16.3 C
Londres
Segunda-feira, Outubro 13, 2025

Filho de Mandela Regressa Expulso De Israel

O regresso de Mandla Mandela a Joanesburgo, após dias de detenção em Israel, reacende o debate sobre os limites da solidariedade internacional e o tratamento dado aos activistas que defendem a causa palestiniana. O incidente não é apenas diplomático: tornou-se um espelho das tensões globais em torno da justiça, da memória histórica e da defesa dos direitos humanos.

Filho de Mandela Regressa Expulso De Israel


Mandla Mandela volta a estar no centro das atenções internacionais, após a sua detenção em Israel durante a operação contra a “Global Sumud Flotilla”, uma frota composta por mais de quarenta embarcações e centenas de activistas de vários países que procuravam romper o bloqueio israelita e levar ajuda humanitária a Gaza.

Símbolo da luta contra o apartheid e defensor assumido da causa palestiniana, o neto de Nelson Mandela tornou-se o rosto de um episódio que África observa com a prudência que o contexto impõe, enquanto o mundo acompanha o desdobramento de mais um capítulo tenso do panorama político e humanitário internacional.

A sua prisão e posterior deportação por Israel despertaram reacções intensas, não apenas na África do Sul, mas em todo o mundo. As acusações de maus-tratos, discriminação e humilhação dirigidas às autoridades israelitas abrem espaço para uma reflexão mais profunda sobre a coerência moral das democracias contemporâneas e sobre o uso da força contra activistas civis.

O caso que se desenrola num momento de grande tensão entre Israel e o Hamas, insere-se no quadro mais vasto da denúncia apresentada pela África do Sul ao Tribunal Internacional de Justiça, em que acusa Israel de genocídio em Gaza.

Mais do que um incidente isolado, o episódio da flotilha evidencia as feridas abertas da política internacional e recorda que a luta pela dignidade humana continua a ser travada tanto nos tribunais como no terreno.


A Flotilha da Resistência


(20251008) Filho de Mandela Regressa Expulso De Israel
Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos

Para a África do Sul, a palavra “flotilha” assumiu agora um peso simbólico. A “Global Sumud Flotilla” partiu com 42 barcos e cerca de 500 tripulantes, levando alimentos e medicamentos para uma Gaza devastada por quase dois anos de guerra. A iniciativa internacional pretendia entregar ajuda, mas também desafiar o bloqueio israelita a Gaza, considerado, por muitos, uma punição colectiva contra civis palestinianos.

As forças israelitas interceptaram as embarcações em águas internacionais, detendo cerca de 450 activistas. Entre eles encontravam-se seis sul-africanos, incluindo Mandla Mandela que ficou detido durante seis dias antes de ser libertado pela Jordânia. O activista relatou que os participantes foram algemados com braçadeiras apertadas nas costas, exibidos publicamente e mantidos em condições precárias.

“Nada do que passámos se compara ao sofrimento diário do povo palestiniano”.

Afirmou Mandla Mandela ao regressar a Joanesburgo, onde foi recebido sob aplausos e bandeiras palestinianas. O centro jurídico Adallah que representa vários activistas, denunciou agressões físicas, privação de sono e falta de acesso a água limpa e medicamentos. Relatos de activistas de outros países que também já foram libertados, corroboram estas acusações.

A sueca Greta Thunberg disse ter permanecido numa cela infestada de percevejos, com alimentação mínima. Nove activistas deportados para a Suíça falaram em espancamentos e confinamento em gaiolas. Apesar das evidências, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel negou veementemente qualquer alegação de maus-tratos.

As Divergências


Israel observou ainda que todos os activistas tiveram a oportunidade de serem deportados voluntariamente sem detenção, descrevendo as denúncias feitas pelos mesmos como “mentiras descaradas” e “golpes de propaganda a favor do Hamas”.

A África do Sul, porém, vê o incidente como mais do que um abuso: vê-o como um acto de retaliação política. O país tem sido um dos mais activos críticos de Israel, levando o caso de genocídio a Haia em 2023. Para Mandla Mandela, o tratamento imposto por Israel, foi uma punição simbólica por a África do Sul ter ousado levar o apartheid israelita ao Tribunal Internacional de Justiça.


Vozes e Silêncios


(20251008) Filho de Mandela Regressa Expulso De Israel B
Imagem: © 2025 Ministério das Relações Exteriores de Israel

Entre as testemunhas da operação estão as activistas Fatima Hendricks e Zaheera Soomar que relataram ter sido despidas à força e obrigadas a permanecer nuas diante de soldados israelitas.

“Quando viram os nossos passaportes sul-africanos, tudo mudou. Fomos tratadas como inimigas”, declarou Soomar.

O acto, interpretado como humilhação deliberada, foi condenado por organizações de direitos humanos que recordam o precedente do apartheid: um sistema de segregação racial que o mundo jurou nunca voltar a repetir.

A resposta de Telavive foi rápida. O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita classificou as acusações de “absurdas” e garantiu que todos os detidos tiveram acesso a comida, água, casas de banho e aconselhamento jurídico. Ainda assim, o padrão de denúncias, repetido por activistas suecos, espanhóis, portugueses e suíços, lança dúvidas sobre a conduta das autoridades.

