Índice
ToggleCaos Na Guiné-Bissau Com Dezenas De Detenções
A instabilidade na Guiné-Bissau atinge um novo patamar de caos político. O “período de transição” é marcado por detenções arbitrárias, violações de direitos humanos e reorganizações governativas questionáveis. Após a independência em 1974, este é o décimo golpe de estado que volta a mergulhar o país numa crise que o afasta da democracia.
O golpe de 26 de Novembro de 2025 depôs o Presidente Umaro Sissoco Embaló, posteriormente enviado para o Senegal. As operações militares levaram à detenção de magistrados, dirigentes políticos, membros da Comissão Nacional de Eleições e representantes da oposição.
Estas acções levantam profundas preocupações sobre a integridade física dos detidos e o devido processo legal. Organizações nacionais, como a Liga Guineense dos Direitos Humanos e entidades internacionais condenam firmemente as acções do novo comando militar.
Simultaneamente, o novo Presidente de transição, general Horta Inta-A, avança com nomeações rápidas para um governo provisório, procurando consolidar a sua autoridade. Contudo, a suspensão dos órgãos de comunicação social, a ausência de transparência e a interrupção do processo eleitoral alimentam receios sobre o rumo democrático do país.
O desafio central mantém-se: restaurar o funcionamento constitucional pleno da Guiné-Bissau e proteger os direitos fundamentais da população.
Detenções e Incerteza

A vaga de prisões tornou-se o ponto mais alarmante desta nova fase política. A Liga Guineense dos Direitos Humanos denunciou dezenas de detenções ilegais e arbitrárias, incluindo cinco magistrados do Ministério Público, o presidente da Comissão Nacional de Eleições, Mpabi Kabi e vários membros do secretariado, actores centrais no apuramento eleitoral.
Dirigentes políticos e figuras próximas da oposição, como Domingos Simões Pereira, o deputado Octávio Lopes e Roberto Mbesba (ligado à campanha de Fernando Dias), foram igualmente levados pelas forças armadas. Segundo Bubacar Turé, presidente da Liga, muitos destes foram alvo por resistirem a tentativas de adulteração dos resultados eleitorais.
Para Bubacar Turé, as prisões confirmam rumores de graves interferências nas fases finais do escrutínio e revelam uma perseguição política sem precedentes desde as crises de 2012 e 2023. A Liga alerta que o paradeiro de vários detidos permanece desconhecido, com riscos reais para a sua integridade física.
Além das prisões, a população vive sob relatos de invasões domiciliárias sem mandatos judiciais e a detenção de cerca de trinta jovens que, após protestos pela transparência eleitoral, foram espancados. A Liga exige a libertação imediata de todos os detidos e responsabiliza o comando militar pela sua segurança.
Para Turé, a única saída para evitar o agravamento da crise passa pela conclusão imediata do processo eleitoral, divulgação dos resultados e tomada de posse do novo Presidente eleito, o que permitiria restabelecer a ordem constitucional.
No plano internacional, cresce o coro de críticas e apelos à CEDEAO para uma intervenção firme. A organização regional já enviou delegações exploratórias a Bissau e mantém contactos com Estados-membros, enquanto vários países sublinham a importância de evitar que a Guiné-Bissau regresse a ciclos prolongados de ruptura institucional.
Novo Governo

