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ToggleA Capoeira Angola dá Nova Vida a Nairobi
Na periferia de Nairobi, a capoeira — uma arte marcial de origem angolana, nascida nas comunidades escravizadas do Brasil — está a transformar vidas. Sob a liderança do Mestre Salim Rollins, a prática combina dança, música e técnicas de autodefesa, oferecendo aos jovens do bairro de Kibera, em Nairobi, no Quénia, uma terapia através de movimentos ancestrais.
Criada por africanos deportados para o Brasil colonial, a capoeira serviu como resistência silenciosa contra a opressão. No século XX, mestres capoeiristas estruturaram-na como um sistema formal, harmonizando a autodefesa e a tradição cultural. Em 2014, a UNESCO elevou-a a Património Imaterial da Humanidade, reconhecendo o seu valor histórico.
Actualmente, a prática regressa a África como símbolo de identidade. No coração de Kibera, o Centro de Capoeira Angola, do Mestre Salim, destaca-se como um farol de esperança. Os jovens aprendem movimentos que misturam agilidade, cantos tradicionais e percussão, combatendo o stress da pobreza extrema.
“NÃO É UM PASSATEMPO, É UMA TERAPIA QUE SALVA VIDAS”, CONFESSA NASRI BABU, ALUNO DO CENTRO HÁ CINCO ANOS.
O projecto já formou mais de 200 capoeiristas, provando que a cultura pode alicerçar mudanças sociais. O reconhecimento internacional reforça o papel da arte na luta pela dignidade dos oprimidos.
Raízes da Resistência

A capoeira nasceu nas senzalas brasileiras, onde os escravos angolanos simulavam danças para camuflar treinos de combate. Os movimentos ágeis imitavam os gestos de animais como a onça e o macaco, enganando os capatazes. Proibida pelas autoridades no século XIX, a prática sobreviveu nas ruas, adoptada por marginalizados e revolucionários.
Nos anos 1930, o Mestre Bimba revolucionou-a ao criar a Capoeira Regional, integrando elementos tradicionais com técnicas de autodefesa modernas.
As letras das canções, cantadas em português e kimbundu, narram episódios de liberdade e resistência contra a escravidão. O círculo da roda, espaço sagrado onde os praticantes se movem, simboliza a união e a energia colectiva das comunidades.
Impacto Social em Kibera

O Centro de Capoeira Angola atrai crianças, adolescentes e adultos desde a sua fundação em 2019. O Mestre Salim adaptou a prática à realidade local, utilizando espaços comunitários improvisados e promovendo eventos em escolas públicas. Os instrumentos utilizados, como o berimbau (hungu) de origem bantu e o atabaque de percussão, mantêm viva a memória africana.
Nos treinos de Kibera, os participantes iniciam cada sessão com cânticos de chamada e resposta, herdados das tradições orais africanas. Dois capoeiristas adentram o centro da roda, entrelaçando movimentos num diálogo corporal, enquanto o grupo circundante canta e bate palmas ritmadamente.
Os jovens que antes vagavam pelas ruas, vulneráveis ao recrutamento por gangues, dominam hoje acrobacias complexas e técnicas de autoconfiança. A capoeira afastou-os do crime e deu-lhes um propósito ao aprenderem a defender-se sem recorrerem à violência. A disciplina exigida pela arte substitui a agressividade que antes dominava as ruas do bairro.
O aspecto terapêutico da prática manifesta-se nas sessões que combinam exercícios físicos com debates sobre história africana. Os participantes discutem temas como auto-estima, igualdade de género e resolução pacífica de conflitos.
As mulheres que representam quarenta por cento dos alunos, desafiam estereótipos ao executarem movimentos como o aú (estrela) e o meia-lua de compasso, provando que não há distinção entre os homens e as mulheres.
A redução da criminalidade em áreas com grupos activos de capoeira tornou-se evidente nos últimos dois anos. Tem surgido menos confrontos entre gangues e uma maior cooperação entre os moradores. A polícia local reconhece o impacto positivo já que os jovens que praticam capoeira se tornaram embaixadores da paz nas ruas.
Futuro da Tradição

O Mestre Salim tem planos para expandir o centro para outras regiões do Quénia, incluindo zonas rurais afectadas pelo desemprego juvenil. As parcerias que já obteve, com o Ministério da Educação, visam integrar a capoeira no currículo escolar como actividade extracurricular.
“Queremos formar novos mestres capazes de multiplicar este legado”.
Afirma o fundador do centro, enquanto supervisiona um treino avançado e explica que os jovens como o seu discípulo, Beckham Otieno, já assumem papéis de instrutores e ensinam crianças em igrejas e centros sociais e o governo queniano estuda reconhecer oficialmente a capoeira como desporto nacional, abrindo portas para o financiamento estatal.
A UNESCO também ajuda a esse desenvolvimento, ao promover intercâmbios culturais entre capoeiristas de Kibera, do Brasil e de Angola. Em 2023, um grupo de dez jovens quenianos viajou para Luanda, onde participou em workshops com mestres angolanos.
Apesar dos avanços, ainda permanecem desafios importantes como a falta de financiamento e a escassez de equipamentos adequados. A comunidade de Kibera responde com criatividade, ao fabricarem berimbaus artesanais e a adaptarem espaços públicos para os treinos.
“A capoeira não é só movimento. É a voz dos que nunca foram ouvidos”.
Conclui o Mestre Salim, enquanto observa os alunos a executarem uma roda perfeita ao pôr do sol.
Centro de Capoeira Angola Kibera

O Centro de Capoeira Angola Kibera foi fundado pelo Contra-Mestre da arte, Salim Rollins, discípulo do renomado Grão-Mestre João Grande, em 1995. Como primeira filial africana do Centro de Capoeira Angola do Mestre João Grande, o CAC Kibera desempenha um papel importante na interligação da Capoeira Angola com as suas raízes ancestrais no continente africano.
Conclusão
A capoeira transformou o bairro de Kibera num epicentro de esperança e renovação cultural. Jovens que antes viam a vida através da lente da exclusão redescobriram o orgulho das suas raízes africanas. A fusão de música, dança e luta prova que a arte pode ser tão poderosa quanto qualquer política social.
O reconhecimento internacional pela UNESCO valida séculos de resistência e adaptação, enquanto Nairobi mostra ao mundo como é que as tradições ancestrais, quando revitalizadas, podem regenerar tecidos sociais dilacerados provando que a Capoeira é uma ferramenta essencial para a vida, e para a liberdade.
O que achas do papel da capoeira na transformação das comunidades mais desfavorecidas? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2016 CAC Kibera