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Sábado, Setembro 20, 2025

O Futuro de África Depende da Água

Em África, onde o sol e a chuva definem destinos, a água ergue-se como o maior tesouro e o maior desafio. Quando ela falta, não é apenas a sede que corrói: a economia paralisa, os contractos sociais desmoronam-se e a dignidade humana é posta em causa. O futuro do continente, em grande medida, corre pelo leito dos seus rios e pela forma como as suas populações conseguem gerir e proteger este recurso vital.

O Futuro de África Depende da Água


Em África, falar de água é falar de sobrevivência, dignidade e futuro. Mais do que um recurso natural, a água atravessa todas as dimensões da vida: do alimento que chega à mesa à energia que ilumina as casas, das oportunidades de estudo às hipóteses de trabalho. É o fio invisível que une comunidades e, ao mesmo tempo, o factor que pode separá-las em momentos de escassez.

O continente vive um paradoxo: dispõe de rios extensos, aquíferos vastos e reservas subterrâneas consideráveis, mas continua a carregar o fardo de um dos mais baixos níveis de acesso a serviços básicos de água potável e saneamento no mundo. Esta contradição expõe uma realidade incómoda.

Não é a ausência de água em si que marca a vida de milhões de africanos, mas sim a forma desigual e precária como é gerida, distribuída e valorizada. É necessário transformar a água em infra-estrutura central de desenvolvimento — capaz de sustentar saúde, educação e economia nas comunidades africanas.

A água pode ser um motor de conflito ou de cooperação, fonte de desigualdade ou de inclusão, barreira ao progresso ou alicerce de um novo modelo de desenvolvimento. O que está em causa é perceber se África conseguirá transformar o seu maior desafio num dos seus mais poderosos instrumentos de futuro.


A Água e as Crises Africanas


As crises em África raramente começam apenas pela política. Muitas vezes começam pela água — pouca, poluída ou mal distribuída. As secas expulsam pastores das suas terras, as cheias arrastam mercados e escolas e, em ambos os casos, as famílias ficam mais vulneráveis ao deslocamento, à fome e ao conflito.

O Sahel tem assistido a confrontos entre agricultores e pastores à medida que os padrões de chuva mudam; na África Austral, a falta de água nas torneiras das casas tem alimentado agitação social e forçado racionamentos. Cada exemplo sublinha uma verdade simples: quando a água falha, também falham as economias e os contractos sociais. Esta fragilidade é estrutural.

Quase 95% das terras agrícolas de África continuam dependentes da chuva, ficando as colheitas à mercê das variações climáticas. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) alertou para o facto de a segurança hídrica estar sob uma pressão crescente a partir de várias direcções.

A adaptação será impossível a menos que a água seja colocada no centro do planeamento social e estrutural, moldando o que se constrói, como se financia e quem toma as decisões. Tenho visto pessoalmente como as comunidades se tornam mais resistentes quando a água é armazenada, gerida e partilhada de forma justa.

Apesar desta urgência, a África Subsaariana continua a ser o lar de quase metade da população mundial que não tem sequer acesso a serviços básicos de água potável. Esse simples facto deveria reorganizar as nossas prioridades.

A água não é apenas um direito humano; é a infra-estrutura fundamental do desenvolvimento, influenciando o que se cultiva no campo, o que se fabrica na indústria e o que se ensina na escola.


Infra-estrutura Essencial


Quando os campos secam ou a água deixa de correr nas torneiras, são as famílias — sobretudo as mulheres e as raparigas — que absorvem o choque. E fazem-no não em números abstractos, mas sim em horas perdidas a caminhar em direcção aos recursos hídricos, em aulas perdidas e em oportunidades sacrificadas.

A UNICEF estima que, no total, as mulheres e as raparigas africanas, passem cerca de 200 milhões de horas todos os dias a recolher água, tempo que poderia ser usado a aprender, a ganhar a vida ou a exercer a sua rganização doméstica.

