Historiador Defende Manter As Estatuas Coloniais
As estátuas coloniais devem ser mantidas, segundo o historiador e professor aposentado da Universidade de Coimbra, Luís Reis Torgal, alegando que para cada época há uma legitimidade histórica e mudam-se os símbolos.
Meio século após Portugal ter reconhecido a independência das ex-colónias de África e de Timor-Leste, reconhece que as estátuas não se devem deitar abaixo, incluindo as de dirigentes da ditadura do Estado Novo. Nestes casos, preconizou, deve existir nos monumentos informação factual sobre o papel dessas pessoas no processo histórico.
Também na toponímia, deve haver da parte das câmaras municipais uma explicação sobre a mudança ou manutenção dos nomes de ruas, praças ou equipamentos públicos. Os nomes foram mudando em função da própria alteração da memória e das legitimidades históricas, declarou o investigador.
A este propósito, o autor do livro “A Universidade e o Estado Novo”, entre outros, citou o colega francês Marc Ferro (1924-2021) que encarava a memória numa ótica de “legitimidade histórica”.
Em entrevista à agência Lusa, Luís Reis Torgal foi questionado a partir de dois exemplos relacionados, respetivamente, com a colonização de Moçambique e a guerra colonial: a estátua do major Neutel de Abreu (1871-1945), em Figueiró dos Vinhos e o monumento “Aos heróis do Ultramar”, em Coimbra.
Fundador da cidade de Nampula, em Moçambique geminada em 2002 com Figueiró dos Vinhos, Neutel de Abreu nasceu e está sepultado neste município do distrito de Leiria, tendo-se distinguido nas “Campanhas de pacificação da África Oriental Portuguesa”.
O descerramento da estátua ao maçom Neutel de Abreu, membro do Grande Oriente Lusitano Unido, aconteceu em 1986, 11 anos depois da independência de Moçambique. Já o monumento de Coimbra, na praça ainda designada Heróis do Ultramar, concebido pelo escultor Cabral Antunes, foi inaugurado em 1971, três anos antes do 25 de Abril.
A sua construção teve aprovação pela Câmara local em 17 de Setembro de 1969, quando muitos estudantes da Universidade de Coimbra envolvidos na Crise Académica de 69 eram mobilizados para a guerra colonial, por retaliação do Governo de Marcelo Caetano.
A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro descreveu a estátua, como sendo de grande expressividade, representando um soldado com a indumentária da época, numa posição que denuncia estar a caminhar, segurando na mão direita uma arma, enquanto com a esquerda ampara uma criança de origem africana que tem sobre os ombros.
Após a Revolução dos Cravos, a estátua de Salazar em Santa Comba Dão foi decepada, continuando assim até 1978, ano em que foi destruída por um engenho explosivo.
“Na altura, era normal que se fizesse isso. Hoje, a frio, entendo que não se devia fazer”, defendeu Reis Torgal.
A memória “é uma coisa dinâmica”, mas que não seja “ao ponto de entrarmos em extremismos de direita ou de esquerda”, observou. Por sua vez, o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, considerou a geminação com Nampula “extremamente importante”, tendo em conta que Neutel “foi um dos fundadores” da cidade.
“O major é uma relevante personalidade figueiroense e nacional dos séculos XIX e XX”, sublinhou.
O autarca do PS explicou que a representação em bronze do militar está implantada na praça Simões de Almeida (Sobrinho), o artista que em 1908, esculpiu o primitivo busto da República, exposto no Museu da Presidência da República.
Em Nampula, existiu igualmente uma estátua de Neutel, com que as autoridades portuguesas, nos anos de 1950, decidiram “imortalizar as suas proezas de ter conseguido (…) conquistar o distrito de Moçambique e (…) por ser um dos colonos mais destacados e fundador da cidade”, escreveu a Academia Militar Marechal Samora Machel em 2020, no contexto do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios.
“Depois da independência nacional, a praça Neutel de Abreu foi transformada em praça dos Heróis Moçambicanos e a estátua (…) removida para o recinto do Museu da Academia”, acrescentou.
A colocação da estátua no local foi interpretada como “um sintoma claro de respeito histórico”, consideraram Nuno Soares e Aires Henriques, autores do livro “Maçons de pedra e cal – A Maçonaria ao Vale do Zêzere” (2015). Entretanto, Nguni Gungunhana (1850-1906), o último imperador do território moçambicano de Gaza, jaz na Fortaleza de Maputo.
Ironicamente, os restos mortais têm actualmente por companhia, entre outros símbolos da época colonial, a estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque, o oficial português que em 1895 capturou o monarca zulu, na aldeia fortificada de Chaimite.
Imagem: © 2025 Paulo Novais / LUSA