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Segunda-feira, Agosto 25, 2025

PALOP: O Conceito De Democracia Está Em Crise

Cinco décadas após o fim do colonialismo português, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa continuam a enfrentar dilemas estruturais que colocam em causa a consolidação da democracia e a coesão do espaço lusófono. O debate sobre os avanços, recuos e perspectivas futuras revela contradições profundas que atravessam tanto a política como a cultura e a língua.

PALOP: O Conceito De Democracia Está Em Crise


A celebração dos 50 anos de independência nos PALOP, é uma oportunidade para reflectir sobre a trajectória seguida desde o fim do domínio colonial. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe partilham uma história marcada pela luta de libertação, pelo sonho de autodeterminação e pela aspiração de construir sociedades democráticas.

Contudo, a realidade tem demonstrado que os caminhos seguidos foram tortuosos, permeados por guerras civis, fragilidade institucional e democracias que nem sempre alcançaram a plenitude prometida. Mais do que revisitar a história, importa compreender os desafios actuais. Hoje, África vive uma crise de definição do conceito de democracia.

A democracia, em muitos países, existe apenas em moldes limitados e reservados a uma parte restrita da população. A pluralidade política e a participação dos cidadãos continua condicionada por estruturas de poder que, em vez de se abrirem ao conjunto da sociedade, funcionam como sistemas controlados por elites que se apropriaram do projecto nacional.

É neste contexto que se questiona não apenas a qualidade da democracia no continente, mas também o papel da língua portuguesa como elo de ligação. O espaço lusófono enfrenta, simultaneamente, a herança do colonialismo, a realidade das fragilidades internas e a pressão da globalização, onde o inglês se impõe como idioma dominante em detrimento do português.


Democracia Falhada


Imagem © 2025 Francisco Lopes-Santos (20250824) PALOP O Conceito De Democracia Está Em Crise

O conceito de democracia que tantas vezes é invocado como pilar das sociedades modernas, encontra hoje em África desafios próprios e adaptações forçadas à realidade dos Estados saídos do colonialismo.

Segundo o professor Pedro Borges Graça, o percurso dos países africanos desde as independências foi marcado por “turbulência” e vivemos presentemente um momento de crise na definição do que significa democracia, sobretudo em países africanos de língua portuguesa, onde aparentemente a democracia está reservada só para parte da população.

Segundo o professor do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), a turbulência que existiu na Guiné-Bissau, em Angola e Moçambique é idêntica à de outros países africanos, porque, na verdade, os movimentos nacionalistas foram movimentos nacionalistas sem nação.

O académico utiliza expressões como “democracia limitada” e “democracia reservada”, sublinhando que, na prática, esta forma de organização política ainda não é sentida por todos os sectores da população. Em muitos casos, permanece restrita a elites políticas ou económicas, afastando a maioria dos cidadãos das decisões centrais.

Este diagnóstico não é exclusivo dos PALOP, faz parte de um panorama mais amplo, onde os processos de descolonização não foram acompanhados pela construção de uma verdadeira unidade nacional.

Os movimentos independentistas, criados por elites formadas no estrangeiro, tiveram êxito no objectivo de expulsar as potências coloniais, mas falharam em garantir a integração de sociedades profundamente diversas.

Ao revisitar o percurso histórico das independências, a relação com Portugal e o balanço de instituições como a CPLP, torna-se evidente que a liberdade conquistada abriu portas, mas não resolveu os dilemas internos. O futuro, por sua vez, apresenta-se com incertezas, exigindo mudanças estruturais e uma reinterpretação do papel da democracia e da língua portuguesa no espaço lusófono.


Nacionalismos Sem Nação


Imagem © DR (20250824) PALOP O Conceito De Democracia Está Em Crise

Um dos pontos mais críticos da análise de Pedro Borges Graça é a ideia de que os movimentos nacionalistas africanos foram, em grande medida, movimentos sem nação. Nasceram de pequenos grupos de jovens universitários e intelectuais que, inspirados por ideologias anticoloniais, sonharam com a libertação das suas pátrias.

