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ToggleA Arte do Lixo: Dotun Popoola, A Força Do Metal
Conheces os artistas africanos que transformam lixo em arte? Não? Então prepara-te para entrar no universo de Dotun Popoola, escultor nigeriano cuja obra redefine a matéria, a memória e o próprio conceito de criação artística no continente. Num mundo onde o consumo excessivo, o abandono e o esquecimento se cruzam, emergem artistas que encontram a beleza onde outros só vêem resíduos.
Dotun Popoola está entre os artistas mais marcantes desta geração: reúne tradição, inovação, domínio técnico e uma consciência ambiental profunda, transformando ferro-velho em figuras monumentais que transbordam de energia e mostram a força da natureza e das culturas africanas.
Este é o 13.º artigo de um conjunto de 17, dedicados a artistas que vêem no lixo uma forma de criar arte inovadora e que fazem da reciclagem um acto poético, político e visual, reinventando a sustentabilidade e o futuro do planeta. Cada peça é uma prova de resistência, criatividade e ligação às comunidades, demonstrando que do que parecia perdido pode nascer algo belo e transformador.
Se procuras inspiração, inovação e uma perspectiva diferente sobre o potencial da arte, não percas esta viagem. Vais descobrir novas formas de compreender o ferro-velho como matéria artística, entrando no universo de Dotun Popoola e percebendo que África é um palco vibrante da arte contemporânea, onde se desafiam os limites do possível ao criar arte feita a partir do inesperado: o lixo.
Dotun Popoola

Dotun Popoola, nasceu em Lagos na Nigéria em 1981, emergiu como um expoente da arte nigeriana, moldado por um ambiente de expansão urbana acelerada, pela abundante disponibilidade de lixo industrial e pela efervescência de novas linguagens artísticas no país.
Ao crescer numa Lagos em plena transformação, Popoola encontrou na reinterpretação de materiais descartados um meio de expressão singular, elevando o resíduo urbano à categoria de arte. Este processo transformou-o num escultor de metal sinérgico, internacionalmente reconhecido pelas suas esculturas monumentais hiper-realistas.
A sua formação académica é a base da sua mestria. Obteve um Diploma Nacional em Pintura e Artes Gerais pela Politécnica de Auchi, no estado de Edo, onde se destacou como o melhor aluno da sua área em 2004. Prosseguiu os seus estudos na Universidade Obafemi Awolowo, na Nigéria, completando licenciaturas em Belas Artes e Artes Aplicadas, com especializações em escultura e pintura. Esta sólida base educacional dotou-o de um entendimento profundo de formas, volumes, cor e luz, pilares essenciais para a sua prática escultórica.
A sua paixão reside em transformar lixo metálico em tesouros, elevando o ferro-velho a uma forma de arte com uma profunda consciência social. Atualmente, trabalha a tempo inteiro como artista experimental no seu estúdio, dedicando-se à criação e à partilha do seu conhecimento.
Além da sua prática criativa, Dotun é um mentor activo, ministrando workshops de arte para estudantes, profissionais, ONGs e instituições diversas, tanto a nível local como internacional, e continua a proporcionar oportunidades de mentoria no seu estúdio, no sudoeste da Nigéria.
Reconhecimento Internacional
A sua obra alcançou um vasto reconhecimento internacional, solidificado através da participação em prestigiadas feiras e exposições. Já em 2009, foi distinguido com o Prémio do Director-geral de Melhor Artista do ano na primeira edição do concurso de artes do NYSC (Serviço Nacional da Juventude), assinalando um reconhecimento precoce do seu talento.
A sua projeção global intensificou-se com eventos significativos: em 2018, esteve presente na Feira Internacional de Arte da África Ocidental “ARTX Lagos”. Representou a Nigéria na primeira exposição de arte sobre lixo no Catar em 2019 e, em 2020, no Festival Global de Arte em Gujarat, Índia.
Dotun Popoola possui um extenso currículo, com vinte e nove exposições coletivas, catorze conjuntas e quatro individuais. É também responsável pela execução de diversas esculturas monumentais e grandes murais, tanto na Nigéria como nos Estados Unidos.
A sua imensa contribuição para o crescimento da arte mundial foi amplamente destacada em mais de 40 publicações em jornais e emissoras de televisão, incluindo veículos de renome internacional como o New York Times e a Al Jazeera.
Trajectória Artística

