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Segunda-feira, Março 10, 2025

Festas de África: Festival Kreol das Seicheles

Nas ilhas paradisíacas das Seicheles, o Festival Kreol emerge, desde 1985, como um farol da cultura crioula. Este evento anual, realizado em Outubro, transforma Mahé, Praslin e La Digue num palco vibrante de música, dança, gastronomia e tradições. Com desfiles coloridos, concertos e feiras gastronómicas, o festival celebra a identidade crioula, unindo comunidades locais e visitantes num só ritmo.

Festas de África: Festival Kreol das Seicheles


Conheces o Festival Kreol das Seicheles? Não? Então vais ficar a conhecer.

Enquanto o Oceano Índico banha as praias de areia branca das Seicheles, uma celebração única surge do meio dos coqueiros: o Festival Kreol. Mais do que um evento cultural, este festival é um acto de resistência e orgulho, honrando as raízes africanas, europeias e asiáticas que moldaram o arquipélago.

Hoje, continuamos a nossa série de 17 artigos sobre “Festas de África”, explorando os eventos que dão vida e cor às comunidades do nosso continente. Vamos mergulhar nas histórias e experiências desta celebração única, onde a cultura, a espiritualidade e as tradições resistem ao tempo e ligam gerações.

O Festival Kreol, realizado na última semana de Outubro, é uma homenagem à identidade crioula que define as Seicheles. Neste festival, a música do tambor, o moutya dançado ao luar e os sabores exóticos da culinária local encontram-se num ambiente vibrante, onde o passado e o presente se fundem.

Desde a sua primeira edição em 1985, o evento tornou-se um símbolo da unidade crioula, atraindo além dos naturais das Seicheles, vários representantes de nações crioulas de todo o mundo criando assim “uma viagem” que transforma as Seicheles na capital mundial da crioulidade.

Vamos, mergulhamos na essência do Festival Kreol e explorar como ele preserva as tradições ancestrais enquanto abraça a modernidade. Vem descobrir como é que as Seicheles transformam o Outubro num mês de celebração colectiva, onde cada batida dos tambores, cada prato e cada sorriso contam a história de um povo que resiste através da cultura.


As Raízes da Resistência Crioula


Origem do Festival


Imagem © 2024 Michel Denousse (20250309) Festas de África Festival Kreol das SeichelesO Festival Kreol nasceu em 1985, como resposta à necessidade de preservar a cultura crioula, ameaçada pela globalização, numa altura em que as Seicheles, recém-independentes (1976), procuravam consolidar a sua identidade nacional após séculos de colonialismo. O governo, em parceria com artistas e líderes comunitários, criou o festival para “reforçar o orgulho crioulo”.

A cultura crioula do arquipélago é um mosaico de influências: dos escravizados africanos trazidos no século XVIII aos colonos franceses e britânicos e aos comerciantes indianos e chineses que ali se estabeleceram. Esta mistura reflecte-se no crioulo seichelense, a língua oficial do país e em tradições como o moutya, uma dança de origem africana proibida durante o colonialismo.

A decisão de criar o Festival Kreol surgiu após uma série de debates na Assembleia Nacional, onde líderes como James Mancham argumentaram:

“Sem cultura, não há nação”.

O primeiro-ministro da Cultura, Patrick Nanty, descreveu o evento como “uma resposta à erosão das nossas tradições pela globalização”. Documentos oficiais da época (1983-1985) revelam que o orçamento inicial para o festival foi de 50.000 rúpias seichelenses, financiado em parte pela UNESCO.

A Língua como Piloto


Imagem © 2015 Patrick Joubert (20250309) Festas de África Festival Kreol das SeichelesO crioulo seichelense, uma das línguas oficiais, a par do francês e do inglês, é o coração do Festival Kreol. Durante o evento, todas as actividades — desde os discursos políticos até às letras das músicas — são realizadas nesta língua.

“Falar crioulo é resistir”, explica a linguista Marie-Therese Choppy.

A UNESCO reconheceu o crioulo como património intangível em 2022, um feito celebrado com danças moutya nas ruas da capital, Victoria.

Em 1998, o crioulo seichelense quase foi extinto nas escolas devido à pressão do francês. A comunidade reagiu com protestos liderados pelo poeta Antoine Abel, cujo poema “Souffles Creoles” tornou-se um hino não oficial do Festival Kreol Hoje, 95% da população fala crioulo em casa, segundo o censo de 2020.