Contudo, faltava-lhes um verdadeiro projecto nacional capaz de integrar as várias etnias, línguas e realidades culturais presentes em cada território. Na Guiné-Bissau, o PAIGC encabeçou a luta armada contra Portugal, mobilizando camponeses e intelectuais em nome da independência.

Porém, após a vitória, emergiram divisões internas, perseguições políticas e instabilidade militar que ainda hoje marcam a vida do país. Em Angola, o MPLA, a UNITA e a FNLA, em vez de se unirem num projecto comum, mergulharam o país numa longa guerra civil, onde a disputa pelo poder ofuscou a promessa de unidade nacional.

Moçambique conheceu um processo semelhante. A FRELIMO conduziu a luta pela independência, mas enfrentou, pouco depois, uma guerra civil prolongada com a RENAMO, onde a fragilidade das instituições e as diferenças regionais ficaram à mostra.

A ausência de uma identidade nacional coesa levou a que os projectos de Estado fossem frequentemente capturados por elites partidárias, deixando largas franjas da população afastadas da participação política real. Este fenómeno não é exclusivo da África lusófona. Também nas colónias francófonas e anglófonas, o processo de construção nacional enfrentou barreiras semelhantes.

No entanto, a particularidade dos países de língua portuguesa reside no facto de o colonialismo ter sido mais prolongado e de ter deixado marcas profundas nas estruturas administrativas, na economia e na sociedade. O resultado foi uma independência formal sem que se tivesse consolidado uma verdadeira nação inclusiva.


A Autodeterminação


Imagem © 2025 Francisco Lopes-Santos (20250824) PALOP O Conceito De Democracia Está Em Crise

Apesar das divisões e guerras subsequentes, não se pode negar a importância histórica da conquista da autodeterminação. O fim do colonialismo português significou, acima de tudo, que os povos africanos ganharam a liberdade de se governarem a si próprios. Foi uma conquista simbólica e política que marcou profundamente a consciência colectiva das gerações que viveram a transição.

Os anos imediatos à independência foram de entusiasmo, com tentativas de reconstrução nacional, programas de alfabetização e a criação de instituições estatais. Em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, o processo foi mais pacífico e permitiu uma maior estabilidade política, embora a fragilidade económica continuasse a ser o maior entrave.

Já na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, a turbulência política e militar comprometeu o desenvolvimento esperado, criando décadas de atraso. No entanto, a autodeterminação trouxe também desafios inesperados.

Sem recursos financeiros próprios, muitos destes países dependeram de apoios externos — fosse da União Soviética, dos Estados Unidos da América, de Cuba ou, mais tarde, de instituições internacionais. Essa dependência enfraqueceu a autonomia recém-adquirida, mas não anulou a conquista essencial: a quebra da relação colonial e a abertura de caminhos para o futuro.

Hoje, ao olhar para os 50 anos das independências, é possível afirmar que, apesar de todos os retrocessos, a autodeterminação continua a ser o maior legado da luta nacionalista. Ela abriu espaço para debates sobre democracia, pluralismo, desenvolvimento económico e integração regional, mesmo que nem sempre esses debates se traduzam em resultados concretos.


A Herança Pós-Colonial


Imagem © 2016 DR (20250824) PALOP O Conceito De Democracia Está Em Crise

Outro tema incontornável é o papel de Portugal após as independências. Ao contrário da França ou do Reino Unido que mantiveram uma presença neocolonial forte nos seus antigos territórios, Portugal não tinha condições financeiras para desempenhar esse papel.

O país saía, em 1974, da ditadura e enfrentava uma grave crise económica, o que limitou a sua capacidade de manter uma influência directa nas ex-colónias. Ainda assim, persistiram laços profundos, sobretudo culturais e linguísticos. A diáspora africana em Portugal cresceu, as trocas comerciais mantiveram-se e, ao longo dos anos, desenvolveram-se parcerias políticas.

