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Segunda-feira, Outubro 20, 2025

A Arte do Lixo: Simonet Biokou, A Forja Da Tradição

E se o lixo pudesse falar que histórias nos contaria? Talvez nos falasse de histórias de abandono e de desperdício além de consumo desenfreado que devora recursos sem pensar no amanhã, ou talvez nos lembrasse que cada objecto carrega uma memória, um uso, uma vida anterior. Em África há artistas que ousam dar-lhe outra voz: a voz da beleza, da memória e da resistência cultural. São criadores que não vêem lixo, mas sim matéria-prima para a imaginação, símbolos de resistência e possibilidades infinitas. No lixo que a sociedade descarta, eles descobrem matéria-prima para reinventar a vida e inspirar comunidades inteiras.

A Arte do Lixo: Simonet Biokou, A Forja Da Tradição


Conheces os artistas africanos que transformam lixo em arte? Não? Então prepara-te para conhecer Simonet Biokou, do Benim e descobrir um dos movimentos criativos mais surpreendentes e inspiradores do continente. Num mundo onde o consumo excessivo e o desperdício crescem a olhos vistos, há vozes em África que encontram beleza onde outros só vêem abandono.

Com uma mistura única de tradição, inovação e consciência ambiental, estes artistas reciclam metais, plásticos, tecidos, objectos abandonados, restos de tecnologia e até armas, dando-lhes uma segunda vida sob a forma de esculturas, instalações e obras de arte que contam histórias poderosas.

Este é o sexto artigo da nova série de 17, desta vez dedicada a criadores visionários que não só resgatam materiais esquecidos, como também reinventam a forma de pensar sobre a arte, a sustentabilidade e o futuro do planeta. Cada peça é uma prova de resistência, criatividade e ligação às comunidades, mostrando que daquilo que parecia perdido pode nascer algo belo e transformador.

Se procuras inspiração, inovação e uma perspectiva diferente sobre o que a arte pode ser, não percas esta viagem. Vais conhecer artistas que desafiam os limites do possível e que fazem de África um palco vibrante da arte contemporânea feita a partir do inesperado: o lixo.


Simonet Biokou


(20251018) A Arte do Lixo Simonet Biokou, A Forja Da Tradição
Imagem: © DR

Simonet Biokou nasceu a 7 de Julho de 1965, em Porto Novo, a capital histórica do Benim. Esta cidade, palco de séculos de intercâmbio cultural e rica em tradições artesanais e espiritualidade Vodum, foi o ambiente formador da sua vida. A proximidade ao ferro — material omnipresente na vida quotidiana das comunidades locais — viria a delinear o seu percurso e o seu destino artístico.

Proveniente de uma linhagem de ferreiros tradicionais, Biokou cresceu a observar o pai e outros artesãos a moldar o metal com uma precisão quase ritual, transformando a matéria bruta em objectos de utilidade ou em símbolos de poder. Essa infância, passada entre o som do martelo e o calor das forjas, foi a sua verdadeira escola de arte, muito antes de qualquer contacto com o meio académico.

Desde jovem, Biokou demonstrou um fascínio pelo potencial expressivo do ferro. Para ele, o metal parecia possuir uma alma própria, uma memória oculta que reagia ao fogo e à mão humana. O gesto do ferreiro, repetido desde tempos imemoriais, era visto não apenas como técnica, mas como um acto espiritual.

Esta percepção, inerente ao universo Vodum, moldou profundamente o seu olhar. A tradição oral, as danças, os rituais e as máscaras de Porto Novo alimentaram a sua imaginação, atribuindo significado a cada ferramenta, corrente ou pedaço de ferro.


Expressão Artística


(20251018) A Arte do Lixo Simonet Biokou, A Forja Da Tradição
Imagem: © DR

O trabalho de Simonet Biokou distingue-se por uma combinação rara de vigor técnico e profundidade simbólica. Cada escultura é o resultado de um processo demorado de recolha, selecção e transformação de materiais.

O artista percorre sucatas e oficinas de automóveis à procura de peças metálicas — pistões, correntes, radiadores, engrenagens, molas e chapas — que já cumpriram o seu ciclo funcional. Depois, reorganiza-as, conferindo-lhes uma nova identidade formal e espiritual.

O ferro enferrujado, os restos de motores e os fragmentos de maquinaria tornam-se, nas suas mãos, elementos vivos, dotados de expressividade e alma. Biokou cria essencialmente figuras humanas, muitas delas inspiradas na mitologia Vodum, nas tradições do Benim e nas actividades quotidianas da sua comunidade.

