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Terça-feira, Novembro 25, 2025

Drogas: África Enfrenta Uma Grave Crise Ímpar

Em muitas cidades africanas, a madrugada já não anuncia apenas o início de um novo dia — anuncia também um perigo silencioso que se espalha pelos bairros, atravessa fronteiras e infiltra-se nas rotinas de milhões. A crise das drogas deixou de ser uma sombra distante e transformou-se numa ameaça que avança rápido demais para um continente ainda a construir escolas, empregos, estabilidade e esperança.

Drogas: África Enfrenta Uma Grave Crise Ímpar


A crise das drogas, antes um problema distante, tornou-se uma ameaça concreta para famílias, escolas, bairros e cidades em África, onde uma geração que sonha com empregos dignos, paz duradoura e desenvolvimento sustentável, vê erguer-se um inimigo silencioso que corrói os alicerces da sociedade.

O que era antes uma rota de passagem transformou-se em um mercado de destino, ameaçando converter o histórico dividendo demográfico num pesadelo social. Relatórios recentes confirmam uma crise em rápida escalada, com mercados a expandirem-se na África Ocidental, Central e noutras zonas urbanas do continente.

Substâncias como a cocaína e a heroína que antes apenas atravessavam o continente, infiltraram-se agora nos mercados locais, alimentando um consumo interno preocupante. Opioides farmacêuticos, como a codeína e o tramadol, representaram cerca de 57% das apreensões entre 2019 e 2023.

A canábis sativa mantém-se a droga mais consumida, com taxas superiores ao dobro da média mundial em algumas regiões. Esta realidade cruza-se com o facto de mais de 60% da população africana ter menos de 25 anos, tornando a juventude o principal alvo desta guerra. Esta crise é uma questão de desenvolvimento, direitos humanos e futuro colectivo, exigindo respostas coordenadas à escala continental.


Mercados em Mutação


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Imagem: © 2023 Getty Images

A transformação de África de corredor de trânsito em mercado de consumo é um dos sinais mais claros da mudança em curso. Portos, aeroportos e fronteiras terrestres vulneráveis continuam a ser utilizados pelas redes transnacionais de tráfico, mas hoje uma parte relevante da carga permanece no continente para abastecer os mercados locais em expansão.

Em bairros populares, periferias urbanas e até em pequenas cidades do interior, surgem pontos de venda onde se cruzam drogas tradicionais, comprimidos desviados de cadeias farmacêuticas e misturas sintéticas sem qualquer controlo sanitário. A expansão destes mercados é facilitada por sistemas regulatórios frágeis, fiscalização limitada e recursos escassos para a investigação criminal.

As autoridades apontam ainda para o uso crescente da dark web e de aplicações de comunicação cifrada que permitem negociações e entregas com menor risco para as redes criminosas.

Em paralelo, começam a surgir laboratórios clandestinos dedicados a drogas sintéticas, um salto qualitativo que agrava a perigosidade das substâncias consumidas, sobretudo entre os jovens que desconhecem a sua composição.

A combinação entre lucros elevados, baixo risco de condenação efectiva e situações generalizadas de desemprego ou subemprego torna tentadora a entrada de muitos jovens nas engrenagens do tráfico.

O dinheiro da droga infiltra-se na economia local, sustentando negócios de fachada e minando a confiança na capacidade do Estado para impor a lei, condicionando a vida de comunidades inteiras.

Juventude em Risco


Num continente onde a juventude é a maioria da população, a crise das drogas não pode ser lida apenas como uma questão de desvio individual ou de falha familiar. Em muitos países africanos, os jovens enfrentam um mercado de trabalho estreito, sistemas de ensino sobrelotados, fraca oferta de formação profissional e um quotidiano marcado pela precariedade e pela ausência de perspectivas.

É neste vazio de oportunidades que o consumo e o tráfico encontram um terreno fértil. As drogas tornam-se, para alguns, uma fuga provisória a realidades duras, como o desemprego prolongado, a violência urbana, os traumas de guerra ou as deslocações forçadas e a falta de mobilidade social.

Para outros, o envolvimento nas redes de distribuição surge como uma promessa de um rendimento rápido num ambiente onde o empreendedorismo, por vezes, se resume a sobreviver no dia a dia. As consequências, porém, são devastadoras: abandono escolar, conflitos familiares, aumento da criminalidade, sobrelotação de prisões e rupturas comunitárias que levam anos a reparar.

As mulheres e as crianças, surgem entre as vítimas mais vulneráveis, com relatos de mulheres a serem usadas como “correios” e crianças em situação de rua ou em bairros periféricos a tornarem-se alvos fáceis para o consumo precoce.

Os especialistas em saúde pública alertam ainda para o aparecimento e crescimento de perturbações mentais associadas ao uso prolongado de drogas, num contexto em que os serviços de psiquiatria e o apoio psicológico são escassos e concentrados nas capitais.


Estados Sob Pressão


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Imagem: © 2013 Staton Winter / ONU

Perante esta realidade, muitos Estados africanos encontram-se numa corrida contra o tempo. As polícias lidam com situações drásticas como recursos humanos insuficientes, falta de meios técnicos e vastos territórios difíceis de controlar.