Moutya: A Dança da Liberdade


Imagem © 2024 Michel Denousse (20250309) Festas de África Festival Kreol das SeichelesProibida durante o colonialismo por ser considerada “indecente”, a moutya é hoje o símbolo máximo do Festival Kreol. Esta dança, de origem africana, é executada ao redor de fogueiras, com tambores feitos de pele de cabra e cânticos que narram histórias de opressão e esperança.

Em 2021, a UNESCO declarou a moutya património imaterial, um momento histórico que o coreógrafo David André descreveu como “a vitória da nossa voz sobre o silêncio imposto”. Em 2023, realizou-se uma apresentação de moutya no festival com 100 tambores, batendo em uníssono para simbolizar a união das 115 ilhas do arquipélago.

O Ritual do Tambor

  • Fabricação Tradicional: Os tambores são feitos artesanalmente, usando madeira de pele de animal curtida. Mestres como Jean-Paul Zialor passam meses a preparar os instrumentos para o Festival Kreol.
  • Simbolismo: Cada batida representa uma fase da história das Seychelles — desde a escravidão até à independência.
  • Transmissão Geracional: Jovens aprendem a técnica em workshops financiados pelo governo, garantindo que a tradição não se perca.

Gastronomia: Os Sabores da Diáspora


Imagem © 2020 DR (20250309) Festas de África Festival Kreol das SeichelesA feira gastronómica do Festival Kreol é uma viagem pelos continentes. Pratos como o kari bernik (caranguejo com caril) e o ladob (banana cozida em leite de coco) reflectem a fusão africana, asiática e europeia. A chef Letitia Pillay, afirmou:

“Cada especiaria chegou aqui numa embarcação há séculos”.

“Cozinhar é manter viva essa viagem”.

O katkat banane, um prato feito com banana verde cozida em leite de coco e canela, tem origem nos escravos africanos que adaptaram ingredientes locais. Já o kari zourit (caril de polvo) foi introduzido por pescadores malgaxes no século XIX. Em 2024, a feira incluiu uma competição de chefs, vencida por um prato de fusão o “Sousouri Grillé” (morcego grelhado com molho de tamarindo).

Impacto na Juventude


O programa “Zenn Kreol”, lançado em 2015, prepara jovens artistas, através de bolsas para estudarem música e dança e, já formou, até ao momento, mais de 300 jovens. Um deles, Jean-Luc Hoareau, tornou-se embaixador cultural nas Nações Unidas em 2022.

“Sem o Festival Kreol, eu seria apenas mais um pescador”, disse ele numa entrevista ao jornal ‘Le Seichelense’.

Annette Dubois, de 19 anos, vencedora do concurso de dança de 2023, partilhou:

“Antes do Festival Kreol, não sabia que a nossa cultura valia tanto”.

“Agora ensino moutya nas escolas”.

O programa “Kapab Kreol” treina 200 jovens anualmente em técnicas artesanais, garantindo que ofícios como a tecelagem de folhas de palmeira não desapareçam.

A tecelã Marie-Louise Gendron, 72 anos, ensina jovens, num ateliê em La Digue, a fabricar chapéus de “latannyen” (folhas de palmeira) e bolsas tradicionais que são vendidas por 500 rúpias no mercado do festival.

“Antes, isto era só para turistas. Agora, é moda entre os jovens”.

O Papel da Diáspora


O Festival Kreol também atrai comunidades crioulas da Reunião, Maurícias e até das Caraíbas. Em 2024, o grupo haitiano Tropikazz apresentou uma fusão da moutya com a “rara”, a dança tradicional do Haiti.

Em 2025, a 40.ª edição promete reunir grupos musicais de 15 países, incluindo do Haiti e de Cabo Verde, num intercâmbio que reforça laços transcontinentais. Como destacou Alain St Ange, ex-director do Turismo:

“O Festival Kreol é onde o mundo crioulo se encontra e se reconhece”.


Como é o Festival Kreol?


Abertura Solene em Victoria


A capital, Victória, transforma-se num palco gigante. O presidente discursa em crioulo, seguido por um desfile com carros alegóricos decorados com motivos de coco e tartarugas gigantes. Barracas vendem artesanato de vime e colares de sementes de coco de mer.

