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ToggleMorreu Aga Khan, o Maior Benfeitor de África
Faleceu esta terça-feira, 4 de Fevereiro de 2025, em Lisboa, o príncipe Karim Aga Khan IV, líder espiritual dos muçulmanos xiitas ismaelitas e fundador da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN). Com 88 anos, deixa um legado de filantropia e desenvolvimento, particularmente em África e na Ásia, onde investiu milhões em projectos humanitários.
“Sua Alteza o Príncipe Karim Al-Hussaini Aga Khan IV, 49º Imã hereditário dos muçulmanos xiitas ismaelitas e descendente directo do Profeta Maomé (que a paz esteja com ele), faleceu pacificamente em Lisboa no dia 4 de Fevereiro de 2025, aos 88 anos, rodeado pela sua família”.
Lê-se na mensagem publicada no portal online oficial.
Aga Khan IV destacou-se pelo seu compromisso com a educação, saúde, cultura e desenvolvimento social. A sua fundação, presente em mais de 25 países, transformou vidas, independentemente da religião ou nacionalidade dos beneficiários. Em Portugal, encontrou uma segunda casa, tendo transferido a sede mundial do Imamat Ismaili para Lisboa em 2015.
Descrito por muitos como um homem discreto, mas carismático, Aga Khan IV foi também um dos homens mais ricos do mundo. Contudo, a sua verdadeira marca foi a dedicação à luta contra a pobreza e a promoção da paz. Muitos líderes mundiais, incluindo africanos lamentaram profundamente a sua morte, sublinhando o impacto do seu trabalho na melhoria das condições de vida de milhões de pessoas.
António Guterres, o Secretário-Geral das Nações Unidas, sublinhou o impacto que o líder dos muçulmanos xiitas ismailis teve ao longo da sua vida.
“Estou profundamente triste com a notícia de que Sua Alteza o Príncipe Karim Al-Hussaini, Aga Khan IV, faleceu”.
“Era um símbolo de paz, tolerância e compaixão no nosso mundo conturbado”.
“As mais profundas condolências à família de Sua Alteza e à comunidade ismaelita”.
Frisou o diplomata português, através de uma publicação na rede social X.
O filho mais velho de Karim Aga Khan IV, o Príncipe Rahim Al-Hussaini Aga Khan V, será agora o 50º Imã hereditário, descendente directo do profeta Maomé e líder espiritual dos muçulmanos xiitas ismaelitas.
O Líder dos Ismaelitas
Karim Aga Khan IV nasceu a 13 de Dezembro de 1936, em Genebra, Suíça, no seio de uma família aristocrática com profundas raízes espirituais e políticas. Filho do príncipe Aly Khan e da princesa Tajuddawlah Aly Khan, cresceu num ambiente multicultural que lhe proporcionou uma visão ampla do mundo.
A sua infância e juventude foram marcadas por uma educação exigente que combinava o rigor académico com uma forte formação moral e religiosa. Desde cedo, foi preparado para liderar, recebendo uma educação de elite em instituições prestigiadas. Cresceu no Quénia, onde passou grande parte da infância e adolescência, um país onde a comunidade ismaelita tinha uma presença significativa.
Mais tarde, frequentou o colégio Le Rosey, na Suíça, conhecido por formar membros da realeza e da elite mundial. Foi já nos Estados Unidos da América, na Universidade de Harvard que consolidou o seu percurso académico, licenciando-se em História Islâmica.
O seu interesse pela história e pela cultura islâmica não era apenas académico, era também uma preparação para a responsabilidade que lhe seria confiada. O destino de Karim Aga Khan mudou radicalmente em 1957, quando, aos 20 anos, foi nomeado líder espiritual dos muçulmanos ismaelitas.
Aga Khan IV
A decisão do seu avô, Aga Khan III, de saltar uma geração e nomear directamente o neto como sucessor foi um marco inédito na história da comunidade. A escolha não foi feita ao acaso.
O avô reconheceu nele a capacidade de conduzir os ismaelitas num mundo que estava em rápida transformação, acreditando que um líder jovem poderia compreender melhor os desafios do século XX e adaptar a comunidade às novas dinâmicas mundiais.
Os muçulmanos ismaelitas, uma das principais ramificações do xiismo, consideram o Aga Khan o seu imã hereditário, um guia espiritual cuja autoridade é transmitida de geração em geração desde os tempos do profeta Maomé. O papel de Aga Khan IV não se limitava à esfera religiosa; era também um gestor, um estratega e um humanitário.
Ao longo da sua liderança, consolidou uma rede de apoio à comunidade ismaelita e desenvolveu um vasto programa de desenvolvimento social e económico que beneficiou milhões de pessoas, independentemente da sua religião.
A sua abordagem era pragmática e inclusiva. Desde o início, sublinhou a importância da coexistência entre diferentes credos e culturas. Para ele, a religião devia ser uma força unificadora e não um factor de divisão.
“A pobreza é o motor do desespero”.
“Combatê-la é a melhor forma de evitar o extremismo”.
Declarou numa entrevista. Esta filosofia norteou a sua actuação durante toda a vida, impulsionando o seu envolvimento em projectos de educação, saúde e desenvolvimento sustentável.
Uma Vida de Serviço e Filantropia
Aga Khan IV não se limitou a ser um líder espiritual; foi também um visionário na área do desenvolvimento. Em 1967, fundou a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN), uma organização sem fins lucrativos que se tornou uma das maiores e mais respeitadas no sector humanitário.