Representa guerreiros, caçadores, ferreiros, músicos, mães, trabalhadores, mas também deuses e entidades espirituais. As suas esculturas oscilam entre o realismo figurativo e a abstracção simbólica: corpos feitos de correntes, rostos formados por engrenagens, membros compostos por tubos e chapas.

O resultado é simultaneamente orgânico e mecânico — como se o homem e a máquina se fundissem num mesmo corpo ritual. Uma das presenças mais recorrentes nas suas obras é a do deus Ogum, o espírito do ferro e da guerra, venerado no panteão Vodum.

Em várias esculturas, Ogum aparece com instrumentos de forja ou armas, simbolizando tanto o poder destrutivo como a força criadora. Essa dualidade é essencial na visão de Biokou, onde o mesmo metal que serve para fabricar armas pode também ser transformado em arte.

A Representação do Quotidiano


Outra vertente do seu trabalho é a representação do quotidiano moderno africano. Biokou constrói figuras que retractam músicos de fanfarras, operários, condutores e soldados, captando o ritmo urbano e a energia das cidades africanas.

As engrenagens e correntes tornam-se símbolos desse movimento perpétuo, enquanto o ferro reciclado reflecte o espírito de sobrevivência e reinvenção que caracteriza o continente. Ao mesmo tempo, o artista mantém uma profunda ligação à tradição, incorporando nos seus trabalhos elementos que remetem para as máscaras rituais, as danças ancestrais e as cerimónias de iniciação.

A técnica de Biokou alia o improviso à precisão. Ele trabalha sem esboços detalhados, permitindo que a forma surja do diálogo directo com o material. Cada peça é construída camada a camada, soldando e ajustando as partes até atingir o equilíbrio entre força e harmonia.

As texturas rugosas e o brilho irregular do ferro conferem às esculturas uma presença quase humana. O artista prefere preservar as marcas do tempo — a ferrugem, as manchas, os cortes — como testemunho da história que o material carrega. As suas obras variam em dimensão: algumas cabem numa sala, outras ocupam espaços públicos ou galerias inteiras.

Mas todas partilham uma energia comum — a de transformar o banal em sublime. Quando vistas à distância, as esculturas impõem-se como monumentos; de perto, revelam a delicadeza dos detalhes e o engenho do artesão. Essa ambiguidade entre monumentalidade e intimismo é uma das características mais notáveis do seu estilo.


O Simbolismo de Simonet Biokou


(20251018) A Arte do Lixo Simonet Biokou, A Forja Da Tradição
Imagem: © DR

Na obra de Simonet Biokou, a escolha do ferro reciclado transcende a mera economia de meios, configurando um gesto consciente, ético e espiritual. O ferro é um material com memória — detém peso, temperatura, som e cheiro. Foi extraído da terra, moldado pela indústria, consumido, descartado e reencontrado. Ao reutilizá-lo, o artista devolve-lhe o ciclo vital interrompido.

Cada peça de ferro é um fragmento de uma história colectiva: a história da modernidade africana, da colonização, da exploração e, crucialmente, da resistência. O simbolismo das suas esculturas está intrinsecamente ligado ao universo Vodum, onde o ferro é sagrado. Ogum, a divindade do ferro, é o guardião da tecnologia, da guerra e da criação.

Ao trabalhar com este material, Biokou não apenas homenageia Ogum, mas invoca a força espiritual que o ferro representa. As esculturas tornam-se oferendas, mediações entre o humano e o divino. O processo de soldar e fundir os metais assume o carácter de ritual: o fogo purifica, o martelo consagra e o artista transforma-se num sacerdote da matéria.

O ferro reciclado, outrora símbolo de industrialização e progresso, ganha um significado transfigurado quando fundido na forma de figuras Vodum. Biokou subverte a lógica do consumo e da obsolescência: o que o mundo descartou, ele transforma em objecto de contemplação e reverência.

É um gesto de redenção estética e espiritual, uma alquimia onde o lixo se torna memória e o fragmento se converte em testemunho. O artista propõe igualmente uma reflexão profunda sobre a tensão entre tradição e modernidade. Ao combinar formas ancestrais com materiais industriais, ele estabelece uma ponte entre dois tempos.

O Símbolo da Opressão


O ferro — que em tempos foi um instrumento colonial e de opressão — torna-se agora uma ferramenta de autonomia criativa. O ferro da guerra transforma-se em ferro de beleza. As esculturas de Biokou articulam essa reconciliação possível entre o passado e o presente, entre o que foi imposto e o que é reinventado. Há, por fim, uma leitura ecológica e política incontornável.