Mas a ausência de um verdadeiro projecto pós-colonial deixou espaço para ambiguidades. Em muitos momentos, os países africanos sentiram falta de uma relação mais equilibrada, onde Portugal poderia ter desempenhado um papel de ponte para o desenvolvimento. Com o tempo, esses laços transformaram-se numa relação de cooperação, especialmente depois da criação da CPLP, em 1996.

Contudo, ainda hoje é possível identificar tensões, como nos casos recentes de divergências políticas e até de expulsões de jornalistas em alguns países lusófonos. A relação, marcada por afectos históricos, continua a oscilar entre a amizade declarada e os interesses concretos que nem sempre convergem.


Entre o Discurso e a Realidade


Imagem © DR (20250824) PALOP O Conceito De Democracia Está Em Crise

A criação da CPLP foi vista, em 1996, como uma oportunidade de consolidar a cooperação entre Estados que partilhavam a língua e uma herança cultural comum. No entanto, quase três décadas depois, a CPLP é frequentemente criticada por apresentar muito discurso e poucos resultados concretos.

Pedro Borges Graça sublinhou que existe uma grande falta de coesão no uso do português como língua de trabalho das instituições internacionais. O inglês, cada vez mais dominante, sobrepõe-se ao português, enfraquecendo o espaço lusófono e criando fissuras na identidade comum.

Esta situação é particularmente visível na produção científica e académica, onde os trabalhos em inglês são mais valorizados, relegando o português para segundo plano. Além disso, a CPLP enfrenta críticas pela sua incapacidade de actuar de forma eficaz em crises políticas nos países-membros.

Situações de instabilidade na Guiné-Bissau, em Moçambique ou em Angola raramente foram acompanhadas por respostas firmes da organização que prefere optar por declarações diplomáticas em vez de acções concretas. Ainda assim, a CPLP mantém o seu potencial.

A língua portuguesa é uma das mais faladas do mundo e representa um activo estratégico. A valorização da produção científica, a promoção de intercâmbios culturais e educativos, bem como a criação de mecanismos de apoio económico mais robustos, poderiam transformar a comunidade numa verdadeira aliança de desenvolvimento e cooperação.


O Futuro


Imagem © 2022 Francisco Lopes-Santos (20250824) PALOP O Conceito De Democracia Está Em Crise

Projectar os próximos 50 anos é tarefa arriscada, sobretudo num contexto mundial marcado por crises sucessivas e instabilidade. Pedro Borges Graça, sublinhou que vivemos uma fase de aumento da incerteza, em que mudanças estruturais estão a acontecer, mas de forma lenta e geracional.

O professor, defendeu também que, no futuro, as instituições terão de ser mais fortes do que os indivíduos que as encabeçam, invertendo a lógica actual, onde muitas vezes o carisma ou a autoridade pessoal substituem a força institucional.

Este desafio é particularmente relevante para a África lusófona, onde a fragilidade das instituições continua a ser um dos maiores entraves ao desenvolvimento. Sem tribunais independentes, parlamentos fortes e uma sociedade civil activa, a democracia continuará a ser limitada e reservada.

Ao mesmo tempo, a juventude africana — cada vez mais instruída e ligada ao mundo digital — poderá desempenhar um papel decisivo na renovação da vida política. Se esta geração conseguir transformar a frustração em participação cívica, talvez seja possível construir sociedades mais inclusivas e democráticas.


Conclusão


Cinquenta anos depois das independências, os países dos PALOP, vivem um paradoxo: conquistaram a liberdade, mas ainda procuram consolidar a democracia e a coesão nacional. O papel de Portugal, embora relevante, foi limitado e a CPLP não conseguiu, até agora, transformar o espaço lusófono numa verdadeira plataforma de cooperação eficaz.

O futuro dependerá da capacidade de enfrentar as incertezas com instituições sólidas, maior valorização da língua portuguesa e uma juventude comprometida com o ideal democrático. A história ensinou que a autodeterminação foi uma conquista inegociável; o desafio das próximas décadas será transformar essa liberdade em progresso real para todos.

 


O que pensas da opinião de Pedro Borges Graça sobre os PALOP? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2016 Jones / UNICEF
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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