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Segunda-feira, Agosto 25, 2025

O Clima Está A Aumentar O Preço Dos Alimentos

O arroz tornou-se um artigo de luxo no Japão, o azeite disparou de preço na Europa, o cacau triplicou de valor em África e, na Austrália, a alface custa mais do que a carne. O que antes parecia improvável é hoje uma dura realidade: os fenómenos climáticos extremos estão a mexer directamente com a mesa das famílias e a empurrar milhões para uma crise alimentar sem precedentes.

O Clima Está A Aumentar O Preço Dos Alimentos


O estudo internacional “Extremos Climáticos, Aumento dos Preços dos Alimentos e Riscos Sociais Mais Abrangentes”, elaborado por investigadores de Espanha, Alemanha e Reino Unido, revela um panorama mundial de vulnerabilidade. O trabalho analisa 16 casos em 18 países, entre 2022 e 2024 e conclui que os choques alimentares já não são episódios isolados: são uma tendência em ascensão.

A Organização Meteorológica Mundial classificou 2024 como o ano mais quente de sempre. As temperaturas ultrapassaram a meta de 1,5ºC definida no Acordo de Paris e a factura chegou depressa: secas prolongadas, ondas de calor avassaladoras e chuvas torrenciais devastaram colheitas em todos os continentes.

O resultado reflecte-se nos mercados: o azeite aumentou 50% em Itália e Espanha, o café subiu 55% no Brasil, o arroz disparou 48% no Japão e o cacau atingiu um recorde histórico de 280% no Gana e na Costa do Marfim. Mas a questão ultrapassa a economia agrícola. O impacto do clima sobre os alimentos afecta não apenas os preços, mas também a saúde, a estabilidade social, as migrações e até a geopolítica.


Clima e Agricultura


A agricultura sempre dependeu das condições climáticas, mas os últimos anos provaram que a variabilidade natural foi ultrapassada por fenómenos extremos que desafiam precedentes históricos. Entre 2022 e 2024, verificaram-se episódios que alteraram radicalmente o abastecimento alimentar.

Nos Estados Unidos da América, uma seca prolongada devastou a Califórnia e o Arizona, provocando uma escalada de 80% nos preços de vegetais em Novembro de 2022. Na Coreia do Sul, uma vaga de calor em Agosto de 2023 elevou em 70% o preço das couves. No Japão, o Verão mais quente desde 1946 levou a um aumento de 48% no arroz.

Na Europa, a seca de dois anos consecutivos em Espanha e Itália afectou de forma brutal a produção de azeite, encarecendo o produto em 50% até Janeiro de 2024. Espanha, responsável por mais de dois quintos da produção mundial de azeite, viu os olivais reduzidos a um terço da produtividade habitual.

Em África, o impacto foi ainda mais visível. A Costa do Marfim e o Gana que juntos respondem por 60% do cacau mundial, enfrentaram em 2024 uma onda de calor quatro graus mais quente devido às alterações climáticas. A consequência foi imediata: o cacau disparou 280% nos mercados internacionais, afectando toda a cadeia de produção de chocolates.

Na Etiópia, a seca de 2022, considerada a pior em 40 anos no Corno de África, provocou um aumento de 40% nos preços dos alimentos básicos no início de 2023. Na África do Sul, uma vaga de calor em Março de 2024 aumentou em 36% o preço do milho, a principal base alimentar do país.

Estes exemplos mostram como a agricultura mundial entrou num ciclo de vulnerabilidade permanente. As temperaturas extremas e a irregularidade das chuvas reduzem as colheitas, comprometem os solos e forçam os agricultores a enfrentarem riscos cada vez mais altos.

Preços a Disparar


Os preços dos alimentos têm registado aumentos inéditos, transformando produtos básicos em artigos de luxo. O azeite na Europa tornou-se símbolo de escassez, o arroz no Japão foi racionado em alguns mercados e o café brasileiro atingiu valores que penalizaram toda a indústria.

Os números impressionam:

  • A alface na Austrália subiu 300% após as cheias de 2022.
  • O café arábica no Brasil ficou 55% mais caro em 2024, enquanto o robusta, exportado pelo Vietname, duplicou de preço após uma onda de calor sem precedentes.
  • No México, a seca de 2023 elevou em 20% o preço de frutas e legumes em Janeiro de 2024.
  • No Paquistão, as cheias de 2022 aumentaram em 50% o preço de alimentos básicos.

Estes choques não são apenas números estatísticos: significam menos comida nas mesas e mais famílias em dificuldade. Segundo o estudo, em muitos países, os preços das frutas, dos vegetais e dos cereais ultrapassaram a capacidade de compra das populações mais pobres, empurrando milhões de pessoas para dietas de baixo valor nutricional.

O fenómeno também afecta as cadeias de abastecimento internacionais. Os países dependentes das importações sofrem em dobro: enfrentam preços inflacionados nos mercados externos e não conseguem compensar com a produção interna. Assim, o impacto de um desastre climático localizado espalha-se como um efeito de dominó por todo o mundo.


África no Olho da Crise


África é o continente mais exposto à crise alimentar resultante dos extremos climáticos. A dependência das chuvas sazonais, a fragilidade dos sistemas de irrigação e a falta de reservas estruturadas tornam a região vulnerável a qualquer variação climática.

Na Etiópia, a seca de 2022 atingiu milhões de famílias de agricultores. No Zimbabwe, a irregularidade das chuvas comprometeu a colheita do milho, a base da sua alimentação. Na Nigéria, as cheias afectaram não apenas as colheitas, mas também as infra-estruturas dos transportes, isolando dessa forma, comunidades inteiras.

