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ToggleOrdem De Evacuação De Gaza É Ilegal E Desumana
A Faixa de Gaza volta a ser palco de uma tragédia anunciada. A recente ordem de evacuação em massa da Cidade de Gaza, emitida por Israel, desencadeou uma nova onda de sofrimento e desespero entre centenas de milhares de palestinianos marcados por quase dois anos de guerra, fome e deslocações sucessivas, ao verem-se novamente forçados a abandonar os locais onde procuravam refúgio.
A denúncia é clara e contundente: para a Amnistia Internacional, esta ordem é ilegal, cruel e constitui um crime de guerra. Mais do que isso, é interpretada como parte de uma política deliberada de destruição sistemática que ameaça a própria sobrevivência da população palestiniana.
A guerra em Gaza, iniciada por Israel em Outubro de 2023, com a desculpa de retaliação ao ataque do Hamas que resultou em 1.200 mortos e mais de 250 reféns, evoluiu para uma campanha militar de grandes proporções. Israel lançou uma ofensiva devastadora, com bombardeamentos aéreos e operações terrestres que já provocaram mais de 64 mil mortos, na sua maioria mulheres e crianças.
A ordem de evacuação de 9 de Setembro de 2025 surge, assim, num contexto de destruição quase total do enclave, onde os hospitais colapsaram, bairros inteiros foram arrasados e a fome foi transformada em arma de guerra.
Para a Amnistia Internacional e outras organizações humanitárias, esta ordem representa uma violação flagrante do Direito Internacional Humanitário e é a prova de que a campanha militar israelita tem como único objectivo o genocídio do povo palestiniano em Gaza.
A Denúncia

A directora regional da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Heba Morayef, afirmou em um comunicado, sem ambiguidades:
“A ordem emitida pelas forças armadas israelitas para a deslocação em massa dos residentes da Cidade de Gaza é cruel, ilegal e agrava ainda mais as condições genocidas de vida que Israel está a infligir aos palestinianos”.
A responsável recordou que esta não é a primeira vez que Israel recorre a ordens de deslocação em massa. A 13 de Outubro de 2023, uma ordem semelhante havia sido emitida para todo o norte de Gaza, empurrando centenas de milhares de pessoas para o sul do enclave. Dois anos depois, a história repete-se com consequências ainda mais devastadoras.
Os Testemunhos
A dureza da realidade é retractada nos testemunhos recolhidos pela Amnistia Internacional. Um profissional de saúde que acompanha crianças em estado de desnutrição, descreveu o dilema insuportável:
“Não quero deixar os meus pacientes, as crianças cujos corpos são frágeis demais para lidar com mais uma deslocação, mas não sei o que fazer”.
“É como ter de escolher entre duas mortes: a morte por bombardeamento ou a morte lenta da deslocação, sem saber para onde ir”.
“Já fui deslocado 15 vezes, não consegui dormir nas últimas noites por causa dos bombardeamentos intensos nas proximidades e ainda estamos a tentar ir trabalhar para tratar as crianças, mas estamos exaustos”.
Outro testemunho, o de uma mulher idosa com deficiência alojada num campo improvisado em Tal al-Hawa, revela o peso do desespero:
“Fomos deslocados de Sheikh Radwan há três semanas, o meu filho teve de me carregar nos ombros porque não tenho cadeira de rodas e nenhum transporte conseguia chegar à nossa zona”.
“Agora, mandaram-nos evacuar novamente. Para onde vamos?”
“Para garantir transporte para o sul, é preciso pagar cerca de 4.000 shekels [1.000 euros] e para comprar uma tenda, é preciso pagar pelo menos 3.000 shekels [800 euros]”.
“Já gastámos todas as nossas economias. Todos os dias é como se a guerra estivesse a começar de novo, só que muito pior”.
Uma avó, que cuida da sua neta de oito anos ferida após perder os pais num bombardeamento, resume a tragédia colectiva:
“Ela é tudo o que me resta e tentei tudo o que pude para a proteger”.
“Fomos deslocados duas vezes só na última semana”.
“Não temos meios para ir para o sul e estamos cansados de ser forçados a viver esta provação novamente”.
A Posição de Israel