Ao utilizar resíduos, o artista denuncia as contradições do sistema económico mundial: África que recebe os restos do consumo global, é também o espaço onde esses resíduos são reimaginados e convertidos em cultura. O ferro reciclado torna-se símbolo de resistência à lógica do descarte e da desigualdade. A arte de Biokou demonstra que o lixo pode ser regenerado e que a beleza pode surgir da ruína.


Trajectória e Formação


(20251018) A Arte do Lixo Simonet Biokou, A Forja Da Tradição
Imagem: © DR

Simonet Biokou, filho de ferreiro, cresceu em Porto Novo, numa imersão no trabalho artesanal e no culto ancestral. Desde tenra idade, aprendeu a observar o fogo, a medir o tempo da forja e a compreender o som do martelo sobre a bigorna. A oficina familiar funcionava simultaneamente como espaço de trabalho e templo, onde o acto de moldar o ferro se confundia com a invocação de espíritos protectores.

Durante a adolescência, o contacto directo com o ferro tornou-se uma extensão da sua identidade. O jovem Biokou auxiliava o pai a reparar ferramentas, a confeccionar utensílios agrícolas e, por vezes, a produzir pequenas peças de adorno para cerimónias.

Estes anos formativos proporcionaram-lhe uma compreensão táctil da matéria, ensinando-o a ler as suas tensões e a reconhecer o momento exacto em que o metal cede e se transforma. Esta intimidade com o material marcou profundamente a sua visão do mundo, na qual a criação artística é indissociável do trabalho manual, do esforço físico e da espiritualidade.

Nos anos 80, o Benim atravessava um período de transição política e económica, marcado pelo crescimento urbano e aumento do desemprego. Foi neste contexto que Biokou, já um artesão hábil, começou a experimentar com materiais de sucata.

O ferro abandonado nos quintais e mercados urbanos revelou-lhe um potencial inexplorado, carregando as marcas da vida moderna e o eco de antigas práticas de forja.

A Década Decisiva


A década de 90 foi decisiva para o seu percurso. Simonet Biokou uniu-se a dois primos igualmente talentosos — Calixte e Théodore Dakpogan —, também oriundos de famílias de ferreiros. Juntos, começaram a explorar a escultura metálica feita de materiais reciclados, numa época em que esta forma de arte ainda era pouco valorizada no Benim.

Os três artistas partilhavam a convicção de que a sucata podia ser tão expressiva quanto o bronze ou o mármore e que as tradições africanas de trabalho do ferro tinham muito a contribuir para a arte contemporânea.

O ponto de viragem ocorreu em 1992, com o Festival Ouidah 92, um dos eventos culturais mais importantes da história recente do Benim. O festival celebrava as raízes africanas e a religião Vodum, reconhecendo oficialmente a sua influência espiritual e artística.

Biokou apresentou as suas primeiras esculturas feitas exclusivamente de ferro reciclado que captaram a atenção pelo seu carácter híbrido: eram simultaneamente rituais e modernas, artesanais e conceptuais. A recepção foi entusiástica e o artista passou a ser considerado um dos nomes promissores da nova escultura africana.

Nos anos seguintes, o seu trabalho ganhou visibilidade internacional. Exposições em França, Bélgica e Canadá revelaram ao público europeu e americano a força simbólica das suas criações. A crítica destacou a originalidade do seu método e o poder expressivo das figuras forjadas a partir de motores, chapas e correntes.

Em Liège, na Bélgica, o Museu de Arte Contemporânea adquiriu uma das suas esculturas, tornando-o o único artista africano de ferro reciclado representado na colecção permanente da instituição — um reconhecimento raro para um criador oriundo do espaço cultural Vodum.

A Partir de 2000


A partir dos anos 2000, Biokou consolidou a sua reputação, participando em bienais e feiras internacionais, sem nunca abandonar Porto Novo. A cidade permanece o centro da sua produção e o ponto de contacto com as suas origens espirituais. O artista continua a trabalhar numa oficina de bairro, utilizando ferramentas simples e materiais encontrados localmente.

Esta fidelidade à sua terra e ao processo artesanal é uma parte essencial da sua identidade artística. O percurso de Biokou reflecte uma trajectória dupla: por um lado, o domínio técnico de uma tradição ancestral de ferreiros; por outro, a consciência crítica do mundo contemporâneo. Ele é, em certo sentido, um mediador entre dois tempos: o passado sagrado e o presente industrial.

A sua formação não académica — baseada na transmissão oral e na experiência directa — concede-lhe uma liberdade criativa que escapa às convenções do ensino ocidental da arte. Para Biokou, o ferro não é apenas um meio expressivo; é uma herança viva, um corpo que guarda a memória dos antepassados e das mãos que o moldaram ao longo dos séculos.

