Bispo Ximenes Belo acusado de abusos sexuais.
Por: Nicole Winfield, Gantry Meilana e Helena Alves
O escândalo de abuso sexual de décadas, na Igreja Católica, alcançou um vencedor do Prémio Nobel da Paz, com o Vaticano a confirmar que sancionou o herói da independência de Timor-Leste, o bispo Carlos Ximenes Belo, após alegações de que ele abusou sexualmente de rapazes durante a década de 1990.
A admissão do ocorrido pelo Vaticano, veio um dia depois de uma revista holandesa, a De Groene Amsterdammer, expor as acusações contra o reverenciado bispo católico, citando duas das supostas vítimas de Belo e relatando que havia outras que não se haviam manifestado em Timor-Leste, onde a Igreja exerce enorme influência.
O caso Ximenes Belo
O porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni disse que o escritório que lida com casos de abuso sexual recebeu alegações “sobre o comportamento do bispo” em 2019 e no espaço de um ano impôs restrições.
As restrições, incluíam limitações aos movimentos de Belo e, ao exercício do seu ministério. Proibiram-no também de ter contacto voluntário com menores ou com Timor-Leste. Numa nota, Bruni disse que as sanções foram “modificadas e reforçadas” em novembro de 2021 e que Belo aceitou formalmente a punição nas duas ocasiões.
O Vaticano não forneceu nenhuma explicação, porque São João Paulo II, permitiu que Belo renunciasse ao cargo de chefe da Igreja em Timor-Leste, no início de 2002 e, por que as autoridades da Igreja, permitiram que ele fosse enviado para Moçambique, onde trabalhou com crianças.
As notícias do comportamento de Belo causaram ondas de choque na nação fortemente católica e empobrecida do Sudeste Asiático, onde ele é considerado um herói por ter lutado pela conquista da independência de Timor-Leste ao domínio indonésio.
“Também estamos aqui em choque ao ouvir esta notícia”.
Disse na quinta-feira, 29 de Setembro de 2022, um funcionário da arquidiocese de Díli, em Timor-Leste, falando à Associated Press sob condição de anonimato.
Outros disseram que apoiariam Belo, pelas suas contribuições ao país e pela sua luta pela independência.
“Aceitamos e submetemo-nos a qualquer decisão emitida pelo Vaticano sobre a acusação contra o bispo Carlos Ximenes Belo, seja certa ou errada”.
Disse Gregoriu Saldanha, que preside o Comité 12 de Novembro, uma organização juvenil criada após um massacre em Santa Cruz, durante a ocupação indonésia de Timor-Leste.
Ele disse numa conferência de imprensa em Díli que:
“Ainda estaremos com o Bispo Belo, porque percebemos que, como ser humano, Belo tem fraquezas ou erros como todos os outros”.
“Se ele faz algo errado, é culpa individual dele, não tem nada a ver com a religião”.
Acrescentou que:
“Não podemos ignorar a sua bondade e o que tem lutado pelo povo de Timor-Leste”.
“Belo faz parte da nossa luta pela independência. Como líder da Igreja Católica, deu apoio e solidariedade à luta do povo”.
A revista holandesa De Groene Amsterdammer afirmou que duas supostas vítimas, identificadas apenas como Paulo e Roberto, relataram ter sido abusadas por Belo e disseram que outros jovens também foram vítimas. Eles confirmaram que a sua investigação, mostrou que o abuso de Belo era conhecido do governo timorense e de trabalhadores humanitários da igreja.
“O bispo violou-me e abusou sexualmente de mim naquela noite”.
“No início da manhã ele mandou-me embora. Eu estava com medo porque ainda estava escuro”.
“Então tive se esperar, antes que eu conseguisse ir para casa”.
“Ele também me deu dinheiro. Fez isso para que eu mantivesse minha boca fechada e para ter a certeza de que eu voltaria”.
Disse Roberto à revista.
O Prémio Nobel
Belo ganhou o Prémio Nobel da Paz em 1996, com o colega ícone da independência timorense, José Ramos-Horta, por fazer campanha por uma solução justa e pacífica para o conflito no seu país de origem, enquanto lutava para conquistar a independência da Indonésia.
O Comité Nobel norueguês, na citação do Nobel, elogiou a coragem de Belo ao recusar-se a ser intimidado pelas forças indonésias.
A comissão notou que, enquanto tentava fazer com que as Nações Unidas organizassem um plebiscito para Timor-Leste, ele “contrabandeou” duas testemunhas de um sangrento massacre de 1991, para que pudessem testemunhar perante a comissão de direitos humanos da ONU em Genebra.
O Comité Nobel recusou-se a responder às alegações, além de dizer que geralmente não comenta sobre vencedores anteriores. Em uma exceção recente, o Comité repreendeu o seu vencedor de 2019, o primeiro-ministro etíope, pela guerra e crise humanitária na região do Tigray.
Ramos-Horta e a ONU
Ramos-Horta tornou-se presidente de Timor-Leste. Após o seu regresso dos Estados Unidos, onde se dirigiu à Assembleia Geral da ONU, Ramos-Horta foi questionado sobre as alegações contra Belo e sobre a posição do Vaticano, ao que respondeu:
“Prefiro esperar mais ações da Santa Sé”.
