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ToggleFilho de Mandela Regressa Expulso De Israel
Mandla Mandela volta a estar no centro das atenções internacionais, após a sua detenção em Israel durante a operação contra a “Global Sumud Flotilla”, uma frota composta por mais de quarenta embarcações e centenas de activistas de vários países que procuravam romper o bloqueio israelita e levar ajuda humanitária a Gaza.
Símbolo da luta contra o apartheid e defensor assumido da causa palestiniana, o neto de Nelson Mandela tornou-se o rosto de um episódio que África observa com a prudência que o contexto impõe, enquanto o mundo acompanha o desdobramento de mais um capítulo tenso do panorama político e humanitário internacional.
A sua prisão e posterior deportação por Israel despertaram reacções intensas, não apenas na África do Sul, mas em todo o mundo. As acusações de maus-tratos, discriminação e humilhação dirigidas às autoridades israelitas abrem espaço para uma reflexão mais profunda sobre a coerência moral das democracias contemporâneas e sobre o uso da força contra activistas civis.
O caso que se desenrola num momento de grande tensão entre Israel e o Hamas, insere-se no quadro mais vasto da denúncia apresentada pela África do Sul ao Tribunal Internacional de Justiça, em que acusa Israel de genocídio em Gaza.
Mais do que um incidente isolado, o episódio da flotilha evidencia as feridas abertas da política internacional e recorda que a luta pela dignidade humana continua a ser travada tanto nos tribunais como no terreno.
A Flotilha da Resistência

Para a África do Sul, a palavra “flotilha” assumiu agora um peso simbólico. A “Global Sumud Flotilla” partiu com 42 barcos e cerca de 500 tripulantes, levando alimentos e medicamentos para uma Gaza devastada por quase dois anos de guerra. A iniciativa internacional pretendia entregar ajuda, mas também desafiar o bloqueio israelita a Gaza, considerado, por muitos, uma punição colectiva contra civis palestinianos.
As forças israelitas interceptaram as embarcações em águas internacionais, detendo cerca de 450 activistas. Entre eles encontravam-se seis sul-africanos, incluindo Mandla Mandela que ficou detido durante seis dias antes de ser libertado pela Jordânia. O activista relatou que os participantes foram algemados com braçadeiras apertadas nas costas, exibidos publicamente e mantidos em condições precárias.
“Nada do que passámos se compara ao sofrimento diário do povo palestiniano”.
Afirmou Mandla Mandela ao regressar a Joanesburgo, onde foi recebido sob aplausos e bandeiras palestinianas. O centro jurídico Adallah que representa vários activistas, denunciou agressões físicas, privação de sono e falta de acesso a água limpa e medicamentos. Relatos de activistas de outros países que também já foram libertados, corroboram estas acusações.
A sueca Greta Thunberg disse ter permanecido numa cela infestada de percevejos, com alimentação mínima. Nove activistas deportados para a Suíça falaram em espancamentos e confinamento em gaiolas. Apesar das evidências, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel negou veementemente qualquer alegação de maus-tratos.
As Divergências
Israel observou ainda que todos os activistas tiveram a oportunidade de serem deportados voluntariamente sem detenção, descrevendo as denúncias feitas pelos mesmos como “mentiras descaradas” e “golpes de propaganda a favor do Hamas”.
A África do Sul, porém, vê o incidente como mais do que um abuso: vê-o como um acto de retaliação política. O país tem sido um dos mais activos críticos de Israel, levando o caso de genocídio a Haia em 2023. Para Mandla Mandela, o tratamento imposto por Israel, foi uma punição simbólica por a África do Sul ter ousado levar o apartheid israelita ao Tribunal Internacional de Justiça.
Vozes e Silêncios

