África do Sul Pede Força Da ONU Para Gaza.
Nesta segunda-feira, 30 de Outubro de 2023, a África do Sul fez um apelo urgente às Nações Unidas, solicitando o envio imediato de uma força de proteção a Gaza para garantir a segurança dos civis perante os contínuos ataques israelitas.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros emitiu um comunicado em que reforça a necessidade de uma ação global séria, à luz do elevado número astronómico de não combatentes, incluindo mais de 3000 crianças que perderam a vida.
O Pedido da África do Sul
Este pedido ocorre num contexto em que Israel continua a realizar intensos bombardeamentos aéreos e de artilharia em Gaza, simultaneamente com a expansão das operações terrestres das forças israelitas.
A guerra entre Israel e o grupo militante palestiniano Hamas foi desencadeada após um ataque transfronteiriço mortal do Hamas a partir da Faixa de Gaza, a 7 de Outubro de 2023, resultando na morte de cerca de 1.400 civis e soldados israelitas.
No entanto, as autoridades de saúde em Gaza, sob o controlo do Hamas, alegam que, desde então, mais de oito mil pessoas perderam a vida, incluindo muitas mulheres e crianças. Organizações humanitárias têm enfrentado dificuldades para prestar auxílio a estas pessoas.
Crescem os apelos internacionais para proteger os civis palestinianos, que se encontram encurralados no conflito. A África do Sul, com a sua longa história de defesa da paz na região e o seu passado de apartheid, comparou a situação dos palestinianos à sua própria experiência.
No entanto, ao solicitar uma força de proteção da ONU, a África do Sul foi além do que a maioria das nações defendeu, já que algumas apenas apelaram a um cessar-fogo ou à abertura de corredores humanitários.
As Divisões na África do Sul
O conflito Israel-Palestina continua a dividir os políticos sul-africanos, revelando alianças históricas e posições variadas.
O ataque do Hamas a Israel gerou respostas diversificadas no cenário da política sul-africana. Essas reações refletem a longa história do envolvimento da África do Sul no conflito israelo-palestiniano que remonta a antes do estabelecimento da democracia em 1994 e tem um significado simbólico para muitos no país.
Assim como aconteceu com a guerra na Ucrânia, a postura perante este conflito permite às partes extremar as suas posições na luta contra ou a favor da influência ocidental global.
É preciso não esquecer que o governo sul-africano já anteriormente, tinha manifestado preocupação em relação à situação dos palestinianos na região da Cisjordânia, apontando a ocupação de partes significativas do território e a construção de novos colonatos por parte de Israel como flagrantes violações do direito internacional.
Durante a segunda reunião dos Chefes de Missão Palestiniana em África, a Ministra das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Naledi Pandor, afirmou que a narrativa palestiniana evoca experiências da própria história de segregação racial e opressão da África do Sul.
Ela relembrou que os sul-africanos vivenciaram em primeira mão os efeitos da desigualdade racial, discriminação e negação e, portanto, não podem permitir que mais uma geração palestiniana fique para trás devido à segregação causada pelo estado de Israel.
Pandor também pediu à ONU, a classificação de Israel, como um estado terrorista baseado em apartheid e solicitou a criação de um comité pela Assembleia Geral das Nações Unidas para verificar as ações do governo de israelita.
A Opinião do ANC
O governo sul-africano, liderado pelo Congresso Nacional Africano (ANC), descreveu os acontecimentos recentes como uma “escalada devastadora”, atribuindo a responsabilidade principalmente a Israel e às suas políticas segregacionistas.
Políticas essas que incluem a ocupação contínua de territórios palestinianos, a expansão de colonatos, a profanação de locais sagrados muçulmanos e cristãos, bem como a opressão persistente do povo palestiniano.
Esta situação requer uma cessação imediata da violência, contenção e esforços para alcançar a paz entre Israel e a Palestina. O ANC também incentivou Israel a adotar a solução política de dois Estados, como meio de resolver o conflito que envolve a criação de um Estado palestiniano independente a par de Israel.
Por outro lado, o ANC emitiu uma declaração em nome do partido, demonstrando um apoio ainda mais explícito ao Hamas. O porta-voz nacional do partido, Mahlengi Bhengu-Motsiri, defendeu as ações do Hamas, invocando a duradoura solidariedade entre o ANC e a causa palestiniana.
Para muitos, a história do apartheid na África do Sul lembra a atual realidade da Palestina ocupada, e a decisão dos palestinianos de resistir à brutalidade do regime de colonos israelitas é compreensível.
A Opinião dos Outros Partidos
O partido pan-africanista de extrema-esquerda, os Combatentes pela Liberdade Económica (EFF) que se formou após uma cisão do ANC e agora é o terceiro maior partido no parlamento, endossou o recurso à violência pelo Hamas. Estabelecendo paralelos com a luta contra o apartheid, o porta-voz do partido responsabilizou diretamente Israel.
Por outro lado, vários movimentos demonstraram solidariedade com Israel. A Aliança Democrática Liberal, o principal partido da oposição, condenou veementemente o “ataque não provocado” do Hamas, repudiando a violência indiscriminada e os atos de terror contra civis, incluindo mulheres e crianças.
Alguns partidos centristas ou tradicionalistas, como a Aliança Patriótica e o Partido da Liberdade Inkatha, também expressaram críticas aos ataques do Hamas. As principais organizações judaicas da África do Sul também manifestaram apoio a Israel.
Raízes históricas
O apoio inabalável à causa palestiniana tem sido uma constante na política externa da África do Sul desde que o ANC assumiu o poder em 1994. Esta postura transformou o país numa das vozes mais proeminentes na crítica a Israel a nível global.
