Uma Visão Diferente Do Futuro Da Guiné-Bissau.
Entrevista Exclusiva a Mais Afrika de Domingos Simões Pereira, presidente do Partido Africano Para A Independência Da Guiné-Bissau E Cabo Verde (PAIGC).
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A Guiné-Bissau é o foco desta envolvente e esclarecedora entrevista, na qual tivemos o privilégio de conversar com Domingos Simões Pereira, presidente do PAIGC, ex-primeiro-ministro da Guiné-Bissau e ex-secretário executivo da CPLP.
Nesta décima quinta Grande Entrevista, muito esclarecedora, ficámos a conhecer melhor o presidente do PAIGC que partilhou a sua visão sobre o desenvolvimento, estabilidade e investimentos necessários para o seu país nos próximos anos.
Discutimos as perspetivas económicas do país e as medidas necessárias para transformar o seu potencial em desenvolvimento real. Simões Pereira destacou o papel da estabilidade política, das infraestruturas e a importância de uma visão estratégica para o futuro da Guiné-Bissau.
Também foram abordadas as questões sobre a democracia em África e em particular na África Ocidental bem como da necessidade das lideranças locais se comprometerem com o bem-estar dos seus países e da necessidade de governar para atender às necessidades do Povo.
Mas mais importante de tudo, Domingos Simões Pereira, partilhou a sua visão particular de um futuro brilhante para a Guiné-Bissau, baseado no investimento e na capacidade de resiliência do povo guineense.
Junte-se a nós nesta fascinante conversa e descubra o que deve ser feito para que a Guiné-Bissau tenha um futuro diferente do seu actual presente.
A Entrevista
(Francisco Lopes-Santos) Senhor Engenheiro, muito obrigado por ter aceitado o convite de Mais África para fazer esta entrevista. É um prazer tê-lo aqui connosco. O Engenheiro Domingos Simões Pereira, é presidente do Partido Africano Para A Independência Da Guiné-Bissau E Cabo Verde (PAIGC).
Também já ocupou outras funções, incluindo a de secretário executivo da CPLP e a de primeiro-ministro da Guiné-Bissau. Mas não há ninguém melhor do que ele próprio para se apresentar.
(Domingos Simões Pereira) Espero poder, ao longo desta entrevista, aportar algo de interessante para o conhecimento dos nossos países e das oportunidades que representam. Em termos da apresentação, acho que estou bem apresentado. Vou acrescentar simplesmente que tenho formação de base em engenharia civil, apesar de, provavelmente, nos últimos tempos, ser conhecido mais noutros domínios.
(FLS) A primeira pergunta desta entrevista é simples: como vê a situação actual da Guiné-Bissau, especialmente do ponto de vista económico e do investimento?
(DSP) É sempre muito difícil dissociar esta avaliação económica dos pressupostos políticos. Mas eu penso que o desafio é exatamente esse. Portanto, reconhecermos que, independentemente dessas dificuldades, como é que olhamos para as perspectivas económicas?
Eu penso que é preciso dizer que, infelizmente, os nossos países continuam a ser países de grande potencial económico. A grande dificuldade tem sido a conversão desse potencial em realidades concretas, em ganhos concretos. Portanto, eu continuo a sublinhar que é, na prática, impossível dissocial a componente política.
A Guiné-Bissau tem grandes potenciais, porque isso é que eu penso que o fundamento do desenvolvimento de qualquer sociedade tem que estar num conhecimento real das suas potencialidades e numa visão estratégica que tenha capacidade para transformar essas potencialidades em ganhos concretos.
Quando falamos da Guiné-Bissau, falamos sobretudo de quatro, cinco grandes potenciais de desenvolvimento. A Castanha de caju já conquistou um espaço bastante importante, mas infelizmente, continuamos a fazer uma exportação em bruto, sem qualquer aproveitamento local, sem adicionar mais-valia a esse produto, sem oferecer mão-de-obra local.
Para as pessoas, o que se oferece é residual a nível interno. Portanto, exportamos emprego para a Índia e para outros espaços. Um dos primeiros produtos, em termos de potencial da Guiné-Bissau, é a castanha de caju.
Depois, temos o turismo. Quem conhece a Guiné e sabe que temos um arquipélago de mais de 80 ilhas, com 30 das quais com potencial para serem habitadas, oferece um potencial enorme. Mas o que são ilhas? Como é que se pode falar de turismo, senão não há investimento e não há infraestruturas.
Mas também tenho de começar por trás e dizer que não há estabilidade e, por isso, não há condições de segurança. Terceiro, eu falaria em pescas, é daqueles setores que demonstram a grande dificuldade que nós temos em articular o nosso potencial para ganhos efetivos. Nós continuamos a ter um país com uma grande plataforma em termos de pesca, mas reduzimos a atividade pesqueira à emissão de licenças.