O general Horta Inta-A foi empossado Presidente de transição, assumindo a chefia do Estado por um período previsto de um ano. Numa cerimónia discreta no Estado-Maior General das Forças Armadas, o novo líder procurou consolidar o seu poder através de nomeações rápidas e estratégicas.
Entre as primeiras decisões destaca-se a escolha de Ilídio Vieira Té para primeiro-ministro e ministro das Finanças. Vieira Té, antigo ministro do governo de Embaló, é considerado um dos homens de maior confiança do Presidente deposto, o que gerou interpretações variadas no campo político.
Vieira Té, jurista formado em Marrocos e com mestrado em Direitos Humanos, assumiu anteriormente responsabilidades na campanha presidencial de Embaló, o que levanta questões sobre a autonomia do governo militar face às dinâmicas políticas anteriores ao golpe.
Poucas horas depois, foi anunciada uma estrutura governativa alargada, composta por vinte e três ministérios e cinco secretarias de Estado. Entre os nomeados destaca-se o candidato presidencial João Bernardo Vieira, agora ministro dos Negócios Estrangeiros, uma opção que surpreendeu os observadores e os analistas.
A composição do governo visa projectar uma imagem de estabilidade e funcionalidade administrativa, embora para muitos constitua uma tentativa dos militares de legitimar o novo poder através da integração de figuras com peso político nacional. Este esforço de reorganização institucional decorre num ambiente de forte contestação interna e escrutínio externo.
Foi instituído o recolher obrigatório e todas as emissões de rádio, televisão e imprensa foram suspensas. Esta acção configura-se como censura, levantando preocupações. O Governo de transição argumenta que estas medidas são necessárias para garantir a ordem pública, mas, à medida que o tempo avança, cresce o receio da consolidação de um regime militar fechado e duradouro.
Reacções Internacionais

A reacção da comunidade internacional foi imediata e contundente. Nigéria, África do Sul, União Africana, CEDEAO, União Europeia e vários parceiros multilaterais condenaram o golpe, apelaram à libertação dos detidos e exigiram o regresso à ordem constitucional.
Para Abuja, o golpe representa uma ameaça directa à estabilidade da África Ocidental e uma violação grave dos princípios da CEDEAO que proíbe o acesso ao poder por meios inconstitucionais. A Nigéria exigiu aos militares que respeitem a vontade expressa nas urnas e garantam a segurança de todos os detidos.
A África do Sul reforçou estas críticas, destacando que o golpe ocorreu num momento crítico do processo eleitoral e demonstra desprezo pela soberania popular. Pretória reafirmou disponibilidade para cooperar com a União Africana e a CEDEAO na busca de uma solução que assegure a estabilidade duradoura na Guiné-Bissau.
A Rússia adoptou uma posição mais cautelosa, pedindo contenção e diálogo entre as forças políticas. Moscovo afirmou estar a acompanhar de perto a evolução da crise e apelou à restauração da ordem dentro dos limites legais.
Esta abordagem reflecte o posicionamento frequentemente pragmático de Moscovo na região, focado na preservação de estabilidade mínima sem ingerência directa nas dinâmicas internas dos Estados.
No plano regional, a CEDEAO convocou uma cimeira de emergência para definir o seu posicionamento oficial. A organização tem enfrentado nos últimos anos desafios significativos devido à sucessão de golpes no Sahel e na África Ocidental, cenário que fragiliza a sua capacidade de resposta e coloca pressão sobre os mecanismos de segurança colectiva.
As suspensões dos órgãos de comunicação social também agravam as preocupações internacionais. Organizações como os Repórteres Sem Fronteiras denunciam graves violações da liberdade de imprensa que, num ambiente de crise política, ampliam o risco de desinformação e manipulam a percepção pública num momento decisivo para o futuro democrático do país.
Conclusão
A crise aberta pelo golpe de 26 de Novembro de 2025 coloca a Guiné-Bissau diante de um ponto de viragem histórico. A sucessão de detenções, a suspensão do processo eleitoral, a censura e a reorganização acelerada do governo de transição mostram um país onde a autoridade militar se impõe sobre instituições civis fragilizadas.
A comunidade internacional reagiu com firmeza, mas o desfecho dependerá da capacidade das forças políticas guineenses de regressarem ao diálogo, restaurarem o processo eleitoral e devolverem legitimidade às instituições.
Para muitos cidadãos, a solução continua a ser clara: publicar os resultados eleitorais, permitir a tomada de posse do Presidente eleito e reabrir os canais democráticos que garantem representatividade e transparência.
Enquanto isso não acontecer, a Guiné-Bissau manter-se-á numa zona de instabilidade que ameaça prolongar-se e gerar novos ciclos de ruptura. A história recente do país demonstra que cada momento de suspensão constitucional cobra um preço elevado à sociedade. Evitar a repetição desse ciclo é hoje o maior desafio nacional.
Tens estado a acompanhar esta situação na Guiné-Bissau? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.
Imagem: © 2025 José Sena Goulão
