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ToggleAngola: Direitos Humanos Sob Cerco
Os direitos humanos em Angola enfrentam actualmente dois grandes desafios: a repressão de manifestações pacíficas e o aumento preocupante do tráfico de seres humanos. Entre 2020 e 2023, o uso excessivo de força pelas autoridades policiais resultou em mortes, ferimentos graves e violações de liberdades fundamentais e nos últimos 10 anos, o tráfico de seres humanos, aumentou exponencialmente.
O relatório da Amnistia Internacional, lançado agora, intitulado “Promessas quebradas: Manifestantes entre gás lacrimogéneo, balas e bastões em Angola”, vem denunciar o uso excessivo e desnecessário da força pela polícia durante o mandato do Presidente João Lourenço.
Paralelamente, os últimos dez anos registaram mais de 200 casos documentados de tráfico de seres humanos, reflectindo uma rede de exploração que afecta as populações mais vulneráveis do país. Esta dupla crise revela fragilidades estruturais na protecção de direitos básicos em Angola, alimentando uma desconfiança crescente em relação às instituições responsáveis pela justiça e segurança.
Promessas não Cumpridas
A presidência de João Lourenço iniciou-se com promessas de reformas e respeito pelos direitos humanos e civis, mas a realidade tem-se desviado deste compromisso. A repressão de manifestações pacíficas com o recurso à força brutal extrema, tornou-se uma característica marcante do actual contexto político angolano.
O caso de Inocêncio de Matos, um jovem de 26 anos morto a tiro em Novembro de 2020, ajoelhado e com as mãos levantadas, durante um protesto pacífico em Luanda, contra o adiamento das eleições autárquicas, continua sem resolução e tornou-se um símbolo da repressão policial
“As pessoas em Angola protestaram quando o Presidente angolano não cumpriu com as suas promessas”.
“Em vez de respeitar o direito de manifestação, sob a sua liderança, a polícia continuou a reprimir as manifestações com força brutal”.
“As vítimas e as suas famílias merecem justiça, agora”.
Afirmou Khanyo Farisè, director regional adjunto para a África Oriental e Austral da Amnistia Internacional.
Repressão Sistemática
Outro caso muito falado, ocorreu na vila diamantífera de Cafunfo, em Janeiro de 2021, onde pelo menos dez pessoas que se manifestavam pacificamente contra a pobreza, foram mortas a tiro.
“Sem inquérito, sem apoio, sem responsabilização, há um silêncio absoluto”.
Afirmou Geraldo Dala, um manifestante que a polícia agrediu com bastões, em Luanda em Fevereiro de 2021, durante uma manifestação. Comentou ainda que, apresentar uma queixa oficial seria uma “perda de tempo”, explicando que estes episódios violam os direitos humanos e constitucionais, expondo a incapacidade das autoridades em responsabilizar os agentes envolvidos.
Outro episódio particularmente chocante ocorreu no dia 26 de Maio de 2022, quando a polícia matou a tiro Adão José André Caoluna, de 32 anos e Luís António Lourenço, de 35 anos, também conhecido por Dorito, durante uma greve dos trabalhadores da empresa Hidroeléctrica de Caculo-Cabaça (CGGC), organizada pela Federação dos Sindicatos da Construção Civil, em Cambambe, província do Cuanza Norte.
Segundo testemunhas, a polícia atingiu Dorito com duas balas, uma nas costas e outra na cabeça, enquanto tentava explicar aos agentes, os motivos da greve. Um claro exemplo da criminalização de actos pacíficos efectuada pela polícia angolana.
Além disso, o caso de Cristiano Luís Pambasangue Tchiuta, uma criança de 12 anos morta no Huambo em Junho de 2023 enquanto ia para a escola, evidenciou o impacto indiscriminado da violência policial. Em todos estes episódios, a força letal excedeu qualquer necessidade operacional.
A Amnistia Internacional documentou 11 manifestações entre 2020 e 2023, nas quais a resposta policial incluiu o uso de balas reais, gás lacrimogéneo e agressões físicas. Pelo menos 17 pessoas perderam a vida, incluindo menores de idade e transeuntes.
“Estas agressões deixaram frequentemente efeitos debilitantes e prolongados nas vítimas e nas suas famílias”.
Afirmou Khanyo Farisè, da Amnistia Internacional. Ele destacou que, além das mortes, ferimentos graves têm impedido as vítimas de retomar uma vida digna, criando um ciclo de exclusão e marginalização.
Caminhos para Justiça
Os episódios de violência policial não são apenas ataques contra indivíduos; representam também um desafio à democracia e à liberdade de expressão em Angola. As vítimas, além de sofrerem danos físicos e emocionais, enfrentam dificuldades económicas prolongadas, ampliando as desigualdades sociais.
