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ToggleFestas de África: Festival de Música do Deserto
Conheces o Festival de Música do Deserto, no Mali? Não? Então prepara-te para descobrir como no vasto e enigmático deserto do Saara, onde o silêncio domina e as dunas se estendem até onde a vista alcança, surge um evento que une tradição, música e um profundo desejo de paz.
Enquanto o mundo avança e as tradições se vão diluindo, há celebrações em África que resistem com uma força singular, mantendo viva a fé e a identidade de um povo, mas, da mesma forma, outras novas vão surgindo mostrando que o continente também evolui conseguindo manter a sua ancestralidade.
Hoje, continuamos a nossa série de 17 artigos sobre as Festas de África, visitando o oásis de Essakane, onde vamos mergulhar na magia de um festival que já se realiza desde 2001, não muito longe da mítica Timbuktu. Este evento, é um símbolo de resistência cultural e de celebração da identidade tuaregue, oferecendo ao mundo uma visão única do património imaterial desta região.
Ao longo de três dias, em pleno mês de Janeiro, músicos, artistas e comunidades nómadas juntam-se sob o céu estrelado do Saara para partilhar tradições e promover a paz. Inicialmente inspirado pelos encontros tradicionais dos povos tuaregues, o festival evoluiu, tornando-se uma plataforma internacional de intercâmbio cultural.
O evento, reúne habitualmente 5 mil a 8 mil pessoas, entre malianos e turistas e leva vida e cores à paisagem do Saara. Os participantes, enfrentam uma difícil jornada entre Timbuktu e Essakane para ver de perto um festival que já se tornou uma lenda entre amantes da música africana e perceber porque que é que hoje, o Mali considerado a principal referência quando se trata de música vinda da África
Se estás curioso para descobrir como este evento transforma as areias do deserto num palco vibrante de celebração e união, não deixes de ler o artigo para mergulhares na magia e no impacto deste festival único em todo o mundo.
Uma Celebração no Deserto
Tradição e Modernidade
O Festival de Música do Deserto, no Mali, é uma celebração cultural que combina séculos de tradição tuaregue com a modernidade. A origem deste evento remonta às reuniões anuais dos povos nómadas tuaregues, conhecidas como Takoubelt ou Temakannit.
Estes encontros marcavam o fim da estação de movimentação nómada, permitindo que famílias e clãs se reunissem para trocar histórias, bens e tomar decisões comunitárias. Durante dias, danças, músicas e celebrações criavam uma atmosfera de partilha e união, fortalecendo os laços entre os povos do deserto.
Hoje, esta herança cultural foi transformada no Festival de Música do Deserto, com o objectivo de preservar as tradições e, simultaneamente, adaptá-las ao mundo contemporâneo. O evento tornou-se uma plataforma de expressão artística e intercâmbio cultural, onde músicos e artistas de todo o mundo se reúnem para celebrar a diversidade.
No coração do festival está a música tradicional tuaregue, marcada pelos sons hipnóticos do imzad (um violino monocórdico) e do tehardent (um alaúde típico). As apresentações, muitas vezes acompanhadas por danças rituais, são representações vivas da história e das lutas deste povo secular.
Grupos como as Tartit, uma banda composta maioritariamente por mulheres, utilizam as suas músicas para contar histórias de resistência, espiritualidade e identidade cultural.
O festival também abriu espaço para a modernidade, recebendo artistas de outros géneros e partes do mundo. Bandas de reggae e jazz, trouxeram novos sons para o palco, criando fusões únicas com os ritmos africanos. Esta diversidade musical transforma cada edição numa experiência inclusiva e inspiradora, onde a tradição e a inovação coexistem harmoniosamente.
O Palco Natural
O festival é realizado em cenários de tirar o fôlego, no coração do Saara. Celebrado em Essakane, a 65 km de Timbuktu, o palco principal do festival é montado no meio do deserto, rodeado por dunas e com o céu do Saara como tecto. As dunas douradas e um céu pontilhado de estrelas, criam uma atmosfera mágica que não pode ser reproduzida em nenhum outro lugar.
À noite, as apresentações são iluminadas por tochas, enquanto as músicas ecoam pelo deserto, criando uma experiência sensorial inesquecível. Para muitos participantes, este cenário não é apenas um pano de fundo; é uma parte integral da experiência, proporcionando uma ligação profunda com a natureza.
Os visitantes vivem como os nómadas, acampando em tendas feitas de pele de camelo, partilhando refeições simples e enfrentando desafios como o frio intenso das noites e as tempestades de areia. Esta imersão completa na cultura local torna o festival mais autêntico e memorável.
Mas o grande desafio do festival é o fato de este se realizar no deserto, a verdadeira casa dos tuaregues, na pequena comunidade de Essakane, onde vivem cerca de 200 pessoas e, onde não há electricidade. Ao longo do ano, o local que abriga o festival é apenas uma área de dunas, com um oásis e muita pouca vegetação.
Toda a infra-estrutura necessária para o festival, incluindo os geradores da energia que garante o som e a luz dos eventos musicais, tem de ser levada de carro pelas dunas que separam Essekane de Timbuktu. Uma distância que, com sorte, dependendo do número de vezes que o carro encalhar na areia, pode ser vencida em duas horas.