Isto está por demais conhecido que esta é uma estratégia errada. Nós não podemos expurgar todo o nosso potencial concedendo licenças de pesca a outras entidades que vêm explorar o nosso potencial e sem criar uma indústria local que possa favorecer o seu melhor aproveitamento. Diria que, em termos de produção, já fomos um potencial.
É bom recordar que nos anos 60 a Guiné exportava arroz, hoje dependemos fortemente da importação. Até porque nós somos um país ribeirinho, um país plano, onde com o elevar do nível médio das águas do mar, estamos a perder zonas de cultivo muito importantes. Portanto, é preciso olhar também para isso.
E finalmente, aquilo que muitas pessoas gostam de colocar como número um, nós gostamos de colocar como último, os recursos mineiros.
Porque, quer dizer, se a economia não estiver estruturada, se não se criarem todas as infraestruturas necessárias para esse efeito, o facto de dispormos de importantes reservas de fosfato e de outros minérios pode não ter a significação que poderia e deveria ter. Portanto, este é o quadro em termos de potencial que o país dispõe.
(FLS) Mencionou o grande potencial da Guiné-Bissau, como o turismo e a pesca, e também as questões da falta de transformação de produtos de exportação, como o Caju. Na sua opinião, quais seriam as medidas concretas que precisariam de ser tomadas para transformar esse potencial em desenvolvimento real?
(DSP) Eu penso que, para além de poder partilhar consigo as medidas que eu tomaria, eu estou em condições de dizer as medidas que nós tomamos em 2014 para realmente convocar a nação guineense a virar a página e sermos capazes de, como acabei de dizer, sair do potencial para o real, para a sua concretização.
Desde logo, é preciso lembrar que aqui o tal pressuposto da estabilidade é incontornável. Portanto, eu, o representante de um partido que ganhou as eleições com maioria absoluta, esquecemos, entre aspas, a tal vitória com maioria absoluta e convidamos o maior partido da oposição a juntar-se a nós na formação do governo.
Saindo desta parte política, digo o seguinte: nós, quando começamos o exercício que conduziu à elaboração do nosso plano estratégico operacional, que foi batizado com o nome de ‘Terra Ranca,’ a primeira folha da análise que nós apresentamos foi a relação entre o quadro de instabilidade e o crescimento económico.
Para demonstrar que aquilo que muitas vezes, em termos políticos e sociais, nós temos tendência a pensar, que grandes revoluções, grandes mudanças em termos políticos, vão abrir grandes perspectivas em termos económicos, tem sido realmente um desastre.
Portanto, na altura, nós dissemos de forma muito clara que, se alguém na Guiné pensa que tem a obrigação de nos salvar, é bom que compreenda que essa salvação tem-se redundado no afundar do país. Portanto, é preciso que todos estejamos alinhados com a estabilidade, porque só com estabilidade nós criamos a confiança necessária para que haja um quadro económico favorável ao crescimento.
A seguir a esta constatação, nós dissemos muito de forma muito clara que precisávamos atacar as assimetrias mais fortes que a sociedade enfrentava. Vou dar-lhe dois, três exemplos. Nós, em 2014, enfrentamos a situação em que não havia escolas, os anos eram anos nulos. Como agora, voltaram a ser. Toda a nossa infraestrutura sanitária estava num colapso.
Portanto, nós dissemos que precisávamos de um plano de urgência, um plano de urgência que tínhamos de implementar num período não superior a um ano para criar aquelas condições. Porque, eu penso que todos compreendemos que é impossível dizer a alguém que tem fome: Vamos parar e vamos pensar. Não, ele tem fome, tem de comer primeiro.
Então, nós criamos um programa de urgência que foi implementado num período de 6 meses para nos dar a almofada necessária para podermos realmente refletir sobre o nosso plano estratégico. Foi no final desses 6 meses que nós aparecemos com um plano estratégico.
E por que o plano estratégico é importante? Porque é importante ter uma visão, uma visão de para onde é que nós estamos a convocar a nação. Uma visão de para onde é que nós queremos que a nação se convirja.
Porque, se nós estivermos na mesma página, as diferentes entidades, seja do Poder Legislativo, seja do Poder Executivo e mesmo do poder judicial, terão dificuldades em poder criar o Consenso Nacional necessário para atrair o investimento estrangeiro. Portanto, esta componente foi realmente muito importante.