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em declarações no início de Setembro, justificou a ordem de evacuação como parte de uma operação para eliminar as últimas posições do Hamas e destruir “50 torres terroristas”.
O objectivo declarado é recuperar os 48 reféns ainda em cativeiro, dos quais apenas 20 estarão vivos segundo estimativas e entregar a gestão do território a entidades civis não hostis a Israel.
O porta-voz do exército, Avichay Adraee, foi mais explícito: todos os residentes da Cidade de Gaza deveriam abandonar a área imediatamente para permitir a intensificação da ofensiva terrestre.
Contudo, para as organizações humanitárias, esta narrativa militar não apaga a realidade: obrigar populações civis já fragilizadas a deslocações sucessivas, sem garantias de segurança nem de condições de sobrevivência, equivale a condená-las a um sofrimento sem fim.
A Cidade de Gaza, com raízes que remontam a milénios e um património cultural valioso, já sofreu danos severos ao longo dos dois anos de conflito. Edifícios históricos, mesquitas, igrejas e bibliotecas foram destruídos ou gravemente danificados.
A Amnistia Internacional alerta para o facto de que a ordem de evacuação actual poderá significar a destruição total da cidade, reduzindo a ruínas um dos mais antigos centros urbanos da região.
Afirmam ainda que a ordem de evacuação viola claramente o Direito Internacional Humanitário e que a deslocação forçada de populações civis, sem medidas adequadas de protecção e sem destino seguro, é classificada como crime de guerra e pode configurar crime contra a humanidade.
A organização denuncia ainda que a prática sistemática de destruição das condições de vida — escassez de alimentos, água, medicamentos, habitação e acesso a serviços básicos — é indicativa de uma intenção deliberada de aniquilação do povo palestiniano.
A Cumplicidade Internacional

Heba Morayef sublinha a responsabilidade dos países e empresas que continuam a fornecer armas e apoio diplomático a Israel.
“É inconcebível que os Estados com influência continuem a fornecer instrumentos de destruição enquanto civis são esmagados sob as bombas”, declarou.
Para a Amnistia Internacional, persistir no fornecimento de armas ou no apoio político equivale a cumplicidade com o genocídio. A organização pediu à comunidade internacional para suspenderem imediatamente as transferências de armamento e a pressionarem Israel para que permita o acesso humanitário total a Gaza.
O impacto da guerra ultrapassa os números das mortes imediatas. Gaza enfrenta uma catástrofe humanitária sem precedentes. A destruição da rede de abastecimento de água potável, a escassez de alimentos e medicamentos e o colapso dos hospitais transformaram cada deslocação forçada num risco de morte lenta.
A ONU já havia alertado para o facto de a fome em Gaza ter atingido níveis de calamidade, com crianças a morrer por desnutrição e doenças associadas. A ordem de evacuação agrava esta situação, deixando milhares de famílias sem meios de transporte, sem recursos financeiros e sem local para onde fugir.
Apesar das denúncias de organizações como a Amnistia Internacional, Human Rights Watch e Médicos Sem Fronteiras, a resposta internacional tem sido marcada pela hesitação. Os Estados Unidos da América e alguns países europeus continuam a defender o “direito de Israel a defender-se”, enquanto fornecem armas e apoio político.
Outros países, sobretudo do Sul Global, têm denunciado a campanha militar como genocida. A União Africana, a Liga Árabe e países como a África do Sul e a Bolívia recorreram ao Tribunal Internacional de Justiça para exigir a responsabilização de Israel. No entanto, a ausência de medidas concretas de pressão efectiva permite que os Israelitas continuem a actuar com impunidade.
Conclusão
A ordem de evacuação em massa da Cidade de Gaza não é mais do que uma decisão militar. É a materialização de uma política que, segundo a Amnistia Internacional, visa destruir fisicamente uma população inteira. Os testemunhos de desespero, as estatísticas de mortes e a destruição cultural compõem o retracto de um genocídio em pleno século XXI.
Se a comunidade internacional continuar a assistir em silêncio ou a alimentar o conflito com armas e apoio político, será cúmplice desta tragédia. Gaza representa hoje mais do que uma crise humanitária, representa um teste moral ao sistema internacional: ou se defende a dignidade humana, ou se assiste à destruição impune de um povo.
Concordas com a Amnistia Internacional, acerca do que se está a passar em Gaza? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2023 Ali Jadallah / Anadolu via Getty Images