Uma Experiência Cultural Única
Mais do que um festival de música, o evento é uma oportunidade de explorar a cultura tuaregue em toda a sua riqueza. As manhãs e tardes são dedicadas a actividades como corridas de camelo, workshops de artesanato e debates sobre temas relevantes à região, como a conservação do património cultural e os desafios enfrentados pelos povos nómadas.
Como descreveu um visitante:
“Este festival não é apenas sobre música; é um portal para entender a alma do deserto e das pessoas que o chamam de lar”.
A Música Como Instrumento de Paz
Resistência Cultural e Mensagem de União
Desde a sua criação, o Festival de Música do Deserto tem sido mais do que um evento cultural; é um acto de resistência. Criado para preservar a cultura tuaregue e promover o diálogo entre comunidades, o festival tornou-se um símbolo de esperança numa região marcada por conflitos.
Os tuaregues, conhecidos como “os homens azuis do deserto“, enfrentaram séculos de desafios, desde mudanças climáticas que dificultaram a vida nómada até conflitos políticos que ameaçaram a sua existência cultural. Através da música, eles encontraram uma forma de expressar as suas lutas e aspirações.
Artistas malianos cuja música ganhou reconhecimento internacional, como Ali Farka Touré e Toumani Dibaté, infelizmente já falecidos, usaram o palco do festival para destacar as tradições do Mali e promoverem a paz.
Grupos como os Tinariwen, formados por antigos guerrilheiros e pioneiros do chamado “blues do deserto“, transformaram as suas experiências de guerra em canções que defendem a reconciliação. Os seus espectáculos, são uma imagem poderosa de que a música tem o poder de curar feridas e unir comunidades.
Bono, dos U2, também se apresentou no festival para promover a paz entre os povos, actuando com músicos locais. Bono foi ao festival acompanhado com 20 pessoas da sua One Foundation e pelo ministro da Cultura do Mali.
Ibrahim Sbaï, diretor do Festival Taragalte do Marrocos, estava entre as pessoas que viram Bono e comentou:
“O ambiente do festival era caloroso e acolhedor e foi realmente óptimo ver Bono, a sua chegada foi um burburinho em todo o festival”.
A Caravana Cultural pela Paz
Em 2013, os conflitos no norte do Mali tornaram impossível a realização do festival em Essakane. Em resposta, os organizadores criaram a Caravana Cultural pela Paz, levando a essência do evento a outras regiões do Sahel e mesmo a campos de refugiados.
Esta iniciativa mobilizou 80 artistas de diferentes países, incluindo o Mali, Burkina Fasso e Marrocos. A caravana combinou música, poesia, workshops e exposições, promovendo o diálogo e a reconciliação entre povos.
Nomes como Amanar e Khaïra Arby destacaram-se nas apresentações, enquanto artistas como Sana Bob, com a sua fusão de música tradicional e reggae, levaram o público ao delírio. O impacto da caravana foi profundo. Ela manteve viva a mensagem do festival e reforçou a importância da arte como uma ferramenta para a construção da paz.
Como afirmou Manny Ansar, um dos organizadores:
“A música não tem fronteiras. É a ponte que une as pessoas e traz esperança, mesmo nos tempos mais difíceis”.
Por Que é Tão Especial?
Preservação Cultural
O Festival de Música do Deserto é um testemunho da força e da riqueza da cultura tuaregue. Cada edição é uma celebração da poesia, da dança e da música que definem este povo, garantindo que as suas tradições continuem vivas.
As apresentações não são apenas entretenimento; são uma forma de educação cultural. Os visitantes têm a oportunidade de aprender sobre os desafios e as conquistas dos povos do deserto, ganhando uma nova perspectiva sobre a importância de preservar as culturas indígenas.
Impacto Social e Económico
O festival também desempenha um papel crucial no desenvolvimento das comunidades locais. O aumento do turismo durante o evento beneficia directamente artesãos, comerciantes e guias, criando oportunidades económicas numa região muitas vezes negligenciada.
Além disso, a visibilidade internacional do festival ajuda a contrariar narrativas negativas frequentemente associadas ao país destacando o Mali como um centro de criatividade e resistência.
Uma Experiência Transformadora
Para os participantes, o Festival de Música do Deserto é mais do que um evento; é uma experiência de vida. Desde a emoção de assistir a apresentações sob as estrelas até a simplicidade de partilhar refeições com os povos locais, cada momento é único e significativo.
A combinação de música, cultura e o cenário do deserto cria uma atmosfera mágica que inspira todos os que têm a sorte de nele participar. Como afirmou um visitante:
“Este festival mudou a forma como vejo o mundo. É uma imagem poderosa de que a beleza pode florescer mesmo nos lugares mais inesperados”.
Conclusão
O Festival de Música do Deserto é uma celebração extraordinária da cultura, da música e da união. Num cenário desafiante como o Saara, ele mostra que a arte tem o poder de transcender barreiras e criar pontes entre povos e culturas.
Para quem procura uma experiência autêntica e transformadora, este festival oferece muito mais do que música. É uma viagem ao coração do Mali, onde tradição e modernidade se encontram e, onde a mensagem de paz, resoa tão forte quanto as notas musicais.
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Imagem: © 2012 Chris Nolan