E quando nós iniciamos o processo de elaboração do tal plano estratégico, nós abrimos as portas para que não fosse um exercício do governo. Nós convocamos todas as competências nacionais que estavam no país ou estavam fora do país para nos ajudarem a refletir o país. Nós colocamos no fundo duas questões, no máximo três questões.
A primeira foi dizer que somos nós próprios que convidados a falar no nosso país. Começamos sempre por aquilo que é o mais fatídico. Não é um país de golpes de estado, um país de narcotráfico, um país de guerras sucessivas, de conflitos.
Nós dizíamos que, para atrair o investimento, é preciso encontrar uma história diferente, uma história que seja capaz de atrair, sobretudo sabendo que essa história existe, essa Guiné boa, positiva existe. Agora é preciso ser convincente em relação à história que nós queremos contar e encontrar os parceiros corretos.
Foi nessa base que, tendo a presença de pessoas nomes eminentes da Guiné-Bissau, como Carlos Lopes, como Paulo Gomes, como muita gente que veio de várias províncias num exercício que envolveu sociedade civil, governo, todas as entidades interessadas nesse exercício, incluindo o poder local e autoridades religiosas.
Nós concluímos que aquilo que a Guiné-Bissau tinha de mais importante para dar ao mundo, aquilo que nós podemos dizer que sem a Guiné-Bissau o mundo seria diferente, era e é a nossa biodiversidade. Vou mencionar só três, quatro exemplos. Um primeiro exemplo: somos praticamente o único país do mundo que tem cerca de 26% do seu território nacional constituído por zonas protegidas.
Zonas protegidas, segundo nós, temos uma costeira que alberga uma floresta na Guiné chamamos de ‘terraço,’ que é uma zona de reprodução dos peixes que todo o resto da costa ocidental africana não apresenta. Ou seja, em certa medida, aquilo que nós vamos encontrar como reserva pesqueira do Senegal, da Mauritânia e de muitos daqueles países, não tem proveniência do mangal da Guiné.
Portanto, partindo desse pressuposto, entendemos que todas as políticas que nós vamos desenvolver têm de ter um ponto de urgência no sentido da proteção da nossa biodiversidade.
A segunda questão que nós fizemos na altura foi perguntar a nós próprios: Qual é a aspiração do guineense? Porque é impossível ganhar uma corrida que a gente não sabe onde é que fica a meta. Então, o que é que o guineense pretende?
E é com base nisso que nós fomos capazes de, ouvindo todos os intervenientes, aí não houve o exercício virado para o intelectual ou homem da praça ao homem do campo, foi um exercício integrado onde todos exprimiram as suas aspirações. E aqueles mais experimentados nestas formulações ajudaram-nos a fazer um consenso na formulação daquilo que é a aspiração do cidadão guineense.
E foi a formulação que dizia que nós temos de partir de uma base de estabilidade para promover uma gestão administrativa correta, transparente, e que seja capaz de potenciar ou de utilizar os nossos potenciais para um desenvolvimento integral que coloque a mulher e o homem guineense no centro dessa atenção.
A terceira questão foi ter formulado essa visão estratégica, nós dissemos que era importante conhecer os pilares de desenvolvimento, os pilares de crescimento da nossa economia que eu acabei de descrever, mas também precisava conhecer quais são os fatores catalíticos, fatores como a energia, fatores como o desenvolvimento numérico.
Portanto, a componente de informação, mas ter também a componente social para poder de facto enquadrar o homem e a mulher guineense no centro das atenções. Este é o quadro, esta visão, pode não ser a mais brilhante.
Mas é uma visão partilhada pelos guineenses e era importante, a nosso ver, que num período mínimo de 5 a 10 anos nós já fôssemos capazes de manter esse percurso e continuássemos a convidar todos os guineenses a participarem desse processo.
(FLS) Mencionou a importância de mudar a narrativa da Guiné-Bissau como parte dessa mudança e, considerando a estabilidade como base, que projetos estruturantes acredita serem necessários criar para ter um impacto significativo e que poderiam ser veículos para mudar essa narrativa e melhorar as condições de vida das pessoas no dia a dia.
(DSP) Penso que, como vinha dizendo, já mencionei o nosso programa de urgência que tinha a ambição de ser implementado de seis meses a um ano. Falei do nosso plano estratégico, que é a visão de médio e longo prazo. Entre esses dois programas, nós apresentamos um programa que chamamos de programa de contingência.
Qual é a intenção do programa de contingência? É superar as dificuldades básicas em relação ao funcionamento das escolas, dos hospitais, da energia, o pagamento dos salários, aquelas questões mais prementes.
