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ToggleFestas de África: Sauti za Busara o Som da Vida
Conheces o Festival de Sauti za Busara? Não? Então estás prestes a descobrir um dos eventos musicais mais vibrantes de África.
Enquanto o mundo se move a ritmos acelerados e as tradições se vão diluindo, há celebrações em África que preservam a essência da identidade cultural africana, resistindo ao tempo e às mudanças. O Sauti za Busara (em kiswahili, “Sons da Sabedoria”) é um desses eventos que transcende a música, tornando-se um símbolo de resistência, criatividade e união.
Hoje, terminamos a nossa série de 17 artigos sobre festividades de África, onde exploramos os eventos que dão vida e cor às comunidades do nosso continente e mergulhamos nas histórias e experiências destas celebrações únicas, onde a cultura, a espiritualidade e as tradições resistem ao tempo e ligam gerações.
Desde 2004, O Festival Sauti za Busara (“Sons da Sabedoria”) é realizado anualmente em Fevereiro e celebra a riqueza sonora do continente, reunindo artistas emergentes e consagrados. Com quatro dias de música ao vivo, workshops e feiras culturais, o Sauti za Busara transforma Zanzibar num palco de união e diversidade.
Em África, a música é mais que entretenimento – é sangue, memória e revolução. Este festival, encarna essa verdade e desafia as narrativas coloniais. Criado para combater a erosão cultural em Zanzibar, em pouco tempo, tornou-se num movimento pan-africano. Stone Town, outrora centro do comércio de escravos, transformou-se em palco de liberdade, onde as grilhetas deram lugar às guitarras.
A escolha do Ngome Kongwe (Fortaleza Velha) como palco principal não foi casual: este monumento do século XVII que já defendeu Zanzibar de invasores, hoje protege identidades. O impacto é tal que o lugar “fala” antes mesmo do primeiro acorde.
Em 2025, sob o tema “Vozes pela Paz”, o evento destacou o papel da arte na reconciliação. Artistas como Thandiswa Mazwai (África do Sul) e The Zawose Queens (Tanzânia) mostraram como a música cura feridas históricas. Prepara-te agora para uma viagem fascinante, vem descobrir porque é que este evento é tão especial e aprender como se reescreve o futuro de África, nota a nota.
A História do Festival
Origens em Contexto de Resistência
Na década de 1990, Zanzibar enfrentou uma crise cultural profunda. Géneros tradicionais como o taarab, outrora vibrantes, foram substituídos por música pop ocidental nas rádios e espaços públicos.
Os artistas locais viram-se marginalizados, com casas de cultura a fecharem portas devido à falta de apoio. Esta erosão motivou um grupo de activistas, liderados por Fatma Hassan, a agir.
Em 2004, nasceu o Sauti za Busara, com o objectivo declarado de “devolver a ilha aos seus sons”. A primeira edição contou com 15 bandas locais, todas escolhidas para representar a autenticidade cultural. Destaque para Bi Kidude, lendária cantora de taarab, que aos 92 anos subiu ao palco descalça, vestindo um kanga tradicional.
O nome “Sauti za Busara” (“Sons da Sabedoria”) foi escolhido após meses de debates. Mahmoud, um co-fundador, explicou que a escolha visava honrar a herança swahili e a sabedoria ancestral. O evento foi instalado no Ngome Kongwe, fortaleza colonial abandonada, transformando-a num símbolo de resistência cultural.
Em 2007, o festival ganhou reconhecimento internacional ao receber o prémio “Afrika Heritage” da UNESCO. Este marco atraiu artistas de Moçambique, Quénia e até da diáspora africana na Europa, consolidando-o como um evento pan-africano. A edição desse ano incluiu workshops sobre preservação de instrumentos tradicionais.
Desafios e Triunfos
Em 2016, cortes de financiamento ameaçaram cancelar o festival. A equipe organizadora lançou a campanha “Salvem os Nossos Sons”, angariando 50.000 USD em duas semanas. Contribuíram 1.200 doadores de 25 países, incluindo fãs anónimos e instituições culturais.
Durante a pandemia de COVID-19 (2021), o festival adaptou-se ao formato digital. Transmissões ao vivo do Ngome Kongwe, vazio, alcançaram 500.000 espectadores em todo o mundo, com 85% dos artistas sendo africanos. Esta edição incluiu debates virtuais sobre o futuro da música pós-pandemia.
Em 2023, uma série de ciclones danificaram a infraestrutura eléctrica de Zanzibar. A solução foi realizar concertos acústicos iluminados por velas, descritos como “experiências íntimas” pêlos participantes. Finalmente, a edição de 2025 bateu recordes: 22.000 bilhetes vendidos, sendo 40% para países africanos.