Hoje, Simonet Biokou é reconhecido como um dos grandes escultores do Benim e uma referência na arte africana contemporânea. O seu nome surge frequentemente ao lado de mestres da escultura de sucata do continente, como Romuald Hazoumé e os irmãos Dakpogan.

Contudo, mantém uma postura discreta e fiel à simplicidade das suas origens, trabalhando rodeado por jovens aprendizes. A estes, ensina não apenas técnicas de soldadura, mas também uma filosofia: a de que nada é verdadeiramente inútil e que a arte começa quando se aprende a escutar a matéria.


Mensagens Sociais e Ambientais


(20251018) A Arte do Lixo Simonet Biokou, A Forja Da Tradição
Imagem: © DR

A arte de Simonet Biokou constitui uma resposta intrínseca ao mundo que o rodeia. O artista observa os resíduos da modernidade — motores inutilizados, correntes partidas, peças de automóveis — e neles vislumbra o retracto de uma sociedade em constante transformação.

Ao recolher e converter estes materiais em esculturas, realiza um duplo gesto: denuncia o desperdício e revela a possibilidade de renascimento. Socialmente, o seu trabalho evoca resistência e dignidade. As suas esculturas — firmes, densas, por vezes com um aspecto guerreiro — representam homens e mulheres que superam a adversidade.

As peças remetem tanto para os antigos ferreiros do Benim como para os operários das cidades modernas, figuras que carregam o peso do ferro e o da história. Cada soldadura é um acto de reconstrução simbólica, afirmando que, mesmo em tempos de crise, há espaço para a criação e a beleza.

A mensagem ambiental é igualmente poderosa. Ao transformar lixo industrial em arte, Biokou chama a atenção para as contradições de um sistema económico que gera abundância e descarte em vastas proporções. As suas esculturas funcionam como alertas visuais, lembrando que o planeta não suporta eternamente o custo do consumo.

Contudo, a sua crítica não se manifesta em palavras ou slogans, mas através do ferro, dos gestos e da forma, convidando à reflexão sem moralizar. No plano cultural, Biokou revitaliza o universo Vodum, actualizando os seus símbolos e demonstrando que a tradição pode dialogar com o presente. Através das suas figuras metálicas, reinscreve o espiritual na esfera contemporânea.

Divindades, espíritos e rituais surgem fundidos com peças de maquinaria, como se o mundo moderno também possuísse os seus deuses e sacrifícios. A religião Vodum, frequentemente estigmatizada fora de África, é apresentada pelo artista como património cultural e fonte de sabedoria ecológica.

A Dimensão Social


A dimensão social da sua obra manifesta-se também na sua prática laboral. No Porto Novo, Biokou emprega e forma jovens locais, oferecendo-lhes uma alternativa económica e criativa à marginalidade urbana.

A oficina transforma-se num espaço de aprendizagem e de cidadania e muitos dos seus aprendizes acabam por desenvolver os seus próprios projectos, inspirados na filosofia de reciclagem e reaproveitamento. O ferro, neste contexto, transcende o material, tornando-se um instrumento de transformação social.

O artista acredita que a arte tem o dever de dialogar com o seu tempo. As suas esculturas abordam as desigualdades, a colonização, a perda de identidade e a necessidade de reconciliação. Ao reutilizar o ferro — material associado à violência, à guerra e à exploração — Biokou converte-o em símbolo de reconstrução.

A sua mensagem é universal: da destruição pode nascer criação e da ruína pode brotar beleza. Em diversas entrevistas, Biokou tem salientado que o seu objectivo não é apenas criar obras esteticamente belas, mas provocar uma tomada de consciência.

Cada peça é um testemunho da capacidade humana de se reinventar, um lembrete de que, no Benim, quase tudo pode ser aproveitado — do ferro velho às crenças mais antigas. Esta filosofia de reaproveitamento, tão enraizada na vida africana, torna-se, nas suas mãos, linguagem estética e proposta ética.

Por fim, há uma mensagem política implícita: ao transformar os restos da industrialização — muitos deles provenientes de automóveis importados da Europa — Biokou devolve a África o protagonismo sobre a matéria.

Ele reapropria-se dos símbolos da modernidade ocidental e reconverte-os em expressão africana. O ferro, outrora símbolo de dependência económica, torna-se emblema de autonomia criativa. Assim, a sua obra é simultaneamente um ato artístico e um gesto de descolonização.


Reflexão Final


(20251018) A Arte do Lixo Simonet Biokou, A Forja Da Tradição
Imagem: © DR

A obra de Simonet Biokou insere-se no movimento da arte africana contemporânea que reivindica a sua própria voz, livre de intermediários ou exotismos. Distinguindo-se de artistas que se adaptam às exigências do mercado internacional, Biokou trilha o seu caminho na coerência entre origem e expressão.