A desigualdade estende-se bem para além da recolha de água. O progresso no saneamento é limitado: nenhum país africano está a caminho de alcançar o acesso universal a saneamento básico gerido de forma segura até 2030; apenas três estão num rumo capaz de alcançar esse acesso universal básico.

As canalizações sozinhas não trazem a dignidade; as pessoas sim. Serviços eficientes, sustentáveis e duradouros surgem quando as comunidades ajudam a definir prioridades, quando as tarefas são claras e quando os utilizadores têm uma voz real. A política deve reflectir a realidade quotidiana.

Isso significa normas que se adaptem às condições locais da água, orçamentos reservados para manutenção a longo prazo e informações que as comunidades possam aceder e confiar.

Já existem alguns modelos que funcionam. Várias análises mundiais sugerem que a cada 1 dólar investido em água e saneamento básico, gera-se aproximadamente 4 dólares em benefícios sociais e económicos — através do tempo poupado, melhor saúde e maior produtividade. A inovação funciona sempre melhor quando está enraizada no contexto local e social.

Ferramentas simples, como filtragem em pequena escala, detecção de fugas, bombas solares e reutilização da água, podem crescer rapidamente quando associadas à formação e a empresas locais.


Sustentabilidade da Água


Parceiros de financiamento, filantropias e prémios, também podem ajudar a criar soluções comprovadas a expandirem-se. Uma dessas plataformas é o Prémio Zayed de Sustentabilidade que reconhece soluções práticas com capacidade de crescimento que colocam as pessoas no centro da decisão.

Tenho visto como este prémio valoriza soluções que são ao mesmo tempo inovadoras e inclusivas. Em 2025, distinguiu a SkyJuice Foundation por um sistema simples de filtração sem energia (ultrafiltração por gravidade) que leva água potável segura, a comunidades remotas e desfavorecidas, frequentemente excluídas das infra-estruturas convencionais.

Já em 2023, o prémio reconheceu a Eau et Vie (Better with Water) por levar torneiras às casas de bairros urbanos marginalizados e reduzir as contas para os residentes com rendimentos baixos. Estes exemplos mostram que o progresso inclusivo é possível — mas apenas se os decisores corresponderem palavras a acções. Então, o que se deve fazer agora?

Colocar o serviço e não o simbolismo, no centro. Tratar a avaria de uma bomba manual rural com a mesma urgência que a ruptura de um cano numa cidade. Garantir que cada linha orçamental possa ser acompanhada que cada contracto seja transparente e que cada comunidade seja capaz de ver o que foi prometido e o que foi realmente entregue.

O financiamento deve estar ligado não apenas à infra-estrutura construída, mas também às horas poupadas às mulheres e raparigas, às doenças evitadas nas clínicas e às colheitas asseguradas nos campos.


Capacidade de Decisão


A sociedade civil e os governos locais precisam de um lugar mais forte na mesa das decisões. Devem ser convocados fóruns públicos em que as empresas de águas, utilizadores e reguladores enfrentem o mesmo quadro de avaliação e esses resultados guiem os investimentos.

As regras de contratação pública devem recompensar tecnologias que possam ser reparadas localmente, por técnicos locais, com peças obtidas no próprio país. Na agricultura, deve-se mudar de apostas apenas em megabarragens para apoiar a gestão da humidade do solo, a captação da água da chuva e a irrigação em pequena escala que chegue às famílias de forma mais rápida.

Quando os governos enviam esses sinais — sustentados por financiamento previsível e vontade política — as empresas podem acompanhar com co-financiamento para a protecção das bacias hidrográficas e os cidadãos confiarão que as suas vozes contam.

O teste de cada projecto deve ser simples: libertar o tempo das mulheres e das raparigas, mantém as crianças saudáveis e cria empregos onde as pessoas vivem. O importante é fazer da gestão e da infra-estrutura da água o plano central, não uma nota de rodapé.

