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Quarta-feira, Setembro 10, 2025

Inaugurada a Grande Barragem do Renascimento

A Etiópia inaugurou oficialmente a Grande Barragem do Renascimento, a maior barragem hidroeléctrica de África, desafiando as tensões diplomáticas dos países vizinhos, abrindo uma nova página na história energética e política do continente.

Inaugurada a Grande Barragem do Renascimento


A inauguração oficial, ocorrida hoje, da Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD), a maior infra-estrutura hidroeléctrica de África, faz com que a Etiópia entre numa nova era energética e geopolítica. Localizada no Nilo Azul, próxima da fronteira com o Sudão, a barragem foi apresentada pelo primeiro-ministro Abiy Ahmed como um “símbolo da soberania e da determinação do povo etíope”.

A inauguração da GERD marca a conclusão de um projecto que se arrastou por mais de uma década e que se tornou símbolo de ambição nacional para A Etiópia. Com 145 metros de altura e quase 1,8 quilómetros de comprimento, o maciço muro de betão constrói um lago artificial com capacidade total de 74 mil milhões de metros cúbicos.

Com uma capacidade instalada superior a 6.000 megawatts, a GERD deverá duplicar a produção de energia eléctrica da Etiópia, permitindo ao país não apenas responder às necessidades internas de consumo como também posicionar-se como principal exportador de electricidade na África Oriental. Para Adis Abeba a barragem é sinónimo de autonomia, de industrialização e de novas receitas.

O governo etíope estima que, nos próximos anos, a energia gerada pela barragem poderá chegar a países vizinhos como o Sudão, o Quénia, o Djibuti e até o Egipto, dependendo dos acordos regionais.

Do ponto de vista técnico, trata-se de uma infra-estrutura de escala mundial que alimenta expectativas de acesso alargado à electricidade e de crescimento industrial. Do ponto de vista político, coloca um desafio directo ao estatuto quo de partilha das águas do Nilo e reacende memórias históricas e receios contemporâneos em Cartum e no Cairo.


Um Símbolo de Soberania


A inauguração da GERD marca o culminar de um projecto iniciado em 2011 que, ao longo de mais de uma década, esteve no centro de disputas diplomáticas, debates ambientais e mobilizações nacionais sem precedentes. O empreendimento, avaliado em 4 a 5 mil milhões de dólares, é a maior obra de infra-estruturas da história moderna da Etiópia e um símbolo de orgulho e de afirmação continental.

Desde o início da construção, em 2011, a GERD esteve no epicentro de uma disputa intensa. O Egipto, cuja dependência do Nilo ultrapassa os 90% do abastecimento de água potável e da irrigação agrícola, sempre encarou a barragem como uma ameaça à sua segurança hídrica.

O Sudão, por sua vez, oscilou entre a oposição e o apoio, reconhecendo potenciais benefícios energéticos e de regulação de cheias, mas expressando preocupações sobre os impactos nas suas próprias infra-estruturas.

Ao longo da última década, sucederam-se rondas de negociações mediadas pela União Africana, pelas Nações Unidas, pelos Estados Unidos da América e pelo Banco Mundial. Nenhuma conseguiu produzir um acordo vinculativo sobre a gestão das águas. A inauguração de hoje em Addis Abeba, celebrada com fervor patriótico, reabre o debate em torno de um dos rios mais disputados do planeta.


Orgulho Nacional


Na cerimónia de inauguração, marcada por desfiles culturais e pela presença de delegações africanas, o Primeiro-Ministro Abiy Ahmed declarou:

“A Etiópia nunca cedeu à pressão externa e construiu esta barragem com o esforço exclusivo do seu povo”.

Em outra intervenção acrescentou que a obra não é apenas para os etíopes e que África inteira também vai beneficiar com o empreendimento. Para muitos cidadãos, a GERD tornou-se um símbolo de unidade e redenção. Durante décadas, a Etiópia foi vista como um país dependente da ajuda externa. Hoje, a narrativa inverte-se: de receptora de apoio internacional, passa a potencial fornecedora de energia.

Hirut Alemayehu, uma estudante universitária que participou nas campanhas de financiamento, resumiu esse sentimento:

“Durante anos fomos conhecidos pelas nossas dificuldades”.

“Hoje, mostramos ao mundo que somos capazes de realizar obras do tamanho dos nossos sonhos”.

A construção avançou em fases sucessivas de enchimento do reservatório entre 2020 e 2024, até atingir a capacidade total anunciada na inauguração. A Etiópia recorreu sobretudo a fontes internas de financiamento — títulos do Estado, contribuições da diáspora e campanhas de mobilização que envolveram cidadãos comuns.

Este modelo reforçou a narrativa de apropriação nacional do projecto e reduziu a dependência de doadores internacionais. Ainda assim, a barragem contou com apoio técnico e linhas de crédito externas, sobretudo para as obras de electrificação e as linhas de transmissão.

A China destacou-se como parceira central no fornecimento de equipamentos e no financiamento das redes, mas também se envolveram países como a Turquia e os Emirados Árabes Unidos. Esta diversificação permitiu a Adis Abeba afirmar-se sem ficar refém de um único actor político internacional.