Os sistemas judiciais, frequentemente sobrecarregados e com demoras processuais significativas, têm dificuldade em responder com eficácia, enquanto as prisões acumulam detidos por crimes de droga — muitas vezes consumidores com baixo perfil de perigosidade — que saem sem tratamento adequado e regressam aos mesmos contextos de risco.

Os sistemas de saúde também estão sob pressão. Em numerosos países, os serviços especializados em dependências são poucos ou concentrados em grandes cidades e inacessíveis para vastas camadas da população. Sem contar que faltam programas de redução de danos, campanhas de prevenção adaptadas às realidades locais, equipas multidisciplinares e financiamento estável.

A formação de profissionais em áreas como a psiquiatria, a psicologia clínica, a enfermagem de saúde mental e os serviços sociais, continua muito aquém das necessidades de um continente em rápida transformação. Ao mesmo tempo, a proliferação de novas substâncias psicoactivas torna obsoletos muitos quadros legais e protocolos médicos, exigindo actualizações permanentes.

Sem estatísticas fiáveis e sistemas de informação robustos, é difícil desenhar políticas públicas baseadas em evidência. Ainda assim, vários países africanos começaram a rever leis sobre drogas, a actualizar estratégias nacionais e a integrar o tema nas suas agendas de saúde e segurança. A questão central, no entanto, permanece: será o ritmo destas reformas suficiente face à velocidade da crise?


Respostas em Construção


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Imagem: © 2008 UNODC

Apesar do diagnóstico grave, África não assiste passivamente ao agravamento da crise. A União Africana tem promovido encontros técnicos continentais para validar e actualizar o Plano de Acção para o Controlo de Drogas e Prevenção do Crime, procurando alinhar estratégias nacionais com uma visão comum baseada em saúde pública, direitos humanos e desenvolvimento sustentável.

A ideia de uma abordagem equilibrada — que trate a redução da oferta e da procura com igual determinação — ganha espaço entre decisores políticos, especialistas e sociedade civil. Vários organismos africanos sublinham a necessidade de integrar no novo plano continental um quadro de resultados claro, com indicadores verificáveis, calendário de implementação e estratégias de mobilização de recursos.

Apelam também à inclusão explícita de três eixos transversais: género, juventude e saúde mental. Sem estes elementos, alertam, qualquer política corre o risco de ignorar os públicos mais sujeitos à vulnerabilidade e à estigmatização.

Em paralelo, começam a emergir experiências positivas em vários países: programas comunitários de prevenção em escolas e igrejas, centros de tratamento geridos em parceria com organizações não-governamentais, campanhas de sensibilização dirigidas a pais e educadores, criação de linhas telefónicas de apoio e formação de agentes policiais em abordagem humanizada a consumidores.

Em algumas cidades, projectos-piloto juntam autarquias, serviços de saúde, sector privado e associações locais para criar redes de apoio contínuo, desde a prevenção até à reinserção social de ex-toxicodependentes.

Cooperação e Responsabilidade Partilhada


A dimensão transnacional do fenómeno torna indispensável uma cooperação reforçada entre Estados africanos, organizações regionais e parceiros internacionais. Rotas marítimas e aéreas que ligam África à Europa, América e Ásia mostram que o continente não é apenas um “problema local”, mas parte de um mercado mundial de drogas em permanente mutação.

Qualquer resposta eficaz terá de envolver a partilha de informação, operações conjuntas, harmonização legislativa e mecanismos de extradição e assistência judiciária mais céleres. Contudo, os decisores africanos sublinham que o combate à crise das drogas deve estar articulado com as prioridades de desenvolvimento do continente.

Não basta reprimir; é preciso criar alternativas económicas, fortalecer os sistemas educativos, ampliar os programas de emprego jovem e investir na saúde mental. Caso contrário, as raízes profundas do problema permanecerão intactas e cada vitória policial será apenas temporária.

O novo plano continental em discussão aponta nesse sentido, ao propor uma estratégia abrangente que inclua advocacia pública, envolvimento das comunidades, controlo de álcool e outras substâncias psicoactivas e a integração de compromissos internacionais como a Agenda 2063 da União Africana e as declarações das Nações Unidas sobre drogas e saúde mental.

A ambição é clara: transformar o tema das drogas, de tabu silencioso, em prioridade assumida ao mais alto nível.


Conclusão


África está perante uma encruzilhada. A mesma juventude que representa a maior promessa de renovação económica e política do continente, está exposta a um mercado de drogas em expansão, apoiado por redes transnacionais e fragilidades internas.

A crise das drogas não é um capítulo à margem da agenda de desenvolvimento, é antes um teste directo à capacidade dos Estados, comunidades e das instituições de protegerem o seu futuro. As respostas que hoje se desenham são passos importantes, mas precisam de escala, continuidade e recursos.

O combate à droga não se pode resumir a operações pontuais; exige políticas coerentes, coragem para reconhecer as falhas e o compromisso em colocar a dignidade humana no centro das decisões.

Se o continente conseguir articular segurança, saúde e desenvolvimento numa estratégia integrada, poderá transformar esta crise numa oportunidade para fortalecer as instituições, valorizar a juventude e consolidar sociedades mais persistentes. Se falhar, arrisca-se a ver uma parte decisiva da sua população perdida entre dependência, violência e exclusão.

O relógio demográfico e social está a contar e África não pode dar-se ao luxo de perder esta batalha.

 


O que pensas do problema das drogas em África? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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