O caso mais emblemático foi o do cacau no Gana e na Costa do Marfim. A subida de 280% no preço mundial gerou lucros inesperados para exportadores, mas internamente provocou a escassez e o aumento do custo de vida. A população local que consome derivados do cacau, sentiu a contradição: o produto que exportou em abundância tornou-se quase inacessível internamente.

Outro desafio é a dependência das importações. Países como Moçambique e Angola importam grande parte do trigo e do arroz que consomem. Quando a Índia, o maior exportador mundial de arroz, limitou as exportações após a vaga de calor de 2024, os mercados africanos foram directamente afectados.

A insegurança alimentar em África não se resume ao acesso aos produtos. Ela desencadeia crises sociais: fome, migrações forçadas, instabilidade política e conflitos pelo controlo das terras férteis e pelas fontes de água.

O Relatório Global sobre as Crises Alimentares de 2025 efectuado pelas Nações Unidas alertou para o facto de mais de 280 milhões de africanos estarem em risco de fome crónica caso os fenómenos climáticos extremos continuem neste ritmo.


Impactos Sociais e Saúde


A subida dos preços dos alimentos tem efeitos directos sobre a saúde pública. Produtos frescos como frutas e vegetais tornam-se menos acessíveis, forçando famílias a substituí-los por alternativas mais baratas e menos nutritivas.

O estudo alerta para os riscos acrescidos de desnutrição infantil, do diabetes tipo 2, das doenças cardíacas e até de certos cancros associados a dietas pobres. Em comunidades vulneráveis, a escolha entre comprar arroz caro ou algum tipo de alimentos processados baratos pode ditar décadas de consequências para a saúde.

Além disso, a desigualdade cresce. Enquanto as classes médias conseguem adaptar as dietas, as populações rurais e as famílias urbanas de rendimentos mais baixos sofrem as maiores perdas. O Banco Mundial já classificou o aumento dos preços dos alimentos como um factor central da “crise do custo de vida” mundial.

Outro efeito social é a instabilidade. A história mostra que os aumentos abruptos nos preços dos alimentos básicos podem desencadear protestos e convulsões sociais. No Médio Oriente, a escalada do preço do pão contribuiu para a Primavera Árabe em 2011. Hoje, fenómenos semelhantes podem repetir-se em países onde a comida representa a maior parte do orçamento familiar.


Economia, Política e Instabilidade


Os choques climáticos sobre os alimentos também afectam as economias e os governos. A inflação alimentar torna-se difícil de controlar, reduz a eficácia das políticas monetárias e aumenta o risco das crises financeiras.

Nos países importadores, as reservas cambiais são drenadas para comprar comida a preços cada vez mais altos. Nos exportadores, como o Brasil ou o Vietname, os ganhos temporários podem ser anulados por perdas futuras causadas por colheitas mais instáveis.

O efeito político é igualmente relevante. Os governos que não consigam assegurar preços estáveis enfrentam futuros desgaste e protestos populares. Um exemplo disso foi o Paquistão, as inundações de 2022 não destruíram apenas as colheitas também aumentaram em 50% os preços dos alimentos, acabando por intensificar a instabilidade política do país.

A nível internacional, a competição pelos alimentos pode tornar-se emum foco de tensões geopolíticas. As restrições à exportação, as disputas comerciais e a opção pelo nacionalismo alimentar, ameaçam fragmentar ainda mais os mercados. Vários especialistas já alertam para o facto de a próxima década poder testemunhar além das “guerras da água”, também disputas explícitas por alimentos.


O Futuro Incerto


O relatório é claro: até que o mundo atinja emissões líquidas nulas, os fenómenos extremos só vão intensificar-se. Actualmente, o planeta aqueceu em média 1,3ºC acima dos níveis pré-industriais, mas a trajectória aponta para 3ºC até ao fim do século – um panorama considerado debilitante pela ONU.

Isto significa que secas, ondas de calor e chuvas intensas vão repetir-se com mais frequência e intensidade. O impacto será cumulativo: os solos degradados produzem menos, as colheitas frágeis tornam-se mais vulneráveis e comunidades inteiras vão entrar num ciclo de pobreza alimentar.

No entanto, há espaço para a acção. É fundamental surgirem investimentos em agriculturas mais resistentes, desenvolver sistemas de irrigação, criar bancos de sementes e infra-estruturas de armazenamento, para reduzir os riscos. A cooperação internacional vai ser essencial, sobretudo para apoiar os países mais afectados pelas alterações climáticas, especialmente em África e na Ásia.

O futuro dependerá também da transição energética. Reduzir as emissões dos gases causadores do efeito de estufa (GEE), como o dióxido de carbono (CO2), entre outros, significa limitar o aquecimento e, consequentemente, mitigar a escalada de desastres climáticos. Mas temos de actuar rapidamente porque a janela para a acção está-se a fechar rapidamente.


Conclusão


O aumento, a nível mundial, dos preços dos alimentos, deixou de ser uma questão económica para se tornar num problema civilizacional. Cada onda de calor, cada seca e cada cheia traduzem-se em mais famílias em risco, mais crianças desnutridas e mais países instáveis.

Este mais recente estudo internacional, demonstra que os fenómenos climáticos extremos já não são a excepção, mas sim a nova regra. A alimentação, a base da sobrevivência humana, transformou-se no ponto mais vulnerável do planeta.

Se não houver uma resposta coordenada entre todos, o futuro poderá ser marcado por um paradoxo cruel: a Terra, capaz de produzir alimento para alimentar todos os seres vivos do planeta, ver-se-á incapaz de alimentar grande parte da sua população humana.

 


O que pensas das causas deste aumento do preço dos alimentos a nível mundial? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2020 FitNish Media / Unsplash
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santos
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