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ToggleÁfrica: Não Metam China e Rússia no Mesmo Saco
África é, cada vez mais, o centro de disputas entre potências mundiais, destacando-se, nesse contexto, a China e a Rússia. Ambas têm aumentado a sua presença no continente, mas com abordagens distintas.
A Rússia procura criar instabilidade como estratégia para fragilizar o flanco sul da União Europeia e da NATO, enquanto que a China se concentra em garantir os seus interesses económicos, especialmente através da extracção de recursos naturais.
Estas diferenças foram destacadas por João Gomes Cravinho, representante especial da União Europeia para o Sahel que assumiu o cargo a 1 de Dezembro de 2024.
“Não se deve meter a China e a Rússia no mesmo saco quando se fala nas relações com África”, afirmou.
Em entrevista à Lusa, Cravinho analisou o impacto destas presenças e as consequências das suas estratégias para a estabilidade regional.
Com exemplos concretos, como o investimento chinês no oleoduto Níger-Benim e a crescente influência russa nos países que abandonaram a CEDEAO, Cravinho mostrou como estas potências moldam o futuro de África, cada uma à sua maneira.
China: Uma Presença Pragmática
Apesar das dificuldades impostas pelo golpe de Estado de Julho de 2023 no Níger que deteriorou as relações com o Benim e levou ao encerramento da fronteira comum, a China actuou como mediadora para assegurar que o oleoduto pudesse operar normalmente.
“A China empenhou-se com muito tempo e muita energia em mediação para criar condições de, enfim, para melhorar o relacionamento entre o Benim e o Níger, para poder extrair o seu petróleo”.
“Tiveram sucesso, de certo modo, porque conseguiram convencer as duas partes a permitir que o oleoduto funcionasse”, afirmou Cravinho.
Ele sublinhou que, para Pequim, o funcionamento do oleoduto era mais importante do que as questões políticas ou humanas, evidenciando uma abordagem sem escrúpulos em relação à qualidade dos regimes.
Por exemplo, antes do golpe, a China tinha boas relações com o governo deposto no Níger. No entanto, rapidamente adaptou-se ao novo regime militar, mostrando-se agnóstica em relação à governação. Para Pequim, o foco é sempre nos resultados económicos.
“O que eles querem é que o óleo possa ser transportado dos campos petrolíferos até à costa”.
“Se as fronteiras estão fechadas, se não há passagem nem de pessoas nem de bens, isso já é uma coisa que interessa pouco”, enfatizou o representante europeu.
Rússia: Instabilidade Como Arma
“A Rússia está interessada em criar uma zona de instabilidade naquilo que considera ser o flanco sul da União Europeia e, sobretudo, o flanco sul da NATO”, disse Cravinho.
Desde que começou a actuar na região, a Rússia estabeleceu-se principalmente no Mali, no Burkina Fasso e mais recentemente no Níger. No entanto, a estratégia russa tem mostrado limitações. Apesar do aumento de influência nos países que abandonaram a CEDEAO, a sua actuação militar tem sido pouco eficaz.
No Mali, onde a presença russa é mais forte, o objectivo inicial de reconquistar territórios foi abandonado em favor de uma postura defensiva, focada na protecção dos regimes militares.
“Os russos sofreram baixas muito significativas e a postura deles, militar, alterou-se de uma postura de tentativa de reconquista do território para uma postura de protecção do regime”, observou Cravinho.
Esta fragilidade reflecte-se também no impacto geral da influência russa na região. A saída do Mali, do Níger e do Burkina Fasso da CEDEAO criou dificuldades para todos os envolvidos, reduzindo a capacidade de cooperação e agravando a fragmentação regional, também para as próprias Nações Unidas que têm lá um escritório importante para a África Ocidental.
Outros Actores em África
O Irão, por sua vez, tem tentado assegurar o acesso ao urânio do Níger, mas enfrenta dificuldades devido às sanções financeiras internacionais e tem encontrado dificuldades em estabelecer relações convincentes com os países da região, o que o torna um parceiro pouco atractivo.
Por fim, os Estados Unidos da América (EUA) permanecem uma incógnita porque não se sabe ainda qual vai ser a atitude da nova administração.
“Acredito que a nova administração olhe para a região do Sahel como uma região problemática em termos de proliferação de alguns movimentos terroristas e, portanto, seja essa a preocupação”.
“Em segundo lugar, como uma preocupação que terá de ser gerida por outros, nomeadamente europeus”.
“Creio que eles olharão para a região como uma região que os europeus têm de saber trabalhar, porque eles próprios não acreditam que se empenhem particularmente”.
“Pelo menos essa foi a atitude da primeira administração Trump”, opinou Cravinho.
Por fim, Gomes Cravinho sublinhou que a crescente presença de múltiplos actores no Sahel reflecte “um vazio de poder” na região, agravado por desafios de segurança, instabilidade política e interesses oportunistas de diferentes nações.
Conclusão
Enquanto a China aposta numa abordagem pragmática e focada na extracção de recursos, a Rússia tenta usar a instabilidade como ferramenta para aumentar a sua influência.
Este jogo de forças, aliado à presença de outros actores internacionais, reforça a necessidade de ser desenvolvida uma estratégia africana coesa e proactiva para garantir a estabilidade e o desenvolvimento da região.
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Imagem: © 2019 Gianluigi Guercia via Getty Images