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ToggleSenegal: Garrafas De Plástico Viram Filamento 3D
A presença de resíduos de plástico tornou-se parte do quotidiano em quase todas as ruas, mercados e praias de África. Encontramos em todo o lado, sacos descartáveis espalhados pelo vento, garrafas de água acumuladas em valas de drenagem e embalagens de comida empilhadas em aterros a céu aberto.
O plástico, um dos materiais mais versáteis do mundo moderno, é hoje também um dos maiores inimigos do meio ambiente africano. O continente produz milhões de toneladas de resíduos por ano, mas apenas uma pequena parte é efectivamente reciclada, ficando o resto a poluir solos, rios e mares, afectando ecossistemas frágeis e a saúde das populações.
No meio desta crise ambiental, algumas histórias individuais surgem como exemplos de resistência e criatividade. Uma dessas histórias vem de Dakar, no Senegal, onde um jovem inovador decidiu transformar um problema em oportunidade.
François Mbengue, fundador do Fablab Maker Space, dedica-se a recolher garrafas de plástico descartadas e a convertê-las em filamento para impressoras 3D. A partir deste material reciclado, fabrica utensílios úteis para escolas, hortas urbanas e pequenas comunidades.
A experiência de François é mais do que um projecto isolado. É uma prova de como soluções locais, criadas com engenho e baixo custo, podem oferecer respostas concretas a problemas globais.
Mais do que produzir novos objectos, ele inspira jovens, mostra alternativas e desafia a lógica de consumo que alimenta a poluição do plástico em África. O seu trabalho levanta uma questão central: poderá a inovação comunitária ser um caminho para transformar a crise do plástico no continente?
O Problema do Plástico em África

O plástico foi introduzido como solução prática e barata, mas tornou-se rapidamente numa ameaça de longa duração. Em África, onde a urbanização acelera e os padrões de consumo mudam, a utilização deste material disparou nas últimas décadas.
Segundo os dados das Nações Unidas, o continente produz anualmente cerca de 17 milhões de toneladas de resíduos plásticos, dos quais mais de 90% não são reciclados. Esta realidade tem várias causas. Em primeiro lugar, os sistemas de recolha e gestão de resíduos são frágeis em muitos países.
Em cidades como Lagos, Nairobi ou Luanda, os serviços municipais não conseguem dar resposta à quantidade crescente de lixo. Muitas vezes, os resíduos acabam em lixeiras a céu aberto ou são queimados, libertando gases tóxicos. Em áreas costeiras, grande parte do plástico é arrastada para o mar, ameaçando a pesca e a biodiversidade.
Além disso, a dependência de embalagens descartáveis aumenta a cada ano. Com o crescimento do comércio informal e da venda de água em garrafas ou sacos plásticos, a quantidade de resíduos gerada por pequenas transacções é enorme. Em mercados populares, é quase impossível comprar alimentos sem acumular sacos e embalagens.
O Impacto do Plástico
Os impactos são visíveis em múltiplos níveis. Nos sistemas de drenagem, o plástico bloqueia valas e esgotos, provocando inundações durante as chuvas. Na agricultura, microplásticos contaminam os solos e os lençóis freáticos. Na saúde pública, comunidades que vivem próximas a aterros convivem com fumos tóxicos e aumento de doenças respiratórias.
Em frente a este cenário, alguns governos africanos começaram a reagir. O Rwanda, por exemplo, proibiu em 2008 o uso de sacos plásticos descartáveis, tornando-se uma referência mundial. O Quénia seguiu o mesmo caminho em 2017, impondo multas severas à produção e à distribuição de plástico.
Ainda assim, a aplicação dessas medidas enfrenta resistências e desafios práticos, principalmente devido à falta de alternativas acessíveis para os consumidores e os comerciantes.
Neste contexto de vulnerabilidade ambiental, surgem iniciativas comunitárias que procuram oferecer soluções criativas. É aqui que a experiência de François Mbengue ganha relevância: ao reaproveitar resíduos que todos desprezam, ele demonstra que a luta contra o plástico não precisa depender exclusivamente de grandes políticas de Estado, mas pode nascer de acções locais que se multiplicam e inspiram.
Lixo Transformado em Recurso