O desfile de 2024 incluiu um carro alegórico em forma de tartaruga gigante, feito com 2.000 folhas de palmeira. O presidente Wavel Ramkalawan, vestindo um “kostim kreol” (terno de linho branco), discursou sobre “a cultura como escudo contra a homogeneização global”.

100% Kreol Music Festival


Imagem © 2015 Patrick Joubert (20250309) Festas de África Festival Kreol das Seicheles

Artistas como Jean-Marc Volcy e grupos haitianos como Tropicana actuam em palcos à beira-mar. A regra é clara: só se canta em crioulo. Em 2024, a banda cabo-verdiana Ferro Gaita trouxe o funaná, criando uma fusão inédita com o séga seichelense do músico Jean-Marc Volcy.
O palco principal do Festival Kreol, montado na Praia de Beau Vallon, recebeu 15.000 pessoas em 2023. A actuação da cantora haitiana Emeline Michel, misturando vodou e jazz, foi descrita pelo jornal “Today in Seicheles” como “um diálogo entre África e as Caraíbas”.

Viv an Kreol: Exposições de Arte


Na Praça da Independência, artistas locais exibem obras inspiradas na vida quotidiana. Em 2024, George Camille, pintor renomado, apresentou a série “Pêcheurs de la Lune” que retracta pescadores sob o luar. Esculturas em basalto vulcânico, esculpidas por Michel Adams, mostraram figuras mitológicas crioulas.

A exposição de 2024 também incluiu uma instalação de 10 metros chamada “Laroul lo Losean” (A Roda no Oceano), feita com redes de pesca recicladas. O artista Danny Sopha explicou:

“Esta peça representa o ciclo da vida nas ilhas: pescar, vender, repetir”.

Tifin Maryaz Tradisyonnel: Casamentos Tradicionais


Imagem © 2015 Patrick Joubert (20250309) Festas de África Festival Kreol das Seicheles

São recriados Casamentos Tradicionais, com noivos vestidos de branco e vermelho, cores que simbolizam a pureza e a paixão. O ritual inclui oferendas de frutas tropicais e danças com pandeiretas. A noiva carrega um leque de folhas de palmeira, enquanto o noivo entoa versos em crioulo.

Em 2023, um casal francês decidiu casar-se no Festival Kreol, adoptando o ritual crioulo.

Quisemos honrar a cultura que nos acolheu”.

Disse a noiva, Claire Dupont, vestindo um “robez kreol” (vestido tradicional) bordado com flores de hibisco.

Balbobes: A última Noite


Imagem © 2024 Michel Denousse (20250309) Festas de África Festival Kreol das SeichelesA festa de encerramento dura até ao amanhecer, com bandas de kanmtole (música folclórica com acordeão). Pratos como o kari sousouri (morcego com caril) desafiam os visitantes mais ousados. O chef Roland Payet explica o porquê:

“Este prato é uma tradição dos nossos antepassados. Quem o prova, prova a nossa história”.

O kari sousouri é preparado com morcegos-da-fruta capturados em Praslin. Em 2024, 80% dos turistas que provaram o prato eram europeus, segundo dados do Ministério do Turismo.

“É um prato raro, só servido no Festival Kreol”, disse Payet.

Competições e Jogos Tradicionais


Jovens competem em escalada de coqueiros, uma prova de força herdada dos plantadores de coco. A competição de escalada de coqueiros, chamada “Grimpeur de Laroze”, premia o vencedor com 5.000 rúpias. O recorde pertence a Michel Morel que escalou 15 metros em 28 segundos em 2019.

Na praia de Anse Lazio, equipes competem em corridas de pirogas decoradas com flores de frangipani. O vencedor recebe um troféu em forma de tartaruga gigante, esculpido em coral negro. O vencedor de 2023, Jean-Paul Labrosse, partilhou:

“Remar nesta canoa é como navegar com os espíritos dos nossos avós”.

Cultura Crioula


Imagem © DR (20250309) Festas de África Festival Kreol das Seicheles

Artesãos de La Digue vendem colares de sementes de coco de mer, consideradas afrodisíacas. Tecelãs exibem tapetes feitos com folhas de palmeira, uma técnica transmitida por gerações.

Na igreja de St. Paul, é celebrada a missa inteiramente em crioulo. Os fiéis oferecem frutas tropicais e cantam hinos com melodias africanas. O padre André Dufresne afirmou:

“Esta missa é um diálogo entre a fé e a nossa identidade”.