O percurso artístico de Dotun Popoola é marcado por uma evolução contínua e uma profunda dedicação à experimentação, que transcendeu a sua formação inicial em pintura.
O treino na Auchi Polytechnic foi fundamental para desenvolver uma forte noção de cor, luz e composição, que mais tarde adaptou com mestria ao metal, aguçando a sua sensibilidade visual e o interesse por representações figurativas que exploram volume e carácter.
Na Universidade Obafemi Awolowo, o contacto com professores que investigavam formas híbridas de arte e a forte orientação para a interdisciplinaridade incentivaram-no a explorar materiais pouco convencionais, unindo disciplinas que, tradicionalmente, não dialogavam directamente. Este período foi crucial para a sua transição e para a sua certificação como escultor de metal híbrido.
Um marco decisivo na sua trajectória foi a residência artística no estúdio de John Lopez, em Lemmon, Dakota do Sul, nos Estados Unidos. Durante esta residência, Dotun aprofundou técnicas avançadas de soldadura, manipulação estrutural e composição em grande escala, o que transformou profundamente o seu entendimento da escultura metálica.
A vida na zona rural norte-americana expô-lo à fauna local e a formas de movimento animal, enriquecendo o seu repertório formal e influenciando directamente a representação dos animais que hoje caracterizam a sua obra.
Entre 2012 e 2018, Dotun Popoola trabalhou como curador II na Galeria Nacional de Arte, em Oshogbo, no estado de Osun, Nigéria. Esta experiência proporcionou-lhe um conhecimento aprofundado sobre o funcionamento do sistema artístico, a preservação de acervos e a circulação de obras, refinando a sua perceção crítica e consolidando a consciência da responsabilidade social da arte.
A Arte de Dotun Popoola

A arte de Dotun Popoola caracteriza-se por uma abordagem sistemática, onde a selecção do ferro-velho é crucial para a modelação final. Antes de iniciar, procura o metal adequado, observando textura, peso, curvatura e desgaste. A recolha é quase arqueológica, examinando oficinas, depósitos e zonas industriais por elementos que contribuam para o carácter expressivo.
O contacto directo com o metal em estado bruto permite-lhe compreender o “historial físico” de cada peça antes de a incluir na escultura final. Uma dimensão essencial do seu trabalho reside na organização e catalogação dos fragmentos de ferro-velho.
Popoola desenvolveu um sistema próprio, separando molas, rodas dentadas, suportes, placas e tubos, facilitando combinações rápidas no processo construtivo. A soldadura, para ele, não é um mero acto técnico, é uma forma de desenhar no espaço uma linha contínua tridimensional.
Cada soldadura é colocada com um objectivo específico, criando tensões, texturas e contrastes visuais que distinguem musculatura, pelagem ou movimento nos corpos animais. Outro aspecto singular é o interesse pela expressividade. Apesar do carácter metálico e rígido do ferro-velho, alcança resultados que sugerem movimento fluído, energia acumulada e até emoções.
Nas figuras caninas, transmite alerta ou agressividade; nos touros, evidencia potência e estabilidade; e nas aves metálicas, surgem equilíbrio e leveza. Esta capacidade expressiva demonstra o seu domínio sobre proporção e anatomia, desenvolvido na formação académica e aplicado agora em contexto escultórico.
Além disso, dedica especial atenção ao acabamento das peças. Mantém o desgaste original do ferro-velho, mas introduz polimentos localizados para evidenciar contrastes entre brilho e opacidade. Por vezes, utiliza diferentes tipos de metal para criar variações cromáticas naturais, sem recorrer a tinta.
O resultado final é uma fusão entre desenho anatómico, engenharia mecânica e narrativa visual. O artista constrói mais do que corpos, constroi identidades metálicas que carregam a memória do material que as compõe.
O Simbolismo de Dotun Popoola

O simbolismo na sua obra nasce da convicção de que o lixo industrial possui um significado oculto. Cada peça de metal é, para ele, um testemunho silencioso do funcionamento de uma sociedade: máquinas, motores, estruturas e veículos que integraram vidas.
Ao recuperar estes fragmentos, Popoola reatribui não apenas função material, mas reabre a possibilidade de uma leitura histórica do ferro-velho. Esta perspectiva transforma as esculturas em documentos visuais, fundindo memória industrial e imaginação artística. A escolha dos animais como protagonistas do seu universo simbólico é significativa.
Para Popoola, os animais representam arquétipos de força, instinto, protecção, resiliência e transformação. Ao construí-los a partir de resíduos urbanos, cria um contraste entre a pureza simbólica da natureza e a agressividade do metal descartado. Este contraste sublinha a difícil coexistência entre ambiente natural e industrializado.
Através desta tensão, o artista questiona como o progresso tecnológico afecta os ecossistemas, modos de vida e relações humanas. A técnica também é simbólica. A soldadura, vista como uma actividade puramente industrial, adquire um significado ritual nas mãos de Popoola. O acto de unir partes partidas ou esquecidas torna-se um gesto de reparação.
Cada solda metaforiza ligações sociais, reconstrução de identidades e recuperação de espaços degradados. A obra, nesse sentido, opera como um manifesto por uma sociedade que precisa de recompor-se a partir de resíduos — materiais, emocionais e colectivos.
Não ocultar as imperfeições do metal reforça esta intenção simbólica. O artista não procura superfícies lisas ou formas idealizadas; prefere a história visível do ferro-velho, pois o desgaste, as marcas e as fracturas são registos da passagem do tempo.
Ao compor a figura animal, estes elementos sugerem que estruturas marcadas pela violência do uso ou pelo abandono podem ascender a novos significados. Assim, Popoola articula uma ética de resgate material com uma visão espiritual de regeneração e continuidade.
As Mensagens na Arte de Dotun Popoola