Nós entendemos que é preciso reconquistar a confiança do guineense, e para conquistar a confiança do guineense de todos os setores e de todas as esferas da atividade, é preciso promover uma administração transparente, uma administração que dê garantias ao cidadão guineense de uma utilização criteriosa e de acordo com as regras estabelecidas do seu rendimento.
Portanto, para além de outras reformas que eu poderia estar aqui a mencionar, nós trabalhamos fundamentalmente na criação de uma plataforma que devia permitir que todos os guineenses no país e na diáspora pudessem ter acesso a qualquer momento do dia ou da noite a toda a informação que tivesse a ver com contratações públicas.
Porque é importante que o cidadão guineense faça confiança àqueles que estão a fazer o exercício da governação, porque só assim conseguimos realmente aglutinar toda a nação num único sentido.
Essa plataforma começou realmente a ser criada. Tivemos a consultoria de um técnico que trabalhou no sentido daquilo que ele chamava dos mecanismos de criação da confiança, e nós pensamos que isso é muito importante.
Agora, indo concretamente aos projetos, porque penso que é estabelecendo essa base que nós passamos a ter condições de poder fazer os investimentos de transformação de que a nossa sociedade necessita.
Aqui não há dúvidas, o grande problema do país é a infraestruturação. Mas uma infraestruturação que não pode perder de vista que tem que criar emprego para a população. Repare, nós temos um país que, em termos de infraestruturas, está completamente desenquadrado.
Quando nos referimos aos anos 73-74, os anos da Independência, não é a nova administração herdou uma administração colonial. Uma administração colonial, pelo menos a administração colonial portuguesa, não podia ter uma vocação de desenvolvimento. A vocação dessa administração era criar condições para o perpetuar desse regime.
Por que estou a dizer isso? Não é para a ofender simplesmente a componente política, é para dizer que a criação das infraestruturas nunca seguiu a lógica do desenvolvimento. Qual é o exemplo mais expressivo dessa realidade? Eu posso dar o exemplo das infraestruturas rodoviárias. Eu trabalhei muito tempo ligado a essa componente.
A rede rodoviária da Guiné-Bissau é constituída por cerca de 1.385 km de estradas, entre estradas principais, secundárias e outras. Vai verificar que, destes 1.385 km, provavelmente menos de 1 será a quantidade de estradas de que dispõe o sul.
E por que isso é relevante? Porque o Sul é o nosso celeiro, é a nossa área de produção. Portanto, nós temos infraestruturas colocadas lá onde não há produção e lá onde há produção, não existem essas infraestruturas.
Eu, na minha função de diretor-geral de estradas, sempre acreditei que, ao enfrentar a realidade de fazer um estudo de viabilidade, como, por exemplo, o estudo de viabilidade da estrada Bub Caap, enfrentaríamos uma situação na qual todos os potenciais financiadores, como o BAD, utilizariam o mecanismo de análise da viabilidade económica através da contagem de tráfego.
Isso resultaria no fato de que, ao realizar a contagem de tráfego entre Buba e Catió, não encontraríamos nenhuma viatura. Porquê? Porque a área não estava em condições e não era atrativa. Levamos bastante tempo a convencer o BAD de que o método de cálculo estava errado.
O método correto de cálculo a ser utilizado nestes casos é o método do potencial. Portanto, ao avaliar o potencial de produção na zona sul, incluindo Catió, Quinara e toda a região sul, esse potencial de produção agrícola, mas não apenas, precisa ser distribuído pelo número de camiões necessários para a sua evacuação.
Assim, saímos de uma taxa de rentabilidade da estrada de 4,5% para mais de 12%. É óbvio, pois essa é a realidade. Portanto, nós, guineenses, precisamos compreender essa realidade. Não se trata de eu dizer que não queremos estradas entre Bal e Safim, ou entre Bal e…
Não, precisamos dessas estradas, mas eu tenho de ter uma clara compreensão de onde está o potencial de crescimento e onde devo investir primeiro.
Começamos a acumular riqueza, e é com essa riqueza que poderemos construir outras infraestruturas complementares. Devemos garantir que, onde houver cidadãos guineenses, eles tenham o direito às mesmas condições que outros. No entanto, se não começarmos nos locais com capacidade de rentabilidade económica, seremos um governo social, mas não sustentável, pois a economia não se sustentará.
É esse equilíbrio que nos levou a desenhar o novo mapa de infraestruturas da Guiné. As pessoas questionaram por que estamos a construir em Bafatá e não em Gabu. No nosso documento, explicamos que, por exemplo, quando temos três províncias, não estamos a falar do centro.
Temos a província Sul, que engloba as regiões de Quinara, Tombali no continente, e Bama Bagó nas ilhas leste. Temos Gabu e Bafatá no Norte, com Cacheu e Oio sobretudo.
