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ToggleIsrael/Gaza: A Normalização Do Insuportável
O caos e a tragédia que assolaram o Médio Oriente a 7 de Outubro de 2023 deixaram uma marca indelével não só em Israel e na Palestina, mas também no resto do mundo. Ao longo dos últimos seis meses, testemunhámos uma série de eventos que desafiaram a compreensão e a moralidade.
Desde a escalada da violência até as tentativas de mediação diplomática, o período pós-7 de Outubro foi marcado por uma profunda turbulência que continua a abrir feridas até hoje.
A Normalização do Insuportável é uma reflexão sobre as questões que continuam a influenciar o destino não apenas da região, mas também de áreas além das suas fronteiras.
A Reconstrução da Excepcionalidade
O 7 de Outubro de 2023 alterou o peso das fracturas médio-orientais. Tanto que o primeiro reflexo foi a mobilização da imagem do 9/11 – em alusão à pluralidade de significados dos ataques de 11 de Setembro de 2001 – para a caracterização da excepcionalidade da dor e da perplexidade do evento-monstro israelo-palestiniano daquele sábado.
Falou-se muito em 9/11 israelita e da sua contraparte entre os árabes. Logo em seguida, percebeu-se, de parte a parte, que a situação era ainda mais grave, particular e profunda. Notou-se, assim, que o extraordinário – como o 9/11 – tinha feições excepcionais conhecidas. Já tinha ocorrido.
Ao passo que o que se via no 7 de Outubro ainda não. De modo que cinco dias depois, no dia 12 de Outubro, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou tratar-se de algo pior que o “Holocausto” e o presidente Mahmoud Abbas, do lado da Palestina, no dia 13 de Outubro, classificou a reação judaica de actualização e superação macabra do “Nakba”.
A força dessas palavras – Holocausto e Nakba – remete aos piores momentos da história desses herdeiros de Abraão. Um e outro podem bem ter-se esquecido das batalhas templárias e das escaramuças sem fim do medievo. Mas ninguém apagou da retina nem da memória o imperativo do never more fixado pelo contexto das ruínas no chão das batalhas de 1914-1945.
Foi, singularmente, horrível. Entretanto, o 7 de Outubro e os seis meses seguintes tornaram essas palavras – Holocausto e Nakba – quase vazias, estéreis e sem sentido diante da verdadeira banalização das tragédias humanas médio-orientais.
A Desumanização da Tragédia
O significado mental e moral deste sinistro ainda não foi contabilizado. Mas segue impossível ficar indiferente. Os 1.200 – ou 1.300 – mortos, os mais de 100 mil feridos e os mais de 130 reféns judeus e cristãos do dia 7 de Outubro, seis meses depois, resultaram em 33 mil mortos, milhões de afectados, deslocados, agredidos e feridos e uma hostilização aos ismaelitas jamais imaginada.
Uma, portanto, brutalização da letalidade das relações que tornou frouxo qualquer paralelo histórico e qualquer pertinência lexical de palavras.
Raras vezes na história humana desprezou-se tão enfáticamente o sentido do adágio latino que informa que jamais se deve brincar nem jogar com o sofrimento dos outros. Agora, nos seis meses que sucederam o 7 de Outubro, nada foi mais justamente desrespeitado que o sofrimento dos outros.
Um parlamentar francês chegou à melhor formulação sobre o incidente ao indicar que o feito do dia 7 de Outubro foi imperdoável, mas não sem justificação. Todos os observadores detidos na situação podem, por sua vez, formular que, os seis meses do calvário de Gaza, possui a sua justificação, mas também segue impossível de se perdoar.
Quanta dor, quanto ódio, quanto ressentimento.
Dor, ódio e ressentimento em níveis insuportáveis. Mas que, por alguma razão, passaram a ser suportados para não causar constrangimentos. Ninguém fica indiferente. Mas ninguém encontra solução.
A Permanência do Conflito
O estado de Israel, desde o seu início, é uma afronta sem nome aos palestinos. A lembrança do Nakba bate tão fundo na sua alma que mesmo a ideia de dois estados jamais teve adesão integral.
Todos sabem que a criação do estado de Israel só fez aumentar os embates entre eles. Tanto que só fez crescer a sua proporção de crueldade ao longo dos anos até chegar à monstruosidade dos últimos seis meses traduzível em a mais hedionda tragédia humana, moral e intelectual do presente século.