Isto significa desenvolver armazenamento nos locais certos, canalização que não tenha fugas, tratamento da água que funcione de forma contínua e operadores treinados e bem pagos. Quando o sistema funciona, a saúde melhora e as comunidades locais prosperam. Quando se coloca esta infra-estrutura em primeiro lugar, a dignidade e a prosperidade seguem atrás.


Conclusão


O futuro de África depende claramente da água. Sem ela, não há colheitas, saúde, educação ou prosperidade. Tratar a água como uma infra-estrutura essencial não é apenas uma questão de justiça social, é a base da própria sobrevivência do continente.

O investimento em soluções simples, inclusivas e sustentáveis pode transformar comunidades inteiras, libertando tempo para as raparigas estudarem e para as mulheres gerirem melhor o seu tempo, assegurando alimentos nas mesas e criando novas oportunidades económicas. A dignidade, afinal, flui com a água.

O grande desafio que se coloca aos líderes, aos governos e à sociedade civil é transformar as palavras em acções, garantindo que cada gota de água conta e que nenhuma vida é deixada para trás.

 

NOTA: O artigo original, foi publicado inicialmente no site da AlJazeera.

 


O que pensas desta posição em relação à água no continente africano? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2024 Luke Dray via Getty Images
Sareen Malik

Secretária Executiva da Rede da Sociedade Civil Africana para Água e Saneamento (ANEW); Vice-Presidente do Sa and Water for All (SWA); Co-presidente do Centro de Empreendedorismo para Água e Saneamento (CEWAS); Membro do Conselho do Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI) Sareen Malik lidera a Rede da Sociedade Civil Africana para Água e Saneamento (ANEW), uma organização coordenadora que reúne ONG’s de água e saneamento em mais de 50 países africanos. Com mais de 15 anos de experiência em gestão do sector da água e saneamento, Sareen foca-se em fortalecer os actores envolvidos de forma efectiva — incluindo a sociedade civil, governos e sector privado — para que participem de forma significativa na melhoria dos serviços de Água, Saneamento e Higiene (WASH) e na gestão sustentável da água. Formada em Direito, Sareen é autora de diversas publicações e contribuiu para o desenvolvimento de ferramentas de gestão, políticas e práticas para actores governamentais e não-governamentais no domínio da água e saneamento. O seu trabalho de promoção sublinha constantemente a importância da responsabilização, da equidade e da participação inclusiva nos serviços de água e saneamento, tendo levado a reformas legais e reforçado a mensagem de que uma gestão eficaz é crucial para alcançar resultados sustentáveis e justos no sector.

Sareen Malik
Sareen Malikhttps://www.aljazeera.com/author/sareen-malik
Secretária Executiva da Rede da Sociedade Civil Africana para Água e Saneamento (ANEW); Vice-Presidente do Sa and Water for All (SWA); Co-presidente do Centro de Empreendedorismo para Água e Saneamento (CEWAS); Membro do Conselho do Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI) Sareen Malik lidera a Rede da Sociedade Civil Africana para Água e Saneamento (ANEW), uma organização coordenadora que reúne ONG’s de água e saneamento em mais de 50 países africanos. Com mais de 15 anos de experiência em gestão do sector da água e saneamento, Sareen foca-se em fortalecer os actores envolvidos de forma efectiva — incluindo a sociedade civil, governos e sector privado — para que participem de forma significativa na melhoria dos serviços de Água, Saneamento e Higiene (WASH) e na gestão sustentável da água. Formada em Direito, Sareen é autora de diversas publicações e contribuiu para o desenvolvimento de ferramentas de gestão, políticas e práticas para actores governamentais e não-governamentais no domínio da água e saneamento. O seu trabalho de promoção sublinha constantemente a importância da responsabilização, da equidade e da participação inclusiva nos serviços de água e saneamento, tendo levado a reformas legais e reforçado a mensagem de que uma gestão eficaz é crucial para alcançar resultados sustentáveis e justos no sector.
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