Então, por onde devemos começar? Quando escolhemos a infraestruturação do país, focamos nos potenciais do nosso crescimento económico. Temos a perspetiva de criar postos de trabalho, com a meta de, em cinco anos, a Guiné-Bissau poder criar pelo menos 40.000 postos de trabalho diretos e indiretos. No entanto, isso requer seguir o plano estabelecido
(FLS) Vamos falar de um tema actual. Como sabe, têm ocorrido uma série de golpes de estado na África Ocidental, nos chamados países francófonos, ou seja, nas antigas colónias francesas e além desses consecutivos golpes de estado tem havido alteração das constituições por alguns presidentes para executarem um terceiro mandato. O que acha desta situação?
(DSP) Penso que as lideranças africanas devem começar a perceber que não podem governar para satisfazer as agendas internacionais. Devem governar para atender às necessidades da nossa própria população. Isso quer dizer o quê? Não podemos continuamente a afirmar que a democracia é um regime tão complexo que enfrenta dificuldades em se impor em África.
Daí fazemos todo o tipo de ajustes e arranjos, e depois corre mal. Penso que é preciso dizer de forma clara e sem equívocos que quando as instituições democráticas não funcionam, devemos convidar a população e as forças vivas da nação a procurar outro tipo de soluções, e é isso que está a acontecer nesses países.
Todos nos lembramos que a União Africana proclamava alto e bom som a “Tolerância Zero” aos golpes de estado. No entanto, a “Tolerância Zero” aos golpes deve ser acompanhada pela “Tolerância Zero” às alterações dos dispositivos democráticos dos países.
Portanto, quando não conseguimos fazer isso, o que significa dizer “Tolerância Zero” aos golpes quando sabemos que não estamos a cumprir aquilo que é a expectativa do nosso próprio povo? O povo algum dia vai chamar a responsabilidade de repor a normalidade.
Pode correr mal, mas a intenção é sempre voltar ao ponto de partida e ver se conseguimos realmente endireitar o pepino que nasceu torto. Normalmente dá mal, mas é essa a intenção.
Quando digo que é preciso governar para dentro, refiro-me ao mecanismo de prestação de contas que é fundamental num exercício democrático. Deve ser feito numa perspectiva de responder à exigência do nosso próprio povo, e isso é fundamental.
(FLS) Muito obrigado. Tem sido um prazer estar aqui consigo. Para concluirmos esta entrevista, pode dizer-nos qual é a sua visão para a Guiné-Bissau nos próximos 5 a 10 anos?
(DSP) O desenvolvimento, a paz e a estabilidade são produtos que resultam de investimentos, investimentos humanos, investimentos financeiros, investimentos no diálogo, e, portanto, não podemos simplesmente rezar e esperar que todos esses atributos apareçam por si só.
Não vão aparecer. Se Cabral e os combatentes da liberdade da Pátria não tivessem assumido o combate pela independência, esta não teria acontecido. Poderia ter ocorrido outro tipo de independência, mas a autodeterminação e a independência total e incondicional do nosso país não teriam acontecido.
Portanto, temos a responsabilidade de lutar para que haja um estado de direito democrático na Guiné-Bissau. Sempre haverá necessidade de controlo. Portanto, devemos estabelecer regras tão transparentes e objetivas que qualquer um que chegue a este ponto tenha de cumprir as regras de jogo estabelecidas.
Se achamos que, tal como outros povos do mundo, merecemos viver em paz e estabilidade, devemos construir um país que albergue o seu povo e crie condições. Costumo dizer que não pode haver outro paraíso no mundo para o guineense que não seja a Guiné-Bissau.
Das duas uma: ou queremos e estamos dispostos a investir para transformar a ambição em realidade no nosso paraíso, ou não podemos continuar a culpar os outros por não nos oferecerem aquilo que eles oferecem a si próprios. Mas eu acredito no guineense, acredito na nossa capacidade de resiliência.
Provavelmente o que está a durar é chegar à conclusão de que não há almoços grátis. Portanto, se queremos que o almoço seja bom, temos de plantar, regar, colher, cozinhar e, no final, servir o almoço que todos desejamos e no qual todos queremos participar.
(FLS) Mais uma vez, muito obrigado por ter acedido a dar-nos esta entrevista. Foi um prazer estar aqui consigo e, quem sabe, até numa próxima oportunidade.
(DSP) Eu é que agradeço, foi um prazer estar aqui. Posso garantir-lhe que serei um ouvinte e um e um seguidor atento da vossa plataforma e da vossa página porque tem qualidade e porque faz falta ao nosso espaço de debate.
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