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ToggleTerra Ranka e CEDEAO em Rota de Colisão
Os mediadores da CEDEAO, ficaram apreensivos, com a recusa da Plataforma Aliança Inclusiva (PAI-Terra Ranka), vencedora das eleições de Junho de 2023, em se reunir com eles. O motivo: o facto de a organização regional ter dialogado com Satu Camará, figura que assumiu a presidência do parlamento em Setembro sob ordens do Presidente Umaro Sissoco Embaló.
Num documento enviado à representante da CEDEAO, a coligação acusou a missão de legitimar “actores ilegais”.
“A CEDEAO sabe que Camará usurpou funções, mas prefere ignorar a verdade”.
Declarou António Samba Baldé, coordenador interino da Terra Ranka. Enquanto isso, Embaló mantém a data de 30 de Novembro para eleições legislativas e presidenciais. A oposição exige votos até Maio, alegando que o mandato presidencial termina esta semana. O impasse reflecte décadas de instabilidade num país com história de golpes e intervenções externas.
A Queda do Parlamento
A crise actual começou em Dezembro de 2023. Umaro Sissoco Embaló dissolveu o parlamento e demitiu o Governo liderado pela Terra Ranka, alegando “grave crise institucional”. O Presidente instalou um executivo sem aval legislativo, medida considerada inconstitucional por juristas.
A oposição classificou o acto como “golpe parlamentar”. Domingos Simões Pereira, denunciou:
“Embaló governa por decreto, ignorando a vontade popular”.
Sem parlamento funcional, o país opera em modo de excepção há seis meses. A CEDEAO que mediou a transição pós-golpe de 2012, regressou a Bissau para facilitar o consenso. Porém, a missão liderada pela nigeriana Ngozi Ukaeje falhou em unir as partes. A exclusão de partidos críticos ao Presidente minou a credibilidade do processo.
“A CEDEAO age como cúmplice deste regime”.
Acusou um membro do MADEM G-15, partido excluído das consultas. A desconfiança mútua transformou a mediação regional num exercício fútil.
O cerne da crise é a disputa sobre o fim do mandato de Embaló. A oposição insiste que o Presidente perde legitimidade a 27 de Maio, data em que se completam cinco anos desde as eleições de 2019. A Constituição é clara: o mandato presidencial não pode exceder cinco anos.
Embaló, porém, argumenta que governa até 4 de Setembro. A justificação remete a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 2020 que validou a sua posse após contenciosos eleitorais.
“O STJ decidiu que meu mandato começou em Setembro de 2020. Portanto, termina em 2024”, declarou
Juristas independentes contestam a tese.
“O tribunal não pode estender prazos constitucionais”.
Explicou Carlos Vaz, constitucionalista guineense. Para a oposição, Embaló usa uma interpretação judicial distorcida para se manter no poder. A polémica revela um padrão: desde 2020, o STJ tem sido acusado de alinhamento com o Presidente.
“Não há independência judicial neste país”, denunciou a Liga Guineense dos Direitos Humanos.
A CEDEAO em Xeque
A mediação da CEDEAO ocorre num contexto regional delicado. Após golpes no Mali, Burkina Faso e Níger, a organização tenta reafirmar o seu papel como guardiã da estabilidade na África Ocidental. Porém, a postura de Embaló desafia a sua autoridade.
“A CEDEAO não manda na Guiné-Bissau”.
Disparou o Presidente, durante encontro com a missão. A declaração reflecte a crescente resistência de líderes africanos à ingerência regional. Para analistas, a organização está enfraquecida após as expulsões no Sahel.
Internamente, a CEDEAO debate-se entre pressionar Bissau e evitar mais instabilidade.
“Se impusermos sanções, arriscamos outro golpe. Se não agirmos, legitimamos ilegalidades”, admitiu um funcionário sob anonimato.
A visita do primeiro-ministro senegalês, Ousmane Sonko, complicou o panorama. Embora focada na paz na Casamansa, a presença de Sonko foi lida como apoio tácito a Embaló, minando a posição da CEDEAO.
A Terra Ranka e a Aliança Patriótica Inclusiva (API) formaram uma frente única contra Embaló. As coligações exigem eleições em 90 dias e a restauração do parlamento.
“Sem isso, não há condições para votos justos”, afirmou Nuno Nabiam, líder da API.
As plataformas pedem à CEDEAO que pressione pela reconstitucionalização da Comissão Nacional de Eleições (CNE).
“A CNE actual é controlada pelo Presidente. Precisamos de uma direcção neutra”, explicou um membro da Terra Ranka.
