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Terça-feira, Agosto 26, 2025

A Vida selvagem No Quénia Está Ameaçada

O Parque Nacional de Tsavo no Quénia e as comunidades vizinhas estão vulneráveis e a vida animal encontra-se em xeque. Uma ajuda poderosa, os fundos da USAID, da qual dependia a sobrevivência de milhares de animais foi abruptamente interrompida em Janeiro de 2025.

A Vida selvagem No Quénia Está Ameaçada


O Parque Nacional de Tsavo, no Quénia, teme o ressurgimento e agravamento da caça ilegal após o corte abrupto da ajuda do Governo norte-americano, alertou hoje o Fundo Internacional para o Bem-Estar dos Animas (IFAW).

Tsavo não é um parque comum. Dividido em dois grandes blocos — Tsavo Este e Tsavo Oeste — e rodeado por um mosaico de 35 reservas distintas, o parque abriga mais de 500 espécies de aves e cerca de 60 espécies de mamíferos, incluindo o rinoceronte negro, considerado criticamente ameaçado.

A USAID prometeu apoio ao projecto por cinco anos, para fortalecer a protecção da biodiversidade, desenvolver a resistência climática e combater a caça ilegal, com duração prevista até 2027. Entretanto, em Janeiro deste ano, o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, congelou todo o financiamento da USAID e desmantelou a agência por completo.

Trump tem sido um crítico dos programas de desenvolvimento africanos, chamando-os de “desperdício” do dinheiro dos contribuintes. O fim da USAID repercutiu-se em centenas de iniciativas de preservação da vida selvagem financiadas pelos EUA em todo o mundo.

Durante anos, o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) — no valor de 7,8 milhões de dólares — permitiu treinar 133 guardas comunitários, reabilitar aproximadamente 300 quilómetros de estradas de patrulha, além de apoiar projectos de restauração de habitats, vacinação de gado e programas para reduzir a pressão sobre a vida selvagem.

Tudo isso foi suspenso. O IFAW afirma estar a procurar modelos alternativos de financiamento — créditos de biodiversidade e fundos verdes nacionais — mas o risco é imediato, a ameaça é real e o tempo escasseia, pois, o frágil equilíbrio que protege centenas de espécies pode rapidamente inclinar-se para o lado errado.


O Que se Perdeu


Imagem © 2018 David Clode - Unsplash (20250826) A Vida selvagem No Quénia Está Ameaçada

O aviso do IFAW surge como um alerta não só para o Quénia, mas para toda a comunidade de conservação da África Oriental: a estrutura que mantinha a caça ilegal sob controlo em Tsavo foi desmantelada de forma súbita. Durante mais de cinco anos, o apoio da USAID permitiu uma abordagem integrada que ia muito além da simples presença de guardas no terreno.

O treino dos guardas uniformizou métodos de recolha de provas, procedimentos de detenção e segurança, transformando 133 recrutas locais numa força coordenada. As estradas reabilitadas abriram o acesso a zonas antes inacessíveis, reduzindo drasticamente o tempo de resposta.

As casas para os guardas permitiram uma presença contínua junto dos corredores ecológicos mais críticos, garantindo uma vigilância permanente. Mas tão importantes como estas medidas visíveis, foram os investimentos silenciosos. A plantação de 6.000 mudas para restaurar pastagens degradadas diminuiu o conflito entre agricultores e animais.

As campanhas de vacinação do gado limitaram as doenças que muitas vezes desencadeavam retaliações contra os predadores. E os projectos de melhoramento pecuário ajudaram as famílias a obter mais rendimentos com menos animais, reduzindo a pressão sobre as zonas protegidas.

Esta teia de acções — fiscalização, acesso e sustento — criou uma barreira eficaz contra as redes de caça ilegal. Sem este apoio, a equação muda. Os caçadores ilegais procuram brechas: menos patrulhas nocturnas, postos abandonados, viaturas sem combustível e estradas intransitáveis. Nestas condições, o risco compensa.

A Caça Ilegal


Imagem © 2014 IFAW (20250826) A Vida selvagem No Quénia Está AmeaçadaO marfim e os cornos dos rinocerontes continuam a ser mercadorias de alto valor nos mercados ilícitos e, até alguns meses de fragilidade, podem bastar para reactivar as rotas de tráfico. A dimensão de Tsavo agrava a situação. O parque tem uma extensão maior do que alguns países, coberto por matagais e campos de lava que escondem movimentos e apagam os rastos.

Um único bebedouro não vigiado pode transformar-se num ponto de matança. As operações guiadas por inteligência dependem da continuidade, de dados e da confiança — elementos que desaparecem quando o financiamento falha. Até os instrumentos básicos — rádios, baterias, pneus — ficam em falta, e a densidade das patrulhas cai. As consequências económicas para o Quénia, são igualmente sérias.