O ferro reciclado é o seu manifesto: duro, pesado, mas profundamente carregado de memória e de humanidade. Num mundo dominado pela cultura do descarte, o artista beninense ergue uma estética da permanência. Ele demonstra que o abandonado pode tornar-se sagrado e a ruína converter-se em símbolo de esperança.

As suas esculturas são, de certa forma, monumentos à resistência — da matéria, do espírito e da cultura. A força da sua arte reside na simplicidade do gesto: recolher, transformar, devolver. Esta tríade encerra uma lição moral e estética: recolher é reconhecer o valor do esquecido; transformar é um acto de criatividade; devolver é partilhar com a comunidade.

Biokou cumpre estas etapas com humildade e precisão, criando obras que pertencem tanto ao seu povo como ao mundo. Em feiras de arte contemporânea em Paris, Bruxelas e Montreal, as suas esculturas são apresentadas como exemplo da nova sensibilidade africana — uma arte que dialoga com a sustentabilidade, a espiritualidade e a crítica pós-colonial.

Contudo, para o próprio artista, o reconhecimento internacional é uma mera consequência; o essencial, segundo as suas palavras, é que o ferro continue a falar. Seguir o percurso de Simonet Biokou é mergulhar num universo onde a tradição se renova e o material mais rude se converte em metáfora de vida.

Criar Sem Destruir


O ferro que ele molda guarda o eco dos antigos ferreiros e o ruído dos motores urbanos; traz o peso da história e o sopro do futuro. As suas esculturas lembram-nos que a arte não se define pela nobreza dos materiais, mas pela nobreza do olhar. Num tempo em que as cidades de África enfrentam desafios ambientais graves, a sua prática é um modelo de sustentabilidade.

O artista demonstra que é possível criar sem destruir, produzir beleza a partir do reaproveitamento e fazer do ferro um símbolo de esperança. A sua obra, nascida do lixo, oferece ao mundo uma lição de economia simbólica e ecológica: nada se perde quando há imaginação e respeito pela matéria. Em última análise, Simonet Biokou é um poeta do ferro.

As suas esculturas são versos de metal, escritos com fogo e paciência que falam da condição humana, da fé e da sobrevivência. Ele transforma o descarte em arte, o ruído em silêncio contemplativo, a ferrugem em brilho. A sua mensagem é clara: o futuro da arte e talvez da humanidade, depende da capacidade de reinventar o que já existe, de reconhecer o valor do esquecido e de transformar o lixo em herança.


Conclusão


Simonet Biokou é mais do que um escultor de ferro reciclado: é um contador de histórias que usa o metal descartado como verbo, símbolo e matéria. A sua arte pega no que foi deixado para trás e eleva-o — transforma correntes em figuras de culto, engrenagens em corpos que evocam deuses, chapas metálicas em rostos que falam de África, do passado e do presente.

Num universo artístico globalizado, ele reafirma que a originalidade pode nascer da reutilização que a tradição pode reinventar-se e que o lixo deitado fora pode conter o futuro. A sua obra desafia-nos a ver o lixo de outra forma — não como fim, mas como ponto de partida.

E enquanto o mundo continua a produzir resíduos em grande escala, artistas como Biokou lembram-nos que há valor no que parecemos ignorar, histórias no que parece sem voz e beleza no que parece inútil. Em suma: a arte do lixo, quando bem feita, revela-se como uma arte de renascimento.


O que achas do percurso de Simonet Biokou? Queremos saber a tua opinião, não hesites em comentar e se gostaste do artigo partilha e dá um “like/gosto”.

 

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A Arte do Lixo: Mudungaze e as Máscaras que Contam Histórias

A Arte do Lixo: Dickens Otieno, Tecer Arte Com Latas De Metal

A Arte do Lixo: El Anatsui, Entre Tradição e Globalização

A Arte do Lixo: Moffat Takadiwa, Tecidos do Desperdício

A Arte do Lixo: Simonet Biokou, A Forja Da Tradição

 

Imagem: © 2025 Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santos

Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.

Francisco Lopes-Santos
Francisco Lopes-Santoshttp://xesko.webs.com
Atleta Olímpico, tem um Doutoramento em Antropologia da Arte e dois Mestrados, um em Treino de Alto Rendimento e outro em Belas Artes, além de vários cursos de especialização em diversas áreas. Escritor prolifero, já publicou vários livros de Poesia e de Ficção, além de vários ensaios e artigos científicos.
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