A Frente Popular que reúne sindicatos e grupos juvenis, junta-se ao coro.
“Embaló está a enterrar a democracia”, declarou Braima Camará, líder estudantil.
Protestos pontuais têm ocorrido em Bissau, mas a repressão policial mantém a tensão contida. Para a oposição, a única saída é pressão internacional.
“A CEDEAO, a UA e a ONU não podem ficar inertes”.
Apelou Domingos Simões Pereira. Porém, a comunidade internacional parece dividida sobre como agir.
O Papel das Forças Armadas
As Forças Armadas da Guiné-Bissau mantêm-se discretas, mas influentes. Historicamente, os militares intervieram em crises políticas, como no golpe de 2012. Agora, observam o impasse sem tomar posição pública.
“Os militares são o poder oculto”, afirmou um analista político em Bissau. “Se Embaló perder o apoio deles, cai em horas”. O Presidente, porém, tem investido em relações próximas com altos comandos, garantindo lealdade.
A oposição teme que as Forças Armadas apoiem um adiamento das eleições.
“Há rumores de que Embaló prometeu aumentos salariais aos militares em troca de apoio”.
Revelou uma fonte do MADEM G-15. Enquanto isso, a população vive em alerta.
“Já vimos isto antes: os políticos lutam, os militares ficam à espera e o povo sofre”.
Desabafou uma comerciante no mercado de Bandim.
A Guiné-Bissau é um dos países mais instáveis de África. Desde a independência em 1974, registou quatro golpes de Estado e dezenas de tentativas fracassadas. A crise actual é herança de décadas de má governação.
O PAIGC, partido histórico da independência, dominou a política até 2019. A vitória de Embaló, um ex-militar, marcou uma ruptura. Porém, o seu governo tem sido marcado por confrontos com o parlamento e acusações de autoritarismo.
A economia, dependente de castanha de caju e da ajuda internacional, está em colapso. “Sem estabilidade política, não há investimento”, lamentou um empresário local. A pobreza atinge 70% da população, alimentando descontentamento. A comunidade internacional tem falhado em resolver as crises. Missões da ONU, UA e CEDEAO entraram e saíram sem deixar legado.
“Somos um laboratório de fracassos diplomáticos”, ironizou um activista.
Impactos Regionais e Internacionais
A crise na Guiné-Bissau preocupa os países vizinhos. O Senegal e a Guiné-Conacri temem fluxos de refugiados e a expansão do tráfico de drogas que usa o país como rota.
A União Europeia suspendeu ajuda orçamental devido à falta de transparência. “Não financiamos governos ilegítimos”, disse um diplomata europeu. Os EUA mantêm-se cautelosos, focados noutras regiões.
A Rússia e a China observam com interesse. “Moscovo vê na instabilidade uma oportunidade para aumentar influência”, alertou um analista. Pequim, por sua vez, procura acesso a recursos naturais como os fosfatos.
Para a CEDEAO, o fracasso em Bissau seria um golpe fatal.
“Se não resolvermos isto, outros países questionarão nossa relevância”, admitiu uma fonte da organização.
Os analistas apontam três cenários. O primeiro: eleições em Novembro, com vitória de Embaló, seguida de protestos violentos. O segundo: golpe militar para “restaurar a ordem”. O terceiro: mediação internacional bem-sucedida, com eleições livres em 2025.
“O mais provável é o prolongamento do caos”.
“Ninguém tem força para impor uma solução e a população está exausta”.
Explicou um académico. Entretanto, a Terra Ranka ameaça boicotar as eleições se a CNE não for reformada.
“Sem uma fiscalização independente, o voto será uma farsa”, alertou Domingos Simões Pereira.
Enquanto isso, Embaló prepara-se para comemorar o 50.º aniversário da independência em Setembro. Críticos acusam-no de usar a data para consolidar o poder.
“Será uma festa para poucos”, protestou um jovem em Bissau.
Conclusão
A Guiné-Bissau está à beira do abismo. A recusa da Terra Ranka em dialogar com a CEDEAO simboliza a falência da política de consensos. Enquanto Embaló desafia a Constituição, a oposição mobiliza-se para evitar um “golpe técnico” prolongado.
A mediação regional, fragilizada pelos fracassos no Sahel, mostra-se incapaz de resolver o impasse. Sem intervenção urgente, o país poderá regressar ao ciclo de violência que marcou a sua história. A democracia guineense, mais uma vez, pende por um fio.
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Imagem: © DR