O turismo depende da imagem da segurança e da possibilidade de observar animais em liberdade. As notícias de caçadas furtivas, carcaças abandonadas ou tiros no parque podem afastar os visitantes e reduzir as receitas. Essa quebra de rendimento pode empurrar as comunidades para vias alternativas de sobrevivência como a caça furtiva para consumo próprio ou a colaboração com redes criminosas.

O IFAW sublinha que tudo isto pode ser evitado. Se houver fundos de emergência, as patrulhas mantêm-se activas, os veículos continuam a circular e os informadores mantêm-se leais. O que se perdeu em Tsavo não foi apenas um subsídio: foi todo um sistema de dissuasão que mantém de pé um ecossistema inteiro.


O Impacto Regional


Imagem © Donal Boyd - IFAW (20250826) A Vida selvagem No Quénia Está AmeaçadaO choque em Tsavo tem efeitos que extravasam o Quénia. Os programas apoiados pela USAID também operavam em Moçambique, Madagáscar, Rwanda Congo, ligando a conservação da natureza a meios de subsistência locais, à resistência climática e até à segurança transfronteiriça.

Quando o financiamento desaparece, não é apenas a vida selvagem que sai a perder. Programas que ofereciam rendimentos estáveis — turismo, apicultura, artesanato, cooperativas de mulheres, combustíveis alternativos — ficam paralisados. Isso empurra as famílias para escolhas difíceis e, por vezes, para o envolvimento com traficantes de marfim e madeira.

O IFAW aposta agora em créditos de biodiversidade e em fundos verdes nacionais, uma via promissora, mas lenta. Estes mecanismos requerem certificação, auditoria e governos sólidos — processos demorados, enquanto a necessidade em Tsavo é imediata: combustível, salários, manutenção de viaturas e equipamentos para os próximos meses, não para o próximo ano.

Como se Deve Agir


A solução exige três frentes. Primeiro, o governo do Quénia deve mostrar o seu compromisso através de reforços orçamentais, mesmo que modestos, para manter activo o núcleo da força de patrulha. Segundo, os parceiros internacionais — União Europeia, Banco Africano de Desenvolvimento, Fundo Verde para o Clima — podem mobilizar subvenções de emergência para colmatar a falha de financiamento.

Terceiro, o sector privado do turismo precisa de contribuir, aplicando taxas de conservação por estadia ou por safári, reinvestidas directamente em patrulhas e infra-estruturas.

Como o fazer?

  1. Manter os efectivos no terreno — garantir contractos estáveis para os 133 guardas treinados.
  2. Assegurar mobilidade — repor combustível, pneus e rádios.
  3. Inteligência local — preservar as redes de informadores nas aldeias.
  4. Resposta rápida — criar equipas móveis por sector, prontas a intervir em minutos.
  5. Justiça eficaz — assegurar que os detidos enfrentam processos sólidos em tribunal.
  6. Apoio às comunidades — recuperar pequenos projectos geradores de rendimento que reduzem a pressão sobre a fauna.
  7. Transparência — divulgar relatórios trimestrais sobre patrulhas, apreensões e sensibilizações comunitárias.

A lição é clara: a vida selvagem desaparece depressa e recupera lentamente. A morte de uma única fêmea de elefante ou de um rinoceronte negro representa a perda de décadas de protecção. O dilema colocado a governos, parceiros e comunidades é simples: permitir que a fragilidade actual destrua esse património ou agir já para proteger Tsavo e o que ele representa.


Conclusão


O aviso do IFAW não deixa margem para dúvidas: o corte da ajuda da USAID deixou Tsavo exposto e vulnerável. A dimensão do parque, a riqueza da sua biodiversidade e a sua importância económica para o Quénia significam que o preço da inacção será pago em carcaças de animais, em turistas que deixam de visitar o parque e em comunidades forçadas a escolhas desesperadas.

Mas a solução está ao alcance: preencher a lacuna financeira de imediato, manter as patrulhas operacionais e reforçar os mecanismos comunitários. Depois, construir um modelo de financiamento robusto e diversificado que garanta que Tsavo nunca mais fica dependente de uma única fonte externa.

Elefantes a atravessar as planícies vermelhas, os rinocerontes negros entre as acácias e aves a sobrevoar o planalto de Yatta são os símbolos de uma herança que pertence a todos. Se o silêncio tomar conta de Tsavo, não será por falta de aviso, mas por falta de resposta.

 


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Imagem: © 2024 Erwin Gerber / Unsplash
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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