Ocidentais, europeus e norte-americanos, foram os primeiros a indicar apoio incondicional ao “direito de defesa” dos israelitas contra os palestinos no dia 7 de Outubro. Mas, quando ficou evidente que se trata de uma vingança sem precedentes, tentaram recuar, ficar neutros, ressignificar as alianças, dizer sim com não e não com sim, mas era tarde demais.
O alto-comando de Israel, já havia neutralizado, brutalizado, humilhado e penalizado os moradores de Gaza, como nunca se permitiu fazer desde 1948. Primeiro privando-os de insumos básicos para a sua sobrevivência – água, energia, medicamentos. Depois, enviando tropas terrestres.
E, em seguida, propondo eliminar fisicamente o Hamas – que todos sabem ser uma ideia com vocação à perpetuidade.
O Olhar Global e as Posições Políticas
A posição da Rússia e da China, membros-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, foram tardias, cautelosas e consequentes. Notaram ser impossível apoiar Israel e impossível não reconhecer a agressão ao estado hebreu. Posturas assim não indicam hesitação muito menos coonestação.
Apenas sugerem que a complexidade das disputas médio-orientais merece recuo, respeito e ponderação. Ninguém em Moscovo se esqueceu dos milhões de mujiques mobilizados na guerra patriótica ante Hitler e ninguém na Ásia se esqueceu das perdas humanas incontáveis decorrentes da fúria norte-americana ante o Japão.
Ambos, portanto, russos e chineses, mesuram bem o peso do ódio, da dor e do ressentimento na erupção de tragédias. Sabem, assim, também que questões existenciais para os outros – no caso, judeus e árabes – não devem ser tratadas com ligeireza.
Os sul-africanos, dotados da grandiosidade moral de quem sobreviveu ao apartheid, abandonaram essa discrição e denunciaram a investida de Telavive no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). O aplauso dos divergentes foi imponente. O Tribunal acatou e considerou procedente a denúncia. Mas os efeitos práticos da sua decisão ainda aguardam realização que todos sabem não diminuirá o martírio dos palestinos.
Antes e depois disso, a coletividade internacional, representada nas Nações Unidas, indicou – e até votou – um cessar-fogo variadas vezes. Mais recentemente, ao longo de 2024, foi a vez do próprio Conselho de Segurança condenar o massacre. Mas ninguém parece conseguir segurar a fúria, o desejo de vingança e a implacável resiliência de parte a parte.
O 7 de Outubro foi, assim, uma armadilha perfeita. O Hamas fustigou Israel a reabilitar o estado de guerra sem fim e o estado de Israel embarcou. Como previsto e instigado, nenhuma parcela importante do Ocidente ficou indiferente. Mas todas se dividiram. Algumas em apoio ao Hamas ou a Israel. Outras em mera mostra de neutralidade.
O Dilema Biden e o Lobby Judaico
O presidente Joe Biden foi colocado na pior situação de todas. O seu principal oponente nas presidenciais norte-americanas de novembro de 2024, Donald J. Trump, prometeu, caso eleito, resolver a situação em vinte e quatro horas – como de resto, também prometeu fazer com a querela ucraniana.
Assim, pouco a pouco, o destino do presidente Biden começou a cruzar-se com o do primeiro-ministro Netanyahu.
O lobby judaico em Washington jamais permitirá a neutralização da fúria de Israel. Tanto que os norte-americanos se abstiveram em todas as deliberações multilaterais sobre o assunto nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança.
Ninguém é capaz de prever um fim para essa nova fase do conflito. Mas todos são capazes de perceber que virou injurioso morrer impunemente por Gaza e indecoroso matar inclementemente por Israel. Nada disso é suportável. E, portanto, não se pode deixar normalizar.
Conclusão
À medida que o conflito persiste e as tensões se intensificam, fica claro que não há soluções simples ou rápidas para os problemas enfrentados pelo povo israelita e palestiniano. Enquanto os líderes globais lutam para encontrar uma maneira de avançar, a dor e o sofrimento das vítimas continuam a ser ignorados e subjugados à política e à retórica.
A normalização do inaceitável não pode mais ser tolerada, e é imperativo que a comunidade internacional procure activamente uma resolução justa e duradoura para este conflito arraigado.
Editado por: Francisco Lopes-Santos
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Imagem: © 2024 Francisco Lopes-Santos