Em Dakar, no Senegal, François Mbengue decidiu criar um laboratório aberto ao público, equipado com máquinas simples, mas capazes de produzir mudanças concretas. O Fablab Maker Space é hoje um ponto de encontro entre tecnologia e sustentabilidade. O princípio é simples: recolher garrafas plásticas usadas, aquecê-las, cortá-las em tiras e transformá-las em filamentos para impressão 3D.
O processo técnico pode parecer trivial, mas os resultados são notáveis. Com o material reciclado, François imprime desde ferramentas básicas, como vasos e tabuleiros para jardineiros, até instrumentos pedagógicos, como modelos do alfabeto ou peças geométricas utilizadas em aulas de matemática. Cada garrafa descartada deixa de ser um resíduo e passa a ter um novo ciclo de vida, servindo a comunidade.
A ideia não é só a de ensinar uma técnica nova, o principal objectivo é o de despertar uma consciência ambiental. Cada visita transforma-se numa aula prática de cidadania e inovação. O próprio François tem uma visão ambiciosa:
“Quero ter a minha própria fábrica e parar de importar objectos de plástico”.
“Hoje usamos e deitamos fora produtos que geram poluição”.
“Precisamos de reciclar mais e encontrar soluções para as áreas de saúde, educação e agricultura”.
Mas o impacto do projecto não se limita à produção de objectos. François faz questão de partilhar conhecimento. Frequentemente, recebe estudantes no Fablab, mostrando-lhes como funciona a impressora 3D e explicando as vantagens da reciclagem.
Exemplos Concretos
Um exemplo concreto é o de Abdou Touré, um jardineiro urbano em Dakar que começou a utilizar tabuleiros produzidos no laboratório de François. Para ele, a diferença é significativa:
“Os tabuleiros comprados são bonitos, mas partem-se facilmente com o calor do Sol”.
“Estes, feitos de garrafas recicladas, são mais resistentes e, além disso, ajudam a reduzir o lixo”.
A trajectória deste jovem senegalês mostra como a inovação tecnológica pode nascer da necessidade. Sem grandes capitais, mas com engenho e dedicação, François criou uma resposta local a um problema mundial. O seu exemplo revela que, quando a comunidade se envolve e a criatividade é posta ao serviço do bem comum, o impacto pode ser muito maior do que se imagina.
Um Movimento em Expansão

O trabalho de François Mbengue não é um caso isolado. Em diferentes países de África, jovens empreendedores e organizações comunitárias têm desenvolvido soluções inovadoras para enfrentar a crise do plástico.
No Gana, grupos de mulheres transformam sacos plásticos em fios que são depois tecidos para produzir malas, tapetes e acessórios de moda. Na Nigéria, empresas emergentes investem em transformar resíduos em blocos de construção, mais baratos e duráveis do que os tradicionais.
Na África do Sul, algumas start-ups criaram parcerias com municípios para recolher plástico e convertê-lo em mobiliário urbano, como bancos de jardim ou caixotes do lixo. Estas iniciativas partilham uma característica: a capacidade de transformar um problema ambiental em oportunidade económica.
O plástico, em vez de ser apenas lixo, passa a ser visto como matéria-prima para novas cadeias de valor. Essa mudança de mentalidade é crucial num continente com altas taxas de desemprego juvenil e onde a economia informal tem um peso significativo.
Além do impacto económico, há também benefícios sociais e ambientais. Comunidades que antes viam os resíduos como ameaça passam a integrá-los em projectos colectivos, fortalecendo os laços de solidariedade. Ao mesmo tempo, reduzem-se os riscos de inundações, os custos de limpeza urbana e a pressão sobre os aterros já sobrelotados.
O Que Fazer
No entanto, para que estas iniciativas tenham repercussão, é fundamental o apoio de políticas públicas consistentes. Os passos indispensáveis para se avançar com esta transformação é a criação de investimentos em infra-estruturas de recolha selectiva e de incentivos à reciclagem. Mas o mais fundamental é que existam parcerias entre governos, empresas e sociedade civil.
Sem isso, projectos como o de François correm o risco de permanecer confinados a pequenas experiências locais, sem o alcance necessário para alterar o panorama ambiental africano.
Mesmo assim, a criatividade africana continua a surpreender. De norte a sul do continente, jovens como François demonstram que a luta contra o plástico não é apenas uma questão ambiental, é também uma oportunidade de redefinir a relação das sociedades com os recursos que consomem.
Conclusão
A história de François Mbengue é, ao mesmo tempo, um retracto e um símbolo de África. Retracto, porque mostra de forma concreta os desafios do plástico em África: consumo crescente, falta de sistemas de recolha e impactos ambientais graves. Símbolo, porque revela que, diante das dificuldades, há sempre espaço para a criatividade e para a construção de soluções locais.
Transformar garrafas descartadas em filamentos para impressoras 3D é mais do que um gesto técnico: é um acto de resistência contra a lógica do desperdício. François não recicla apenas objectos, recicla ideias, ao mostrar que a inovação pode nascer daquilo que parecia algo sem valor.
Num continente marcado por desigualdades e desafios ambientais, iniciativas como esta têm um peso imenso. Elas ensinam que a sustentabilidade não precisa vir apenas de cima para baixo, através de políticas governamentais, mas pode brotar das comunidades, das mãos de jovens criativos que vêem no lixo uma oportunidade de mudança.
Se a poluição do plástico é um problema mundial, a resposta africana pode ser uma das mais inspiradoras. Com engenho, solidariedade e visão, iniciativas como a de François Mbengue mostram que um futuro mais limpo e sustentável é possível — basta ter coragem para o imaginar e determinação para o construir.
Será o Senegal um farol para a reciclagem do plástico? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2025 François Mbengue