No cinema ao ar livre de Praslin, documentários como “Racines Kreol”mostram a diáspora crioula nas Caraíbas. Após as exibições, são feitos debates que discutem temas como a preservação linguística e o papel da mulher na cultura crioula.

Workshops de Dança e Música

Mestres do moutya ensinam passos básicos aos turistas numa tenda montada em Mahé e são fabricados tambores artesanais ao vivo, usando técnicas ancestrais.

“Cada batida deste tambor é uma mensagem para os nossos ancestrais”, disse o músico Simon Larue.

“É incrível como uma dança africana do século XVIII chegou até aos dias de hoje”.

Disse um participante, em um dos workshops de 2024, onde 50 turistas japoneses aprenderam a dançar moutya, ao jornal “Seicheles News Agency”.


Porque é Especial?


Unidade Crioula


Imagem © 2024 Michel Denousse (20250309) Festas de África Festival Kreol das SeichelesO Festival Kreol atrai comunidades crioulas da Reunião, Maurícias, Haiti, e até da Louisiana (EUA). Em 2025, a 40.ª edição terá representantes de 15 países, incluindo um grupo de Maloya da Ilha da Reunião, conhecido pela sua dança de transe.

O grupo Maloya da Reunião, liderado por Danyèl Waro, apresentará uma fusão de moutya com o “roulèr” (dança com rodas de carroça), simbolizando a ligação entre ilhas do Índico.
Segundo dados do governo, o festival gera 3 milhões de dólares anuais. Pequenos negócios, como o restaurante “Lafet Kreol” de Praslin, registam vendas 300% superiores durante o evento.

Em 2022, a UNESCO declarou Victoria “Capital Mundial da Cultura Crioula”, um título que atrai investimentos e turistas. O título da UNESCO trouxe 2 milhões de dólares em financiamento para a restauração do Mercado Sir Selwyn Clarke, onde ocorre a feira gastronómica. O presidente Wavel Ramkalawan destacou:

“Este festival prova que a nossa cultura é um tesouro universal”.

O programa “Zenn Kreol” oferece bolsas para jovens estudarem música e dança na Universidade das Seicheles. Desde 2010, mais de 500 alunos foram formados, muitos integrando grupos como Soley Ruz. A violinista Lise-Marie Hoareau, formada pelo programa em 2018, tornou-se a primeira seichelense a actuar no Carnegie Hall (Nova Iorque) em 2023.

O Festival Kreol promove práticas sustentáveis, como o uso de materiais biodegradáveis nas decorações. Em 2024, 90% dos resíduos foram reciclados, um feito elogiado pela ONU. As decorações de 2024 foram feitas com folhas de bananeira e fibras de coco, substituindo o plástico.

“Até as pulseiras de entrada eram de papel reciclado”, explicou a organizadora Lena Morel.

Avós ensinam netos a tecer chapéus de palha, enquanto mestres de tambor transmitem técnicas a adolescentes. No workshop “Granmoun ek Zanfan” (Avós e Netos), a mestra tecelã Marguerite Dufresne, 80 anos, ensinou 12 crianças a fazer cestos de vime em 2024.

“É a minha forma de deixar um legado”, disse ela.

Projecção Futura


A 40.ª edição (2025) incluirá um congresso internacional sobre línguas crioulas, com académicos de 20 países. O objectivo é criar uma rede global para preservar estas culturas ameaçadas. O congresso terá a participação do linguista Michel DeGraff (MIT), especialista em crioulo haitiano e da Nobel da Literatura 2021, Abdulrazak Gurnah, que abordará a diáspora crioula na literatura.

“Aqui [Festival Kreol] os jovens aprendem que ser crioulo é ser guardião de um legado”, disse a antropóloga Lise-Marie Bonne.


Conclusão


O Festival Kreol das Seicheles é um acto de resistência cultural que mantém viva uma identidade forjada na diversidade. Em 2025, a 40.ª edição promete ser um marco, com espectáculos em todas as 115 ilhas do arquipélago e expectativas de receber 20 mil visitantes este ano. Num mundo onde culturas minoritárias lutam por espaço, o Festival Kreol brilha como exemplo de preservação e inovação.

 


O que achas deste Festival Kreol que celebra a cultura crioula? Queremos saber a tua opinião. Não hesites em comentar. E se gostaste do artigo, partilha e dá um ‘gosto’.

 

Imagem: © 2025 DR 
Francisco Lopes-Santos

Atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santos
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Atleta olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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