplar morreu supostamente em 1936, no entanto ainda hoje continuam a surgir relatos de pegadas e de avistamentos regulares, pelo que há quem afirme que a sua morte anunciada é muito precipitada.
Dragão-de-Komodo (Varanus komodoensis)
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No entanto, em 1910 os cientistas encontraram o estranho animal que foi apelidado de dragão-de-komodo, um lagarto monitor que pode alcançar 3 metros de comprimento, com dentes afiados como os de um tubarão-branco e saliva venenosa. Só lhe faltava voar e cuspir fogo para ser igual aos Dragões da mitologia antiga.
Reflexão Final
O Mito Como Farol da Ciência
“O mito é a antecipação da ciência” – Adolph E. Jensen
Esta afirmação do antropólogo Ellegard Jensen ganha vida e contexto através das savanas e florestas africanas. Cada relato de um Dingonek ou do Mokele-mbembe não é apenas folclore, é antes, um mapa não decifrado para possíveis descobertas.
A história prova que o desconhecido impulsiona a ciência. Acerca desse “fenómeno” em África o criptozoólogo Bernard Heuvelmans afirmou:
“O continente africano é um baú fechado. E as chaves? Estão nas mãos de quem ainda ouve os anciões”.
A Lenda Feita Realidade
- Celacanto, um peixe “pré-histórico” dado como extinto há 66 milhões de anos, foi redescoberto em 1938 na África do Sul porque pescadores locais insistiam: “Há um peixe que caminha aqui”.Ocapi (1901)
- Ocapi, uma “zebra com pescoço de girafa”, foi considerado piada até 1901, quando expedições confirmaram sua existência nos bosques do Congo.
- Orictéropo, uma criatura nocturna com focinho de porco e garras de toupeira, era tido como “fábula de caçadores” (descoberto no século XVIII, mas só estudado no século XX). O seu isolamento e hábitos ariscos fizeram-no o símbolo máximo do segredo que se rende à persistência científica.
Este trio prova que África ainda guarda muitos segredos – e a lição é clara:
“Onde há fogo de lenda, há fumo de realidade à espera de ser descoberta” – Francisco Lopes-Santos
Enquanto surgem novos relatos (como o gato dourado de Zanzibar ou o crocodilo laranja das cavernas do Gabão), a ciência aprende a humildade:
África permanece o último reduto de mistérios zoológicos não por falta de tecnologia, mas pela magnitude de seus segredos. Enquanto a Amazónia tem 80% do seu território coberto por satélites, as florestas do Congo têm regiões onde “o GPS falha e as histórias dos pigmeus tornam-se a única cartografia”, como escreveu o explorador Roy Mackal.
E a realidade de África é mesmo essa, às vezes, a bússola mais precisa não é a do GPS, mas siam a da sabedoria ancestral.
O Urso Nandi pode ser o próximo a sair das sombras, ou quem sabe o tão famoso Mokele-mbembe. Até lá, África continuará a ser o grande laboratório onde os mitos se transformam em lendas e as lendas em verdades – uma criatura de cada vez.
FIM
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Notas e Bibliografia
- Os Criptídeos são animais que se acredita que possam existir em algum lugar da natureza, mas cuja existência é duvidosa ou controversa, não sendo fundamentada pela ciência.
- Franquin, André. Spirou et les héritiers. Charleroi: Éditions Dupuis, 1952. ISBN 2-8001-0006-0.
- Jijé. Blondin et Cirage et les Soucoupes Volantes. Charleroi: Éditions Dupuis, 1956.
- Devaux, Geoffrey. Le Marsupilami existe vraiment! dhnet.be. [Online] 08 de Abril de 2005. [Citação: 17 de Dezembro de 2020.] https://www.dhnet.be/archive/le-marsupilami-existe-vraiment-51b8182ae4b0de6db99e6deb.
- ZoologicalRecord. Marsupilami franquini Quintart 1989. organismnames.com. [Online] 1989. [Citação: 17 de Dezembro de 2020.] http://organismnames.com/details.htm?lsid=787453.
- Musée nacional d’histoire naturelle. Le Marsupilami (09.07.98-30.08.98). Musée nacional d’histoire naturelle. [Online] 1998. [Citação: 20 de Dezembro de 2020.] https://www.mnhn.lu/blog/1998/07/le-marsupilami-09-07-98-30-08-98/.
(1) Marsupilamus africanus
Imagens GNU / CC BY-SA 2.5-3.0-4.0 [Wikipédia]
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Imagem: © 2021 Francisco Lopes-Santos