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ToggleMoçambique: 22 Mil Deslocados Com Os Ataques
Localizada no norte de Moçambique, Cabo Delgado tornou-se um dos pontos mais dolorosos do mapa africano contemporâneo. Esta província carrega em si a contradição entre a riqueza abundante em recursos naturais e a extrema pobreza das suas populações.
Desde 2017, a região tem sido assolada por ataques terroristas, protagonizados por grupos armados que, alegando motivações religiosas, encontraram terreno fértil para alastrar a violência entre as comunidades fragilizadas pela exclusão social e pela ausência de perspectivas.
Em Setembro de 2025, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações, quase 22 mil pessoas foram deslocadas em apenas uma semana, maioritariamente crianças, mulheres grávidas e idosos. Estes números, mais do que estatísticas, representam histórias de perda, medo e sobrevivência.
O problema, porém, não reside apenas na ofensiva dos insurgentes: múltiplas vozes, entre as quais a da Igreja Católica, sublinham que a raiz da crise se encontra também na má gestão das riquezas locais, na frágil governação e nas profundas desigualdades sociais.
Deslocações em Massa

Entre os dias 19 e 26 de Setembro de 2025, registaram-se 21.819 deslocados internos em Moçambique, em apenas em três distritos da província de Cabo Delgado: Balama, Mocímboa da Praia e Nangade. Famílias inteiras, carregando o pouco que conseguiram salvar, abandonaram aldeias em chamas e vilas atacadas.
Em Balama, 8.268 pessoas fugiram da povoação de Monapo para Ntete e Mieze. Em Mocímboa da Praia, mais de 13 mil deixaram os bairros 30 de Junho e Filipe Nyusi após ataques que provocaram mortos e devastação. Em Nangade, 277 procuraram refúgio em localidades vizinhas e até na capital provincial, Pemba.
“Alimentos, abrigo e serviços de protecção foram relatadas como as necessidades mais urgentes”.
Lê-se no relatório da OIM que refere que o total de deslocados, equivale a 6.012 famílias e mais de metade são crianças (11.380), a que se juntam 311 grávidas e 657 idosos, demonstrando que os mais vulneráveis são os que mais sofrem. A cada ofensiva dos insurgentes, cresce a urgência de alimentos, abrigo e serviços de protecção, expondo as limitações da resposta humanitária.
Em 2024, só em Cabo Delgado, 349 pessoas morreram em ataques, maioritariamente reivindicados pelo Estado Islâmico, num aumento de 36% face ao ano anterior. Apesar de algumas melhorias apontadas pelas autoridades, a insegurança continua a marcar o quotidiano e os deslocamentos em massa são prova disso.
Resposta Militar

O Presidente moçambicano, Daniel Chapo, reconheceu recentemente que a ameaça terrorista persiste, ainda que a situação de segurança em Cabo Delgado seja hoje mais estável do que há três ou quatro anos. No discurso de comemoração do 61.º aniversário das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, sublinhou que todos os militares, sem excepção, devem participar no Teatro Operacional Norte.
“O terrorismo não se vence deixando os melhores militares nos gabinetes”.
Afirmou o Presidente da República de Moçambique, Daniel Chapo, reforçando que nesta guerra, não há espaço para privilégios. Destacou igualmente a necessidade de inovação táctica, de cooperação internacional e do reforço das capacidades estratégicas nacionais.
No entanto, não restam dúvidas de que segurança em Cabo Delgado melhorou, em comparação à três ou quatro anos, pois há condições básicas para a circulação de pessoas e bens, com relativa segurança, apesar dos ataques esporádicos dos terroristas.
Contudo, a realidade mostra que mesmo com formação de parceiros externos como Portugal e com o apoio militar do Rwanda, os avanços permanecem limitados. Os insurgentes adaptaram-se, mudaram o seu “modus operandi” e recorrem agora, entre outras tácticas, à colocação de engenhos explosivos improvisados em estradas para conter o avanço das tropas.
A insistência governamental numa resposta predominantemente militar levanta dúvidas sobre a eficácia de um esforço que, após oito anos de conflito, não conseguiu devolver estabilidade plena à província.
A província de Cabo Delgado, regista um recrudescimento de ataques de grupos rebeldes desde Julho – com 57 mil deslocados só na zona sul – tendo sido alvos os distritos de Chiúre, Muidumbe, Quissanga, Ancuabe, Meluco e mais recentemente Mocímboa da Praia, com registo de vários mortos.
Só em 2024, pelo menos 349 pessoas morreram em ataques, no norte de Moçambique, a maioria reivindicados pelo grupo extremista Estado Islâmico, um aumento de 36% face a 2023.
Raízes Sociais

Para o arcebispo de Nampula, D. Inácio Saúre, a guerra em Cabo Delgado não pode ser compreendida apenas como resultado do radicalismo islâmico. Os cristãos são um alvo, mas a verdadeira raiz do conflito – que começou em 2017 – é outra.
“Não há dúvida nenhuma que em Cabo Delgado há outros interesses, não é só a ameaça do radicalismo islâmico”.
“A meu ver isto tem a ver com a descoberta dos recursos naturais da zona”.
Afirmou D. Inácio Saúre sugerindo que os recursos naturais como o gás e os minerais estratégicos, são negociados em condições pouco transparentes e sem benefícios reais para as comunidades locais, criando exclusão social, agravando as assimetrias, deixando milhares de pessoas sem perspectivas de futuro.
Num país em que 68% da população vive em pobreza extrema, os jovens são facilmente recrutados pelos insurgentes islâmicos, com promessas aliciantes de salários na casa dos 20 mil meticais mensais.
O arcebispo denuncia também a fragilidade das Forças Armadas nacionais, que muitas vezes operam em condições de fome e falta de recursos. Para ele, mesmo que os militares estivessem bem equipados, a solução nunca poderia ser exclusivamente militar.
Para o prelado de Moçambique, a comunidade internacional podia fazer muito mais para ajudar, até porque apesar da ajuda da União Europeia – sobretudo de Portugal, que deu formação – e do acordo com o Rwanda que tem enviado soldados, o exército moçambicano não tem sido capaz de resolver a situação.
O conflito exige respostas que incluam justiça social, distribuição justa das riquezas e oportunidades concretas para os jovens. Saúre critica ainda a ocupação ilegal de terrenos e edifícios da Igreja, com conivência de autoridades, como exemplo das falhas internas de governação que alimentam a desconfiança da população.
Conclusão
Cabo Delgado é hoje um retracto das contradições de Moçambique: riqueza natural imensa e pobreza extrema enraizada. A insistência numa solução apenas militar revelou-se insuficiente ao longo dos últimos oito anos. Os deslocamentos massivos, a violência persistente e a exclusão social são sintomas de um problema mais profundo que exige coragem política e visão social.
A voz crítica da Igreja Católica aponta para a necessidade de uma estratégia multidimensional que una governação transparente, justiça social, inclusão económica e segurança. Apenas um pacto nacional, reforçado pela solidariedade internacional, poderá devolver esperança às populações.
O futuro da província, e em larga medida de Moçambique, depende da capacidade de transformar os seus recursos naturais em bem-estar colectivo, em vez de se tornarem fonte de conflito. A paz não será conquistada apenas nas frentes de combate, mas sobretudo nas aldeias, nos campos e nas comunidades que pedem dignidade e justiça.
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Imagem: © 2025 Luísa Nhantumbo