As mensagens presentes na arte de Dotun Popoola desdobram-se em múltiplas camadas que ultrapassam a simples valorização da reciclagem. Uma das preocupações centrais do artista é destacar o problema crescente do ferro-velho nas grandes cidades nigerianas, onde toneladas de resíduos metálicos são acumuladas sem tratamento adequado.
Ao transformar estes materiais em esculturas de grande impacto visual, revela o potencial criativo de um recurso que normalmente é associado à poluição e ao abandono. A presença dessas esculturas em galerias, feiras e espaços públicos funciona como um alerta sobre a quantidade de resíduos que a sociedade produz e ignora. Além disso, o trabalho do artista dialoga com questões socioeconómicas.
O ferro-velho que utiliza provém frequentemente de sectores industriais marcados pela precariedade laboral, pela obsolescência tecnológica e pela falta de reciclagem eficiente. Ao converter esse metal em obra de arte, sublinha as desigualdades que estruturam o acesso aos recursos e evidencia como materiais oriundos de espaços marginalizados podem ganhar novas funções e significados.
A obra, nesse sentido, soa como um manifesto sobre a redistribuição simbólica de valor. No plano ambiental, destaca que a poluição metálica afecta solos, rios, ecossistemas e vidas humanas. A sua obra, ao tornar visível o problema, promove a reflexão sobre práticas sustentáveis, incentivando comunidades urbanas a questionar o destino final dos resíduos que produzem.
também utiliza a sua visibilidade pública para defender a urgência de políticas de reciclagem mais robustas e para sensibilizar a população sobre o impacto do ferro-velho na saúde colectiva. Outro elemento social importante aparece na forma como as suas esculturas celebram a identidade africana.
Os animais que constrói, apesar de feitos de fragmentos industriais, evocam força cultural, mitos e símbolos ancestrais presentes em várias comunidades africanas. Assim, a reciclagem torna-se também um veículo de afirmação identitária, valorizando tradições e patrimónios que resistem ao tempo.
Legado Sustentável

O percurso de Dotun Popoola ganha contexto num tempo em que a quantidade de lixo industrial, urbano e tecnológico cresce a um ritmo inquietante. As suas esculturas demonstram que a arte pode tornar-se um laboratório para experimentar outras formas de habitar o mundo, em vez de consumir e descartar.
Ao construir animais monumentais com ferro-velho, o artista propõe uma fábula: se um corpo poderoso se recompõe de fragmentos metálicos abandonados, talvez seja possível reconstruir cidades, relações sociais e economias do que foi negligenciado.
Esta visão afasta a ideia de reciclagem como gesto menor e aproxima-a de exercício de imaginação política, onde cada peça aponta para um modo alternativo de organizar o real.
Num panorama que valoriza o brilho imediato, a obra de Popoola expõe o substrato da sociedade: por detrás de cada escultura estão oficinas, trabalhadores, fábricas em ruínas, máquinas desactivadas, quintais cheios de lixo, estradas onde carros abandonados ficaram esquecidos.
Ao trazer esses fragmentos para o centro da história, o artista desloca o olhar colectivo e sugere que o futuro depende de como tratarmos o excedente. A sua prática oferece uma cartografia alternativa do progresso: a medida do desenvolvimento não é só o que se produz, mas o que se transforma, repara e reimagina.
Ao mesmo tempo, o trabalho de Dotun Popoola posiciona África nos debates mundiais sobre sustentabilidade e arte contemporânea sem perder a ancoragem local. As suas esculturas dialogam com preocupações mundiais sobre lixo e consumo, mas partem da experiência nigeriana: dos seus espaços industriais, ruas e histórias.
Seguir o percurso deste artista é reconhecer que o ferro-velho não é o fim, mas matéria de começo. Numa crise ambiental que exige respostas concretas, a sua obra lembra que uma dessas respostas passa por imaginar, construir e cuidar de novas formas usando o que o sistema descartou.
Conclusão
Dotun Popoola representa uma geração de criadores que recusam aceitar o lixo como destino final da matéria. Através de técnicas exigentes, conhecimento académico e sensibilidade cultural, transformo ferro-velho em esculturas que dialogam com tradição, modernidade e consciência ambiental.
O artista não procura esconder as marcas do metal usado; exibe-as como parte da identidade da peça e como testemunho das vidas anteriores desses fragmentos. No panorama actual, marcado por desigualdades, consumismo e degradação ambiental.
o trabalho de Popoola assume relevância particular: demonstra que a arte africana contemporânea pode estar na vanguarda das questões que definem o século XXI. Acompanhar o seu percurso é testemunhar o crescimento de um dos escultores mais inventivos que trabalham com resíduos metálicos no continente.
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Imagem: © 2023 Dotun Popoola Studios