A neutralidade carbónica, alcançada em 2019, mantém-se através da colocação de painéis solares no Ngome Kongwe (30% da energia) e da plantação de 10.000 mangais na região de Pemba. Cada árvore absorve o CO₂ equivalente a 10 concertos, segundo dados do relatório ambiental de 2025.
A Tapeçaria Musical
Palcos que Contam Histórias
O palco principal no Ngome Kongwe recebeu Thandiswa Mazwai (África do Sul) em 2025. A artista apresentou “Liberation”, fusão de jazz e cânticos xhosa, dedicada à resistência anti-colonial. O concerto incluiu projecções de arquivos históricos sobre lutas africanas.
No Palco Jahazi, montado num dhow (barco tradicional), cantoras de Zanzibar, Madagáscar e Comores entoaram canções de pescadores. O som das ondas misturou-se aos instrumentos, criando uma experiência auditiva única. O projecto “Women of the Dhow” destacou o papel das mulheres na preservação cultural.
O grupo congolês Benda Bilili actuou no Mercado Darajani com guitarras feitas de latas recicladas. “A rua é o nosso palco natural”, declarou o vocalista Papa Nzazi. A actuação atraiu vendedores locais e turistas, dançando até o pôr do sol.
À meia-noite, jam sessions no Palco Nyota uniram Ballaké Sissoko (kora do Mali) e Derek Gripper (guitarra da África do Sul). A improvisação durou três horas, descritas pela critica como um “diálogo entre o Sahara e o Índico”.
Além da Música
Oficinas de taarab para crianças ocorreram no Instituto de Cultura Swahili. Em 2025, 120 alunos aprenderam a tocar qanun (harpa árabe), instrumento quase extinto.
“Antes, só víamos estes instrumentos em museus”, comentou o professor Ali Mwinyi.
O workshop “Sambeza Beat” ensinou a transformar lixo em instrumentos. Garrafas plásticas viraram shakers, e latas foram convertidas em guitarras, provando que a criatividade não depende de orçamentos.
A Feira Ukumbi Sanaa exibiu artesanato de 15 países. Tecidos kente de Gana renderam 15.000 USD, ajudando a financiar escolas em Kumasi e os artesãos receberam 80% do valor das vendas efectuadas, um modelo raro no sector cultural africano.
Mesas-redondas discutiram direitos autorais na era digital. Frida Amani, uma artista tanzaniana, criticou as plataformas digitais:
“Pagam 0,003 USD por stream, mas cobram 30 USD por verificações de perfil”.
Impacto e Legado
Capacitação Económica
O festival injecta 3 milhões USD anuais na economia local. Hotéis como o Park Hyatt esgotam reservas oito meses antes. Em 2025, foram alugados quartos de serviço a 200 USD/noite devido à procura.
Os pequenos negócios floresceram: Mama Asha, uma vendedora de urojo (sopa de coco), viu os seus lucros saltarem de 50 para 500 USD/dia.
“Comprei uma bicicleta para o meu filho poder ir à escola”, relatou.
Artistas como o grupo Wakanda Rhythms ganharam visibilidade mundial. Após actuar em 2023, assinaram com a editora britânica Outhere Records, alcançando 50.000 streams na primeira semana. Em 2025, 30% das receitas financiaram bolsas para músicos rurais. A directora financeira Zainab Ali revelou:
“Paguei a viagem a 10 artistas de Pemba que nunca tinham saído das suas aldeias”.
Cultura como Ferramenta Social
O projecto “Sauti School” formou 200 jovens em produção musical desde 2010. Zawadi, ex-aluna, montou um estúdio móvel onde grava artistas em aldeias remotas, onde já gravou 20 álbuns. Em 2025, ex-crianças-soldado da RDC subiram ao palco. Um deles, agora com 19 anos, Jean-Luc, partilhou:
“Os tambores tradicionais ajudaram-me a esquecer os gritos de guerra”.
O concurso “Voice of the Coast” descobriu Halima, de 16 anos que canta sobre erosão costeira, tendo conseguido um feito único, fazer com que a sua música levasse o governo a construir quebra-mares na sua aldeia.
Conclusão
O Sauti za Busara reescreve as narrativas sobre África e prova que a cultura africana não é uma relíquia, é uma semente. Num continente frequentemente reduzido a clichés de pobreza e guerra, o festival mostra que África dança, cria e comanda demonstrando que a cultura é o motor da prosperidade.
Em Zanzibar, onde outrora se traficaram escravos, hoje negociam-se sonhos. O legado transcende a música, regenerando ecossistemas e desafiando estereótipos de género. Não há dúvida de que este festival é mais do que um evento – é um manifesto em acção.
Em Angola, ouvi alguém dizer algo há tempos que assenta como uma luva a este festival:
“Enquanto soarem os nossos tambores, África não será silenciada”.
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Imagem: © 2025 Michaela Sovkova