As Nações Unidas chamaram as alegações de “verdadeiramente chocantes” e disseram que elas devem ser “totalmente investigadas”, de acordo com um comunicado do porta-voz da ONU, Stephane Dujarric.
Belo e os Salesianos
Belo, que se acredita estar a morar em Portugal, não respondeu, quando contactado por telefone pela Rádio Renascença, a emissora privada da igreja católica portuguesa.
Belo é um sacerdote dos Salesianos de Dom Bosco, uma ordem religiosa católica romana que tem muito influência no Vaticano. A filial portuguesa dos Salesianos disse que recebeu “com grande tristeza e espanto” a notícia.
A sucursal distanciou-se de Belo, alegando que ele não estava ligado à ordem desde que assumiu o comando em Timor-Leste. No entanto, Belo ainda é um bispo salesiano, listado no anuário do Vaticano pelas iniciais salesianas “SDB” no fim do seu nome.
“No que diz respeito aos assuntos cobertos pelas notícias, não temos conhecimento que nos permita comentar”, disse o comunicado salesiano.
Disseram que os salesianos portugueses acolheram Belo a pedido dos seus superiores, depois de ele ter deixado Timor-Leste em 2002, porque era muito estimado e, confirmaram que não tinha feito nenhum trabalho pastoral em Portugal.
A De Groene Amsterdammer
A revista holandesa, disse que a sua pesquisa indicou que Belo também abusou de rapazes na década de 1980, antes de se tornar bispo, quando trabalhava em um centro educacional administrado pelos salesianos.
Paulo, agora com 42 anos, disse à revista holandesa que foi abusado uma vez por Belo na residência do bispo, na capital de Timor-Leste, Díli. Ele pediu para permanecer anónimo “para garantir a sua privacidade e segurança, bem como a da sua família”, disse a revista.
“Pensei: isto é nojento. Não vou mais lá”, disse ele à revista.
Roberto, que também pediu para permanecer anónimo, disse que foi abusado com mais frequência, tendo os abusos sido iniciados quando tinha 14 anos, após uma celebração religiosa na sua cidade natal.
Roberto mais tarde mudou-se para Díli, onde o suposto abuso continuou na residência do bispo, informou a revista holandesa.
Não está claro se ou quando, alguma suposta vítima se apresentou à igreja local, à aplicação da lei ou às autoridades do Vaticano.
Ximenes Belo
São João Paulo II, aceitou a renúncia de Belo como administrador apostólico de Díli a 26 de Novembro de 2002, quando tinha 54 anos, por alguns outros motivos “graves” que o impossibilitam de continuar.
Em 2005, Belo disse à UCANews, uma agência de notícias católica que renunciou por causa de stresse e problemas de saúde. Supostamente, Belo não teve outra carreira episcopal depois disso mas, a revista De Groene Amsterdammer afirmou na sua investigação que ele se mudou para Moçambique e trabalhou lá como padre.
Belo, posteriormente, disse à UCANews que se mudou para Moçambique depois de consultar o chefe do escritório missionário do Vaticano, o Cardeal Cresenzio Sepe e concordou em trabalhar lá por um ano há espera retornar a Timor-Leste.
“Faço trabalho pastoral ensinando catecismo para crianças, dando retiros para jovens. Eu cresci de cima para baixo”.
Disse Belo, à UCANews.
O Vaticano
Em 2002, quando Belo se aposentou como chefe da Igreja de Timor-Leste, o escândalo de abuso sexual havia acabado de explodir publicamente nos Estados Unidos e o Vaticano havia começado a reprimir padres abusivos, exigindo que todos os casos de abuso fossem enviados ao Vaticano para revisão.
Os bispos, no entanto, estavam isentos desse requisito. Somente em 2019 o Papa Francisco, aprovou uma lei da Igreja, exigindo que todas as más condutas sexuais contra bispos, fossem igualmente denunciadas internamente, fornecendo um mecanismo para investigar as alegações, o que sugere que a nova lei levou o Vaticano a agir no caso de Belo.
É possível que a atividade sexual de Belo com adolescentes tenha sido descartada pelo Vaticano no início dos anos 2000, caso envolvesse jovens de 16 ou 17 anos, já que o Vaticano naqueles anos considerava tal atividade pecaminosa, mas consensual. Somente em 2010 o Vaticano elevou a idade de consentimento para os 18 anos.
Outros casos em Timor-Leste
Belo não é o único responsável da Igreja em Timor-Leste acusado de abuso. Um padre americano destituído, Richard Daschbach, foi considerado culpado no ano passado, 2021, por um tribunal de Dili, por abusar sexualmente de raparigas órfãs e desfavorecidas sob os seus cuidados e foi condenado a 12 anos de prisão, o primeiro caso deste tipo no país.
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Gantry Meilana relatou de Díli, Timor-Leste. Helena Alves relatou de Lisboa, Portugal. Mike Corder em Amsterdão e Edith Lederer das Nações Unidas também contribuíram para este artigo.
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Imagem: © 1999 Neil Jacobs