Entre as testemunhas da operação estão as activistas Fatima Hendricks e Zaheera Soomar que relataram ter sido despidas à força e obrigadas a permanecer nuas diante de soldados israelitas.
“Quando viram os nossos passaportes sul-africanos, tudo mudou. Fomos tratadas como inimigas”, declarou Soomar.
O acto, interpretado como humilhação deliberada, foi condenado por organizações de direitos humanos que recordam o precedente do apartheid: um sistema de segregação racial que o mundo jurou nunca voltar a repetir.
A resposta de Telavive foi rápida. O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita classificou as acusações de “absurdas” e garantiu que todos os detidos tiveram acesso a comida, água, casas de banho e aconselhamento jurídico. Ainda assim, o padrão de denúncias, repetido por activistas suecos, espanhóis, portugueses e suíços, lança dúvidas sobre a conduta das autoridades.
O jornalista espanhol Nestor Prieto afirmou que foi obrigado a assinar documentos em hebraico sem tradução, enquanto o cônsul do seu país era impedido de entrar no porto de Ashdod. Enquanto isso, nas redes sociais, multiplicam-se vídeos pré-gravados de activistas, a pedirem para se fazer pressão sobre Israel, para serem libertados, caso fossem presos e a apelar ao fim do bloqueio.
A ofensiva israelita, iniciada após o ataque do Hamas em Outubro de 2023, já provocou mais de 65 mil mortos palestinianos, sendo que mais de metade só mulheres e crianças de crianças que sucumbiram à fome. Israel, por sua vez, alega agir em autodefesa e acusa a África do Sul de ser o “braço jurídico do Hamas”.
Os Números da Vergonha
O ataque do Hamas em Outubro de 2023, originou 1.200 mortos e causou 251 reféns. A retaliação israelita, provocou até ao momento 66.288 mortos e 169.165 feridos. O balanço inclui 2.597 mortos em locais de distribuição de ajuda operados pelas forças israelitas desde 27 de Maio. Estima-se que milhares de vítimas estarão sob os escombros nas cidades bombardeadas.
A organização Save the Children disse em 6 de Setembro que entre as vítimas mortais havia mais de 20.000 crianças, 21.000 tinham ficado com deficiências e 132.000 com menos de 5 anos arriscavam morrer de desnutrição aguda tendo já morrido 459 palestinianos, incluindo 154 crianças.
A guerra causou ferimentos graves (permanentes ou que requerem longos períodos de reabilitação) a 42.000 pessoas, incluindo 5.000 amputações, disse a Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo as Nações Unidas, 1.800 profissionais da área da saúde e 562 trabalhadores humanitários, incluindo 376 funcionários da ONU, morreram em Gaza desde 7 de Outubro de 2023.
O contraste entre as narrativas é gritante. De um lado, activistas, médicos e jornalistas retractam uma tragédia humanitária; do outro, Israel sustenta que apenas se está a defender e que que as flotilhas são encenações mediáticas destinadas a fragilizar a sua imagem. A verdade da guerra, como sempre, perde-se entre discursos, censura e silêncio.
A Herança de Mandela

O regresso de Mandla Mandela à África do Sul teve um valor simbólico profundo. Aos 51 anos, o neto do líder antiapartheid encarna o legado de resistência que marcou a história do seu país.
“Fomos humilhados, mas o que os palestinianos vivem é mil vezes pior”.
Afirmou à chegada ao Aeroporto OR Tambo. As suas palavras mostram a realidade de duas lutas distintas, a de um povo que venceu o apartheid e a de outro que ainda vive sob ocupação. A África do Sul mantém, desde Nelson Mandela, uma posição de solidariedade inabalável com a Palestina.
“A nossa liberdade só estará completa quando o povo palestiniano for livre”.
Esta frase, dita por Nelson Mandela e tantas vezes repetida, voltou a ouvir-se nas manifestações em Joanesburgo, Pretória e na Cidade do Cabo após o regresso dos activistas da flotilha. Para muitos sul-africanos, Israel tornou-se hoje o reflexo do opressor que o apartheid representou ontem. Contudo, esta aproximação tem custos diplomáticos.
O governo israelita acusa Pretória de instrumentalizar a causa palestiniana para ganhos políticos internos e de fomentar o anti-semitismo. Mandla Mandela, por sua vez, já foi impedido de entrar no Reino Unido devido à sua suposta ligação ao Hamas. Ainda assim, o episódio reforçou a percepção mundial de que a África do Sul continua disposta a desafiar qualquer potência em nome da justiça moral.
Para além da disputa jurídica e diplomática, o caso reacende uma pergunta antiga: pode a solidariedade sobreviver num mundo em que a compaixão é criminalizada? O neto de Mandela acredita que sim. E enquanto os activistas continuam a ser presos por transportar esperança, a palavra “Sumud” — resistência firme — permanece como símbolo da teimosia humana em não desistir.
Conclusão
O episódio da “Global Sumud Flotilla” transcende a fronteira da guerra entre Israel e Gaza. Ele fala de memória, de dignidade e da persistência de causas que parecem perdidas, mas que continuam a inspirar gerações. A detenção e deportação de Mandla Mandela e dos seus companheiros recordam-nos que a história repete-se quando o poder não é contestado.
Tal como o apartheid caiu sob o peso da verdade e da resistência, também as injustiças contemporâneas acabarão por ser julgadas, se não pelos tribunais, pela consciência colectiva da humanidade. Enquanto os barcos da flotilha voltam a navegar nas águas da esperança, o mundo observa, dividido, hesitante, mas ainda capaz de reconhecer a coragem daqueles que ousam enfrentar o impossível.
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Imagem: © 2025 Phill Magakoe / AFP