A AKDN actua em mais de 25 países e emprega cerca de 96 mil pessoas, sendo responsável por iniciativas que abrangem desde a educação à saúde, passando pelo desenvolvimento rural e pelo património cultural. Em África, a AKDN desempenhou um papel fundamental na construção de infra-estruturas essenciais para o desenvolvimento do continente.
A criação de hospitais e centros de saúde garantiu o acesso a cuidados médicos de qualidade em regiões remotas. As universidades e escolas construídas pela organização elevaram o nível de educação e abriram novas oportunidades para milhares de jovens africanos.
Um dos projectos mais emblemáticos foi a Universidade Aga Khan que rapidamente se tornou uma referência no ensino superior, oferecendo cursos de excelência e formando profissionais com capacidade para enfrentarem os desafios do futuro.
Compromisso Cultural e Social
O seu compromisso com a preservação da cultura levou à criação do Prémio Aga Khan de Arquitectura, um galardão que destaca projectos inovadores em países de maioria muçulmana. Acreditava que a arquitectura e o urbanismo tinham um impacto directo na qualidade de vida das pessoas e defendia que o respeito pelas tradições locais era essencial para o desenvolvimento sustentável.
Assim, impulsionou a restauração de edifícios históricos e promoveu o planeamento urbano sustentável, de forma a preservar a identidade cultural das comunidades. O microfinanciamento foi outro sector onde Aga Khan IV teve um impacto significativo.
A sua fundação, AKDN, desenvolveu programas que ajudaram milhares de pequenos empreendedores a obter financiamento para os seus negócios, permitindo-lhes melhorar as condições de vida das suas famílias e comunidades. Acreditava que a economia devia servir o bem-estar das pessoas e que o acesso ao crédito era um direito fundamental para quem queria construir um futuro melhor.
A sua visão do desenvolvimento era holística. Para ele, não bastava dar assistência humanitária; era necessário criar estruturas que permitissem às pessoas tornarem-se auto-suficientes.
Defendia que a caridade sem estratégia de longo prazo era ineficaz e que o verdadeiro progresso só podia ser alcançado através de investimentos estruturais. Por isso, a AKDN adoptou uma abordagem integrada, combinando assistência imediata com estratégias de desenvolvimento sustentável.
A Relação com Portugal
Portugal teve um papel central na vida de Aga Khan IV, principalmente nos seus últimos anos. Em 2015, Lisboa tornou-se a sede mundial do Imamat Ismaili, uma decisão que reflectiu a confiança do príncipe na estabilidade e abertura do país. Esta escolha reforçou a relação entre Portugal e a comunidade ismaelita, consolidando uma parceria que já existia há décadas.
A presença da Fundação Aga Khan em Portugal remonta a 1983, mas foi nos últimos anos que a sua actuação se intensificou. A fundação lançou inúmeros projectos sociais, desde apoio a comunidades carenciadas até programas educativos para crianças e jovens. Além disso, desenvolveu iniciativas para a inclusão de imigrantes e minorias, contribuindo para uma sociedade mais equitativa e inclusiva.
Aga Khan IV foi amplamente reconhecido em Portugal pelas suas contribuições. Recebeu várias condecorações, incluindo a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Em 2019, tornou-se cidadão português, um gesto que simbolizou o seu profundo vínculo com o país.
O seu impacto foi também sentido no sector da saúde. Em 2019, doou um robô cirúrgico a um hospital de Lisboa, facilitando o acesso a tecnologia de ponta no tratamento de diversas doenças. Durante a pandemia da Covid-19, a sua fundação esteve na linha da frente no apoio às autoridades de saúde, fornecendo equipamento médico e ajudando no combate à crise sanitária.
A comunidade ismaelita portuguesa, é composta por cerca de 15 mil membros, pelo que o seu legado em Portugal continuará a ser sentido por muitos anos, através das instituições e projectos que criou.
O Homem por Trás do Título
Apesar da sua imensa fortuna, estimada entre 800 milhões e 13 mil milhões de dólares, Aga Khan IV sempre manteve um perfil discreto. Raramente aparecia em eventos mediáticos e preferia que o seu trabalho falasse por si. Para ele, a verdadeira riqueza não estava no dinheiro, mas no impacto positivo que se podia gerar no mundo.
Apaixonado por cavalos, fundou um dos mais prestigiados haras de cavalos de corrida. O puro-sangue Shergar, um dos mais lendários da história, pertenceu-lhe. No entanto, o seu verdadeiro interesse era o desenvolvimento humano. Acreditava que um líder deveria agir com humildade e responsabilidade, colocando sempre o bem-estar da comunidade em primeiro lugar.
Casou-se duas vezes e teve quatro filhos. O seu testamento, aberto 24 horas após a sua morte, segundo as regras, revelou que Rahim Aga Khan, o seu filho mais velho, será o novo líder dos ismaelitas. Cabe-lhe agora dar continuidade ao legado do pai e enfrentar os desafios do século XXI, mantendo os valores que sempre guiaram a comunidade ismaelita.
Conclusão
Aga Khan IV foi mais do que um simples líder religioso. Foi um visionário, um filantropo e um promotor do desenvolvimento sustentável. O seu trabalho teve impacto em milhões de vidas, especialmente em África, onde investiu em saúde, educação e infra-estruturas essenciais para o progresso das comunidades mais desfavorecidas.
A sua morte representa uma grande perda para o mundo, mas o seu legado permanecerá vivo através dos projectos que criou e das pessoas que ajudou. Rahim Aga Khan V, o seu sucessor, terá agora a responsabilidade de continuar esta missão, mantendo os valores e princípios do seu pai.
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Imagem: © 2024 Islamic Publications Limited