O jornalista espanhol Nestor Prieto afirmou que foi obrigado a assinar documentos em hebraico sem tradução, enquanto o cônsul do seu país era impedido de entrar no porto de Ashdod. Enquanto isso, nas redes sociais, multiplicam-se vídeos pré-gravados de activistas, a pedirem para se fazer pressão sobre Israel, para serem libertados, caso fossem presos e a apelar ao fim do bloqueio.

A ofensiva israelita, iniciada após o ataque do Hamas em Outubro de 2023, já provocou mais de 65 mil mortos palestinianos, sendo que mais de metade só mulheres e crianças de crianças que sucumbiram à fome. Israel, por sua vez, alega agir em autodefesa e acusa a África do Sul de ser o “braço jurídico do Hamas”.

Os Números da Vergonha


O ataque do Hamas em Outubro de 2023, originou 1.200 mortos e causou 251 reféns. A retaliação israelita, provocou até ao momento 66.288 mortos e 169.165 feridos. O balanço inclui 2.597 mortos em locais de distribuição de ajuda operados pelas forças israelitas desde 27 de Maio. Estima-se que milhares de vítimas estarão sob os escombros nas cidades bombardeadas.

A organização Save the Children disse em 6 de Setembro que entre as vítimas mortais havia mais de 20.000 crianças, 21.000 tinham ficado com deficiências e 132.000 com menos de 5 anos arriscavam morrer de desnutrição aguda tendo já morrido 459 palestinianos, incluindo 154 crianças.

A guerra causou ferimentos graves (permanentes ou que requerem longos períodos de reabilitação) a 42.000 pessoas, incluindo 5.000 amputações, disse a Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo as Nações Unidas, 1.800 profissionais da área da saúde e 562 trabalhadores humanitários, incluindo 376 funcionários da ONU, morreram em Gaza desde 7 de Outubro de 2023.

O contraste entre as narrativas é gritante. De um lado, activistas, médicos e jornalistas retractam uma tragédia humanitária; do outro, Israel sustenta que apenas se está a defender e que que as flotilhas são encenações mediáticas destinadas a fragilizar a sua imagem. A verdade da guerra, como sempre, perde-se entre discursos, censura e silêncio.


A Herança de Mandela


(20251008) Filho de Mandela Regressa Expulso De Israel
Imagem: © 2025 Phill Magakoe / AFP

O regresso de Mandla Mandela à África do Sul teve um valor simbólico profundo. Aos 51 anos, o neto do líder antiapartheid encarna o legado de resistência que marcou a história do seu país.

“Fomos humilhados, mas o que os palestinianos vivem é mil vezes pior”.

Afirmou à chegada ao Aeroporto OR Tambo. As suas palavras mostram a realidade de duas lutas distintas, a de um povo que venceu o apartheid e a de outro que ainda vive sob ocupação. A África do Sul mantém, desde Nelson Mandela, uma posição de solidariedade inabalável com a Palestina.

“A nossa liberdade só estará completa quando o povo palestiniano for livre”.

Esta frase, dita por Nelson Mandela e tantas vezes repetida, voltou a ouvir-se nas manifestações em Joanesburgo, Pretória e na Cidade do Cabo após o regresso dos activistas da flotilha. Para muitos sul-africanos, Israel tornou-se hoje o reflexo do opressor que o apartheid representou ontem. Contudo, esta aproximação tem custos diplomáticos.

O governo israelita acusa Pretória de instrumentalizar a causa palestiniana para ganhos políticos internos e de fomentar o anti-semitismo. Mandla Mandela, por sua vez, já foi impedido de entrar no Reino Unido devido à sua suposta ligação ao Hamas. Ainda assim, o episódio reforçou a percepção mundial de que a África do Sul continua disposta a desafiar qualquer potência em nome da justiça moral.

Para além da disputa jurídica e diplomática, o caso reacende uma pergunta antiga: pode a solidariedade sobreviver num mundo em que a compaixão é criminalizada? O neto de Mandela acredita que sim. E enquanto os activistas continuam a ser presos por transportar esperança, a palavra “Sumud” — resistência firme — permanece como símbolo da teimosia humana em não desistir.


Conclusão


O episódio da “Global Sumud Flotilla” transcende a fronteira da guerra entre Israel e Gaza. Ele fala de memória, de dignidade e da persistência de causas que parecem perdidas, mas que continuam a inspirar gerações. A detenção e deportação de Mandla Mandela e dos seus companheiros recordam-nos que a história repete-se quando o poder não é contestado.

Tal como o apartheid caiu sob o peso da verdade e da resistência, também as injustiças contemporâneas acabarão por ser julgadas, se não pelos tribunais, pela consciência colectiva da humanidade. Enquanto os barcos da flotilha voltam a navegar nas águas da esperança, o mundo observa, dividido, hesitante, mas ainda capaz de reconhecer a coragem daqueles que ousam enfrentar o impossível.

 


Quem está a dizer a verdade? Mandela ou Israel? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2025 Phill Magakoe / AFP
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
Ultimas Notícias
Noticias Relacionadas

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leave the field below empty!

Captcha verification failed!
Falha na pontuação do usuário captcha. Por favor, entre em contato conosco!

error: Content is protected !!