Nenhum dos agentes ou os seus superiores responsáveis pelas violações dos direitos humanos documentadas pela Amnistia Internacional, enfrentaram a justiça. Nos poucos casos em que investigações foram prometidas pelas autoridades, como o de Inocêncio de Matos, as suas conclusões ainda não foram divulgadas. Em alguns dos casos, as respostas oficiais foram insultuosas.
No Cafunfo, as autoridades condenaram um organizador de manifestações por alegados crimes, mas nem sequer investigaram a polícia por mortes que esta reconheceu ter causado. No Huambo, em vez de oferecerem justiça às famílias dos manifestantes mortos, as autoridades distribuíram caixões
Organizações internacionais e locais têm apelado por justiça, afirmando que a Procuradoria-Geral da República deve investigar com imparcialidade os abusos cometidos, enquanto o Provedor de Justiça tem o dever de expor estas violações. Contudo, sem pressão contínua da sociedade civil e da comunidade internacional, as mudanças necessárias podem permanecer fora de alcance.
O ensurdecedor silêncio institucional, imposto pelas autoridades nacionais, contrasta com os padrões estabelecidos pela Constituição angolana e pelo direito internacional. O Protocolo sobre Direitos Civis e Políticos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, ambos ratificados por Angola, exigem que o Estado proteja os direitos à vida e à manifestação pacífica.
O Tráfico de Seres Humanos
Paralelamente à repressão policial, o tráfico de seres humanos representa outra grave violação dos direitos humanos fundamentais em Angola. Segundo dados do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, mais de 200 casos foram registados na última década, afectando principalmente mulheres e crianças.
“O tráfico de pessoas é uma das mais graves violações dos direitos humanos e requer uma resposta coesa”.
Declarou Edvalda dos Santos, a directora nacional dos Direitos Humanos de Angola, reforçando a necessidade de estratégias regionais para combater redes criminosas transnacionais.
Sublinhou ainda que cerca de 50% das vítimas resgatadas foram devolvidas às suas famílias, mas muitos casos permanecem sem resolução judicial. As províncias fronteiriças e Luanda destacam-se como os principais focos desta prática, em parte devido à vulnerabilidade das populações e à falta de fiscalização nas áreas mais isoladas.
Segundo a directora nacional dos direitos Humanos, durante um discurso na abertura de uma formação dos órgãos de defesa e segurança que trabalham na investigação de tráfico de seres humanos, iniciativa do Governo angolano em parceria com o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), entre os casos registados alguns foram julgados, quando encontrados os seus autores.
“O UNODC tem sido um parceiro crucial das forças de segurança ao fornecer meios para enfrentarem este desafio”.
Afirmou Daia de Almeida, a oficial de prevenção ao crime e justiça criminal do UNODC na África Austral, sediada em Moçambique, lembrando também que o tráfico não é apenas um problema interno. A recente reunião entre Angola e Moçambique destacou o carácter transnacional deste crime, envolvendo o contrabando de imigrantes e redes criminosas que operam na região da África Austral.
O Impacto Social
O Impacto Social
O tráfico de seres humanos e a repressão policial partilham elementos que agravam a crise de direitos humanos em Angola. Ambos os fenómenos afectam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, criando um ciclo de exclusão, pobreza e insegurança e revelam um panorama em que os direitos fundamentais são frequentemente ignorados.
Por um lado, a repressão policial intimida e silencia cidadãos que procuram reivindicar melhores condições de vida. Por outro, o tráfico de seres humanos explora a vulnerabilidade das mesmas populações, perpetuando ciclos de pobreza e marginalização.
Ambos os problemas expõem fragilidades no sistema de justiça e segurança de Angola. Apesar das formações e esforços para melhorar a aplicação da lei, as respostas institucionais ainda estão aquém do necessário para proteger as vítimas e punir os responsáveis.
Além disso, a falta de justiça nos casos de violência policial incentiva uma cultura de impunidade que também se reflecte na incapacidade de combater eficazmente o tráfico humano. Este contexto reforça a percepção de fragilidade das instituições angolanas e da urgência de reformas profundas no sistema judicial e de segurança pública.
Conclusão
Angola enfrenta uma encruzilhada em matéria de direitos humanos. A violência policial e o tráfico de seres humanos representam desafios distintos, mas interligados que exigem atenção urgente das autoridades. É necessário reforçar a transparência, a responsabilização e a implementação de políticas eficazes para garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados e protegidos.
Ações imediatas e de longo prazo, como investigações imparciais, apoio às vítimas e fortalecimento das instituições judiciais, são cruciais para restaurar a confiança pública e promover uma sociedade mais justa e segura.
“As vítimas de violações de direitos humanos, sejam elas manifestantes pacíficos ou vítimas de tráfico, merecem justiça agora”.
Apelou Khanyo Farisè, explicando que sem um compromisso genuíno das autoridades, Angola continuará a enfrentar desafios que enfraquecem a sua democracia e o bem-estar da sua população.
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Imagem: © 2024 Ampe Rogério