A Promessa de um Novo Futuro


Com capacidade instalada de 5.150 megawatts, a GERD figura entre as maiores centrais hidroeléctricas do mundo. O governo etíope prevê receitas de exportação na ordem de mil milhões de dólares por ano, a serem aplicadas em linhas de transmissão, projectos industriais e programas de electrificação doméstica.

As autoridades defendem que a electrificação extensiva poderá reduzir a pobreza, atrair o investimento e impulsionar a industrialização, abrindo caminho para uma transição energética mais limpa. Contudo, a distribuição da energia permanece um desafio.

Grande parte da população rural ainda não tem acesso à rede e será necessário investir em transporte, armazenamento e gestão da rede para transformar megawatts em bem-estar. O Egipto por seu lado, reagiu com reprovação à conclusão e inauguração da barragem, classificando-a como ameaça existencial.

As autoridades do Cairo exigem um acordo trilateral vinculativo sobre o enchimento e a operação do reservatório, advertindo para possíveis medidas unilaterais caso o impasse se prolongue. O Sudão manifestou reservas semelhantes, sublinhando a ausência de garantias formais quanto ao regime de gestão das águas.

Esta tensão insere-se num quadro histórico. Os tratados sobre a partilha do Nilo remontam ao período colonial e são interpretados de forma divergente. Para o Egipto, o Nilo é vital para a sobrevivência nacional. Para a Etiópia, a barragem representa o exercício soberano do direito de usar os recursos hídricos no seu território.


Geopolítica e Ambiente


Para além da questão hídrica, a GERD inscreve-se numa arena de relações mais vasta. A participação chinesa no financiamento das linhas de transmissão e no fornecimento de tecnologia reforça a crescente presença de Pequim em África.

Ao mesmo tempo, o envolvimento de outros actores como a Turquia e os Emirados Árabes Unidos diversifica o leque de apoios e insere a obra numa lógica de investimento Sul-Sul. Este mosaico de parcerias demonstra que a barragem não é apenas um projecto de engenharia, sendo também um activo geopolítico que reposiciona a Etiópia no tabuleiro regional e internacional.

No entanto, os especialistas alertaram, desde as primeiras fases, para os impactos ambientais e sociais da obra. O enchimento do reservatório alterou ecossistemas locais e obrigou ao reassentamento de milhares de pessoas. Os ambientalistas chamaram a atenção para os riscos de erosão, perda de biodiversidade e para o aumento das perdas por evaporação.

Há ainda preocupações quanto a potenciais consequências sísmicas associadas ao peso do reservatório e à necessidade de uma coordenação técnica cuidadosa durante os anos de seca. Alguns estudos sublinharam que, embora as fases iniciais de enchimento não tenham provocado rupturas significativas, a vulnerabilidade regional às mudanças climáticas exige uma vigilância permanente.

No plano social, organizações independentes apontaram falhas nos programas de reassentamento e compensação. Várias alterações nos modos de vida tradicionais, na pesca e na mobilidade local evidenciaram que os custos humanos do projecto permanecem relevantes.

O verdadeiro desafio será equilibrar os benefícios energéticos e económicos com a estabilidade social, a preservação ambiental e os mecanismos de diálogo que evitem confrontos. Sem estes factores, a barragem arrisca-se a permanecer como um colosso de betão num rio que continua a ser um dos mais disputados e estratégicos do mundo.


Caminhos da Diplomacia


A GERD é, em simultâneo, um símbolo de soberania africana e um teste prático à capacidade de cooperação entre os estados com interesses divergentes. Se por um lado, reforça a narrativa do orgulho nacional e da capacidade industrial da Etiópia, também evidencia que as grandes obras não se esgotam apenas na engenharia.

Para vários especialistas, existem duas vias possíveis. A primeira consiste em criar mecanismos conjuntos de gestão da bacia, com base em dados hidrológicos partilhados e em calendários previsíveis de enchimento e descarga. A segunda assenta na transformação da energia excedentária em activos de cooperação, através de contractos de venda de electricidade e projectos industriais regionais.

Alguns países vizinhos já manifestaram interesse em comprar energia, o que abre a possibilidade de converter um foco de tensão num motor de cooperação. Para isso, será necessário garantir transparência, partilha de dados e compromissos jurídicos claros, sobretudo com o Egipto e o Sudão.


Conclusão


A inauguração da Grande Barragem do Renascimento Etíope (GERD) marca um momento histórico para a Etiópia e para toda a África Oriental. Esta mega-estrutura, erguida com esforço interno e com vasto significado simbólico, promete transformar o presente e construir um futuro mais electrificado e digno.

Mas o êxito pleno da GERD dependerá da capacidade regional de dialogar, acordar e gerir os recursos hídricos de forma justa. Se for usada como instrumento de cooperação, poderá inaugurar uma nova era de solidariedade e desenvolvimento. Se persistir o desentendimento, corre-se o risco de perpetuar uma rivalidade que ameaça a estabilidade e a segurança de milhões.

O desafio que se segue é este: assegurar que a barragem seja um símbolo de prosperidade partilhada e não de conflito eterno. Eis o dilema que o Nilo, agora renovado, impõe a todos os Estados que dependem do seu caudal para sobreviver.

 


O que pensas da inauguração desta grande barragem na Etiópia? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2025 Al Jazeera Media Network
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

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Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
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