O ANC apoiou o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que procura replicar a campanha icónica de boicote anti-apartheid. As autoridades sul-africanas rotineiramente acusaram Israel de praticar o apartheid. Recentemente, o parlamento do país votou a favor da redução formal das relações diplomáticas com Israel.
Ao longo de quase uma década, a relação entre a África do Sul e Israel, foi sempre tensa e tanto o ANC quanto algumas formações pan-africanistas tiveram perspetivas mais complexas sobre Israel e o sionismo.
Durante as décadas de 1940 a 1960, eles expressaram apoio ao Estado judeu. No início da década de 1960, tanto o ANC quanto o seu principal rival, o Congresso Pan-Africanista (PAC), consideraram Israel como um possível aliado na luta contra o apartheid. O PAC, por exemplo, recebeu apoio financeiro substancial de Israel até 1970.
No entanto, o ressentimento do ANC em relação a Israel, devido à colaboração deste com o governo da minoria branca nas décadas de 1970 e 1980, juntamente com a percepção de que os palestinianos enfrentam uma opressão semelhante à do apartheid, moldou a visão do partido sobre o conflito israelo-palestiniano.
A partir do final da década de 1960, o ANC estabeleceu fortes laços com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Na década de 1980, esses laços evoluíram para uma aliança estratégica e operacional entre os dois movimentos.
Nos últimos anos, com o enfraquecimento da OLP, o ANC transferiu o seu apoio para o antigo rival da OLP, o Hamas. O eleitorado muçulmano na África do Sul, muitos dos quais são apoiantes e ativistas do ANC, contribui ainda mais para a posição pró-Palestina do partido.
O apoio da AD da África do Sul
O apoio da Aliança Democrática a Israel também tem raízes históricas. Historicamente, os partidos e indivíduos liberais ou ditos “moderados” na África do Sul têm sido os mais consistentes na defesa de Israel.
Ao contrário do ANC após a década de 1970, muitos liberais consideram Israel uma democracia com um histórico aceitável no tratamento de minorias. Na província do Cabo Ocidental, a única governada pela DA, houve uma maior disposição para explorar colaborações com Israel.
Além disso, nas últimas décadas, várias forças cristãs e tradicionalistas também se alinharam fortemente com opiniões pró-israelitas.
A última pesquisa sobre afiliação religiosa na África do Sul foi realizada em inquéritos domiciliares em 2013. Os dados da época indicavam a existência de pouco mais de um milhão de muçulmanos e cerca de 101.500 pessoas de fé judaica.
Estatísticas mais recentes sugerem que a população judaica no país diminuiu para aproximadamente 50.000 pessoas. O censo mais recente estima a população total em cerca de 62 milhões.
Legado das alianças internacionais
As diferentes perspetivas dos partidos políticos da África do Sul em relação ao conflito israelo-palestiniano também refletem as suas lealdades internacionais distintas.
Dado o apoio que receberam da União Soviética e da China na luta contra o apartheid e as profundas críticas que fazem ao papel do Ocidente no apoio ao apartheid, o ANC e os movimentos mais radicais tendem a alinhar-se com actores que desafiam os EUA no panorama internacional.
Essa política é particularmente evidente na simpatia da África do Sul pela Rússia, apesar da guerra da Ucrânia. Por outro lado, a oposição representada pela Aliança Democrática segue posições pró-ocidentais.
No entanto, não está claro se a maioria dos sul-africanos apoia a abordagem do ANC em relação às questões de relações exteriores contemporâneas. Uma pesquisa efectuada em Novembro de 2022, revelou que 74,3% dos cidadãos sul-africanos condenaram a agressão russa à Ucrânia.
É provável que a causa palestiniana desfrute de níveis mais elevados de apoio popular, mas há indicações de que as opiniões sobre o conflito israelo-palestiniano, estão longe de ser unânimes.
Um estudo de 2017, por exemplo, concluiu que na África do Sul havia apoio semelhante aos “direitos a uma pátria” tanto dos israelitas como dos palestinianos, com 54% e 53%, respetivamente. No entanto, o estudo também indicou que o conhecimento real sobre o conflito israelo-palestiniano era limitado, com apenas 29% a afirmar ter “ouvido falar” deste conflito.
A posição oficial da África do Sul em relação ao conflito israelo-palestiniano é uma das mais críticas em África, especialmente em comparação com outros estados a sul do Saara.
Durante a última década, Israel estabeleceu relações bilaterais mais fortes com vários estados africanos. Várias pesquisas de opinião mostram que a percepção pública de Israel na África subsaariana é das mais favoráveis a nível global.
Conclusão
Os políticos sul-africanos enquadraram a recente escalada de tensões entre o Hamas e Israel no contexto mais amplo das suas perspetivas sobre a dinâmica global internacional. A posição da África do Sul no conflito israelo-palestiniano é marcada por uma longa história de apoio à causa palestina, enraizada na luta contra o apartheid.
O governo sul-africano caracteriza os recentes acontecimentos como uma “escalada devastadora” e defende uma solução de dois Estados como forma de resolver o conflito. No entanto, a resposta política sul-africana é diversificada, com actores que demonstram apoio a Israel, citando a sua “democracia” e tratamento das minorias.
Estas divergências refletem claras lealdades internacionais, com o ANC alinhado com actores que desafiam os EUA, enquanto a oposição tende a adoptar posições pró-ocidentais. No entanto, a verdadeira opinião pública sul-africana sobre o conflito, permanece complexa e em evolução.
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Imagem: © 2023 Belal Alsabbagh